Fizeram História

Nise da Silveira apostou em arte e animais para tratar casos psiquiátricos

Por Juliana Domingos de Lima

O mundo era um lugar diferente quando a médica alagoana Nise da Silveira começou a atuar na psiquiatria, nos anos 1930, e tanto mulheres quanto pessoas com transtornos mentais tinham menos direitos do que hoje. Nise precisou abrir caminhos: contestou tratamentos violentos e implementou terapias inovadoras na área.
Museu de Imagens do Inconsciente/Divulgação
Nise da Silveira nasceu em Maceió (AL) em 1905, filha única de um jornalista e professor de matemática e de uma pianista. Cresceu com muita liberdade e cercada de arte. Aos 15 anos, mudou-se para Salvador para cursar a Faculdade de Medicina da Bahia.
Arquivo Nise da Silveira/Reprodução
Nise foi a única mulher em uma turma de 158 alunos. Ela concluiu o curso em 1926, com um estudo sobre a criminalidade feminina no Brasil. Mais tarde, foi voluntária da entidade feminista União Feminina Brasileira, atendendo mulheres vulneráveis.
Arquivo Nise da Silveira/Reprodução
Estabelecida no Rio de Janeiro, Nise se especializou em neurologia e psiquiatria e foi aprovada em um concurso público para trabalhar no Hospital da Praia Vermelha.
Arquivo Nise da Silveira/Reprodução
Em meio à perseguição do governo Vargas a integrantes do Partido Comunista, intelectuais e artistas, a médica ficou presa por mais de um ano, entre 1936 e 37. Na pisão, teve contato com figuras como a militante Olga Benário e o escritor Graciliano Ramos.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro/Reprodução

Noutro lugar o encontro me daria prazer. O que senti foi surpresa, lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos. Sabia-a culta e boa, Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza moral daquela pessoinha tímida.

Graciliano Ramos,
Sobre Nise da Silveira, em "Memórias do Cárcere"
Nise ficou afastada do serviço público até 1944, quando foi readmitida para trabalhar no Hospital Psiquiátrico Pedro 2º (anos depois rebatizado com seu nome, funcionando até 2021). Tratamentos novos na época, como a lobotomia e o eletrochoque, eram aplicados nos pacientes. Contrária ao uso desses procedimentos, Nise enfrentou colegas e superiores e buscou alternativas.
Arquivo Nacional

O psiquiatra apertou o botão e o homem entrou em convulsão. Ele então mandou levar aquele paciente para a enfermaria e pediu que trouxessem outro. Quando o novo paciente ficou pronto para a aplicação do choque, o médico me disse: 'Aperte o botão'. E eu respondi: 'Não aperto'. Aí começou a rebeldia.

Nise da Silveira,
na fotobiografia 'Nise da Silveira - caminhos de uma psiquiatra rebelde', de Luiz Carlos Mello

A arte como terapia

Em 1946, Nise fundou no hospital uma ala inédita de terapia ocupacional para estimular os pacientes -- ou "clientes", como ela preferia chamar -- a se expressar por meio da arte. Eles passaram a se dedicar a trabalhos manuais, oficinas de teatro e ateliês de desenho e pintura. A experiência obteve resultados positivos e mudou concepções sobre a loucura.
Centro Cultural da Saúde/Ministério da Saúde
Outro tratamento inovador proposto pela psiquiatra se baseou no contato com animais de estimação, que ela chamava de coterapeutas. As relações desenvolvidas pelos internos com os bichos também tiveram ótimos resultados terapêuticos.
Lewy Moraes/Folhapress
Nise gostava muito de animais, principalmente de gatos. Escreveu um livro sobre a relação com os bichanos e chegou a ter em casa mais de 20 deles, que resgatava da rua. Muitos dos animais que recebiam os cuidados dos seus clientes também haviam sido abandonados.
Arquivo Nise da Silveira/Reprodução

Legado

O trabalho de pesquisa de Nise com a arteterapia foi reconhecido internacionalmente e precursor do movimento antimanicomial no Brasil. Ela também fundou espaços voltados a essa abordagem que seguem em funcionamento até hoje: o Museu de Imagens do Inconsciente expõe, desde 1952, obras produzidas por clientes e atua como centro de pesquisa.
Arquivo Nise da Silveira/Reprodução
Já a Casa das Palmeiras foi criada em 1956 com a proposta de oferecer atividades expressivas e de socialização a egressos de hospitais psiquiátricos, sendo uma das inspirações para o modelo dos CAPS do SUS. Nise morreu em 1999, aos 94 anos, em decorrência de uma pneumonia.
Alexandre Campbell/Folhapress
Publicado em 19 de fevereiro de 2022.
Reportagem: Juliana Domingos de Lima

Edição: Fernanda Schimidt