Fizeram História

'Revolucionário e gay': Herbert Daniel desafiou ditadura e homofobia

Integrante da resistência armada contra a ditadura militar, ativista pelos direitos da população LGBTQIA+, de pessoas com HIV e pelo meio ambiente, aliado nas lutas dos movimentos de mulheres, negro e indígena, além de escritor, Herbert Daniel ainda é pouco lembrado por seu legado.
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Nascido Herbert Eustáquio de Carvalho em 1946, em Belo Horizonte, filho de um policial militar e uma dona de casa, Herbert Daniel foi um menino reservado e inteligente, apaixonado por livros. Cresceu em meio à rígida moral conservadora e católica da classe média mineira nos anos 1950 e 1960, época em que teve as primeiras experiências sexuais com outros homens, em segredo. Ingressou na Faculdade de Medicina da UFMG em 1965, pouco depois do golpe militar.
UFMG/Divulgação
No meio universitário, o jovem se engajou no movimento estudantil que fazia oposição à ditadura. Em 1967, entrou para uma organização revolucionária, a Polop, da qual se tornou um dos líderes. Participou também dos grupos Colina, VAR Palmares e VPR, vivendo por sete anos na clandestinidade.
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Herbert conseguiu escapar da prisão e das torturas de que seus companheiros foram vítimas. Em 1974, se exilou em Portugal e na França. Nesse período, pôde enfim viver sua sexualidade abertamente, tornando pública sua relação com o artista Cláudio Mesquita, seu companheiro até o fim da vida.
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O 'último exilado'

Daniel voltou ao Brasil em 1981, dois anos depois da Lei da Anistia, da qual ficou excluído. Nessa época, publicações como 'Veja' e 'O Pasquim' veicularam notícias de seu retorno, incluindo a informação de seu relacionamento homoafetivo. Ainda muito raramente publicizado na época, esse fato o tornou mais conhecido nacionalmente.
Ricardo Malta/N Imagens

Ele se colocou como modelo de um gay aberto e orgulhoso com uma agenda que defendia os direitos LGBT, mas sempre procurando maneiras de dialogar com outros setores da sociedade brasileira

James Green, a Ecoa,
Professor da Universidade Brown e autor da biografia de Herbert Daniel 'Revolucionário e Gay'
Em 1982, estabelecido no Rio de Janeiro, Herbert publicou seu primeiro livro.'Passagem para o próximo sonho' narra a trajetória de vida do autor até ali com uma visão crítica da luta armada. Outros oito livros viriam nos anos seguintes. Em meio à abertura, ele também retomou sua atividade política.
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'Qualquer maneira de amor vale a pena'

Na primeira eleição direta para governador e deputado estadual desde 1965, Herbert trabalhou na campanha de Liszt Vieira para deputado pelo PT. A plataforma do candidato contemplava a ecologia e o combate à discriminação de homossexuais, negros e mulheres, algo inovador para a época. Herbert lançou o verso da música 'Paula e Bebeto' como slogan e Vieira foi eleito com cerca de 10 mil votos.
Em 1986, Daniel participou da fundação do Partido Verde e lançou dessa vez sua própria candidatura a deputado estadual pela sigla. A frase síntese da campanha "não há democracia se ela para na porta da fábrica ou na beira da cama" resume sua tentativa de unir o debate sobre redemocratização, classe e sexualidade. Não conseguiu ser eleito, mas não desanimou.
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Nos anos 1980, a epidemia de HIV/Aids causou pânico e desinformação, reforçando o preconceito contra homossexuais. Depois da campanha, Herbert passou a atuar na Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, a Abia, ONG que elaborava políticas e informava sobre a doença. Realizou um trabalho importante à frente dos boletins que traziam atualizações e críticas à condução da epidemia pelo governo.
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Em 1989, o ativista descobriu estar infectado com o HIV. Novamente, decidiu tornar a questão pública. Nos três anos seguintes, buscou politizar o fato de viver com aids e afirmar que estava vivo, militando incansavelmente. Fundou o Grupo Pela Vidda, ativo até hoje no apoio a pessoas com HIV/aids. Herbert Daniel morreu em 1992, aos 45 anos.
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Não tenho dúvidas de que ele seria [hoje] um defensor de uma frente ampla pela democracia e contra as formas como as ideologias religiosas e conservadoras buscam enfraquecer as instituições democráticas e impor suas visões de mundo sobre os outros

James Green,
Professor da Universidade Brown e biógrafo de Herbert Daniel
Publicado em 25 de junho de 2022.
Reportagem: Juliana Domingos de Lima
Edição: Paula Rodrigues