Fizeram História

Fanon estudou efeitos do racismo e lutou por libertação colonial

Por Juliana Domingos de Lima

Vice-campeã do Carnaval do Rio em 2022, a Beija-Flor desfilou com um enredo sobre "empretecer o pensamento", derrubou estátuas de figuras como Borba Gato e enalteceu escritores negros.
Reprodução/Facebook/G.R.E.S Beija-Flor de Nilópolis

'Máscaras brancas sobre peles negras'

Uma das referências presentes no desfile foi Frantz Fanon, psiquiatra, filósofo e militante nas lutas de libertação anticolonial que tem se tornado mais conhecido no Brasil para além dos círculos acadêmicos.
Reprodução/Facebook/G.R.E.S Beija-Flor de Nilópolis

Trazer o pensamento negro é um tema muito fanoniano, porque uma das provocações dele é que não basta valorizar o negro enquanto cultura, enquanto corpo. É necessário mostrar o quanto a modernidade foi construída a partir do apagamento da contribuição negra para o pensamento universal

Deivison Faustino,
Professor da Unifesp e do Instituto Amma Psique e Negritude
Com ?Pele Negra, Máscaras Brancas?, livro publicado em 1952, Fanon entregou uma abordagem psicanalítica sobre a questão racial, demonstrando como a sociedade branca atua para inferiorizar e desumanizar pessoas negras. Vem influenciando movimentos antirracistas desde então.
Mary Nichols/WikimediaCommons

Acredito que aqueles que se identificarem [com a obra] terão dado um passo à frente. Quero sinceramente levar meu irmão negro ou branco a sacudir energicamente o lamentável uniforme tecido durante séculos de incompreensão. (...) O futuro deve ser uma construção sustentável do homem existente. Esta edificação se liga ao presente, na medida em que coloco-o como algo a ser superado

Frantz Fanon,
Na introdução de ?Pele Negra, Máscaras Brancas?
Fanon nasceu em 1925 na Martinica, então colônia francesa no Caribe. Na juventude, foi aluno do poeta e pensador anticolonialista Aimé Césaire. Em 1944, foi para a Europa lutar na Segunda Guerra Mundial ao lado da França.
The Caribbean Photo Archive/Flickr
Após o fim da guerra, ele se instalou em Paris e deu continuidade aos estudos. Formou-se médico e psiquiatra, atuando em hospitais franceses.
Imec/Divulgação
Vindo de uma família de classe média na Martinica, Fanon cresceu se identificando como francês. Ao chegar na metrópole, porém, não recebeu um tratamento de igualdade. Tinha ?a impressão infernal que jamais conseguiria ser reconhecido como um colega pelos brancos, e como doutor pelos pacientes europeus.?
SDASM Archives/Flickr
Em 1953, aceitou coordenar o maior hospital psiquiátrico da Argélia, um ano antes do início da guerra de independência do país do norte da África contra a França. Depois de dois anos, se demitiu e aderiu à revolução, manifestando-se contra a política colonial em uma carta pública que levou a sua expulsão da Argélia.
Dominio Público
Fanon foi então para a Tunísia, onde seguiu atuando como psiquiatra em hospitais e também como pesquisador e militante político pela libertação da Argélia, trabalhando na articulação internacional da luta. Em 1959, chegou a sofrer uma tentativa de assassinato por uma organização terrorista francesa.
Imec/Divulgação
Em 1960, ainda no auge de sua atuação política, Fanon foi diagnosticado com leucemia. Já debilitado pela doença, trabalhou com intensidade ainda maior pela libertação da Argélia e de outros países africanos. Em seis semanas, escreveu "Os Condenados da Terra", outra obra importante sua. Morreu em 1961 e foi enterrado na Argélia, que conquistou a independência em 1962.
Wikimedia Commons

É muito interessante a escola [Beija-Flor] visibilizar esse autor que traz contribuições singulares para o pensamento antirrracista. Fanon inspirou Paulo Freire, Florestan Fernandes e também Lélia González, Neusa Santos Souza, Milton Barbosa, foi uma figura importante na constituição intelectual do Movimento Negro Unificado na década de 1970. Ele propõe que o pensamento nos mobilize na direção da transformação social.

Deivison Faustino,
Professor da Unifesp e do Instituto Amma Psique e Negritude
Publicado em 30 de abril de 2022.
Reportagem: Juliana Domingos de Lima
Edição: Fernanda Schimidt