Demi Lovato e mais

Como usar a linguagem neutra no dia a dia

Por Noah Scheffel

Quando o assunto é celebridades, Demi Lovato está no topo da lista. Foi estrela mirim e responsável por um monte de hits dos últimos anos, tem milhões de fãs e aparece com frequência no noticiário. Na semana passada, Demi contou ao mundo que se entende como uma pessoa não-binária e passou a usar os pronomes they e them, forma no plural que no inglês não têm gênero determinado.
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É possível nos referir a pessoas não-binárias em português?

Sim! Esse guia explica
A língua portuguesa atualmente não dialoga com todas as pessoas. Sua estrutura é binária, obriga sempre que possível a uma definição de gênero a sujeitos e substantivos. Pessoas e suas atuações são nomeadas como "a" ou "o", o professor, a médica, o pássaro. Mas existem mecanismos para tornar a nossa comunicação inclusiva para todes -- e aqui você já conhece o recurso mais simples, ainda que não oficializado em manuais de redação.
Outra questão é: o português é uma língua machista. Em qualquer exemplo em que homens ou objetos masculinos estejam presentes, automaticamente falamos do todo adotando a forma masculina: uma mesa com três mulheres e um homem é de consumidores, não consumidoras, um painel de médicos, empresa abre vaga de coordenador... Logo, quando falamos de modo amplo (ou até genérico), deixamos de fora mulheres e pessoas que não se identificam com algum dos dois gêneros.
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Falar de linguagem inclusiva é entender que podemos ajustar a nossa comunicação para compreender e atingir todas as pessoas que fazem parte da nossa sociedade, independente de gênero ou identidade de gênero. Usar linguagem inclusiva é compreender que não devemos deixar ninguém de fora!
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E como?

Hackeando o português! Podemos usar todo o repertório linguístico que o idioma oferece para fugirmos do binarismo de gênero na comunicação. Pode parecer que estamos infringindo regras da própria língua portuguesa, não é mesmo? Mas todas as línguas são algo vivo e em constante transformação.
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Muitas vezes nossa primeira reação é se apegar "às regras do português" para invalidar essas adaptações. Mas quantas vezes o português já não foi modificado em sua história? O "você" que usamos cotidianamente, por exemplo, há não muito tempo era "vossa mercê".
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A linguagem inclusiva é uma forma de utilizar a língua portuguesa para abranger todas as pessoas, sem especificar gênero e sem alterar a ortografia das palavras. Para isso, utiliza-se recursos como "as pessoas trabalhadoras" em vez de apenas "os trabalhadores" ou ainda "sejam bem-vindas todas as pessoas" em vez de "sejam todos bem-vindos".
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Usar "pessoa" é uma maneira simples de ampliar para quem estamos comunicando algo. Há ainda outros caminhos eficazes: busque palavras neutras que ajudem a transmitir sua ideia. "A demanda dos alunos" pode virar "A demanda de estudantes". "Colegas", "gente", "pessoal" são boas maneiras de nos referirmos a grupos sem deixar pessoas de fora.
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Agora e se fôssemos além? E se fosse possível promover uma mudança em uma língua que hoje se baseia no binarismo e não dá possibilidade de existência para nada além do homem e da mulher na sociedade? Como no caso de Demi e tantas outras pessoas não-binárias, precisamos falar de linguagem neutra.
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Vocês já devem ter reparado no uso de X e @ como uma tentativa de neutralizar as palavras. Apesar de a ideia partir de pessoas que não se viam representadas no português, esse modelo não é verdadeiramente acessível. Como você pronunciaria "amigxs" ou "querid@S"? Agora imagine a dificuldade que é para pessoas com deficiência visual ou neurodiversas para compreender um texto cheio de X ou @...
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Dessa forma, nasceram sistemas propostos para a linguagem neutra que não fossem excludentes para outros grupos e compreendessem a comunicação de pessoas que não se entendem como binárias. É importante salientar que a linguagem neutra não se aplica a animais ou objetos.
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Um dos sistemas mais utilizados é o ELU. Aqui, o "a" ou "e" no final dos pronomes é substituído por um "u". Exemplo: em vez de "ele" ou "ela", utiliza-se "elu"; "dele" ou "dela" fica "delu". Para palavras terminadas em "a" ou "o", utiliza-se o "e". Exemplo: "linde". Para palavras em que o "e" sinaliza o masculino, utiliza-se "ie". Exemplo: "professories".
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Além de elu/delu, pode-se utilizar os pronomes ile/dile, também neutros e na mesma lógica. As duas combinações seriam a versão equivalente ao uso dos pronomes da língua inglesa they e them, comumente utilizados por pessoas não-binárias, como Demi Lovato, Sam Smith e Brigette Lundy-Paine.
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Como aplicar a forma em adjetivos e substantivos

  • Quando a palavra termina em -a e -o, substituir por -e. ex: filho/a: filhe
  • Quando a palavra termina em -go e -ga, substituir por -gue: amigo/a: amigue
  • Quando a palavra termina em -ão e -ã, substituir por -ane. Irmão/ã: irmane e o plural irmanes

E como ficam os artigos definidos?

A forma mais comum é usar o "ê" no lugar de "a" ou "o" e a forma plural "es" em vez de "as" e "os".
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Aqui vão algumas dicas para você incluir a linguagem inclusiva e neutra no seu cotidiano:

Experimente usar nomes coletivos sem demarcação de gênero (Ex.: pessoal).
Crie o hábito de preferir adjetivos sem demarcação de gênero (Ex.: incrível).
Substitua nomes marcadores de gênero por nomes neutros (Ex.: estudantes).
Treine a linguagem neutra, pois ela é uma prática.
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Publicado em 26 de Maio de 2021.
Texto: Noah Scheffel
Edição: Fernanda Schimidt