Fizeram História

Mário Juruna: 1º deputado indígena peitou a ditadura em defesa dos povos originários

Por Paula Rodrigues

Durante a semana, as lideranças que estiveram no Acampamento Terra Livre, em Brasília, reforçaram a importância de existir mais candidaturas indígenas nas eleições de 2022. Há 40 anos o mesmo discurso era proferido por Mário Juruna, primeiro indígena a se tornar deputado federal no país.
Pedro Ladeira/Folhapress

Juruna é o primeiro índio que está representando brasileiro porque o governo brasileiro não dá oportunidade pra índio, porque ele quer continuar tutelar toda vida de índio. E nós não somos tutelados, somos responsáveis, nós somos gente, nós somos ser humano.

Mário Juruna,
ex-deputado federal, em 1983
Moreira Mariz/Folhapress
Mário Juruna assumiu o cargo pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) no Rio de Janeiro em 1983, mas sua caminhada política começou anos antes. Na década de 1970, já cacique da aldeia Namunjurá, em Barra do Garça (MT), ia a Brasília para cobrar mais atenção do governo brasileio às pautas indígenas.
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A presença dele em gabinetes políticos não chamava atenção apenas por ser o único indígena a transitar por aquelas bandas, mas também por estar sempre a postos com um equipamento em mãos: um gravador. Dizia não confiar na palavra do homem branco, que ao seu ver "mentia muito", e por isso gravou todas as conversas que teve com representantes do governo para depois poder cobrar e divulgar para a imprensa as promessas feitas (e quase sempre não cumpridas).
Getulio Gurgel/Folhapress
O gravador lendário de Mário Juruna também registrou ameaças feitas diretamente a ele e aos povos indígenas do Brasil. Com a divulgação desses conteúdos, o cacique denunciava mentiras, violações de direitos humanos e o descaso do governo pelo povo indígena em plena ditadura militar.
Moreira Mariz/Folhapress
Em agosto de 1982, Mário Juruna ligou para Leonel Brizola, líder do PDT, para expor sua vontade de concorrer a um cargo de deputado federal nas eleições daquele ano pelo partido. Queria ter mais ferramentas e poder para ajudar os povos que defendia, mas também o pobre e o trabalhador. Com esse discurso, foi eleito com 30 mil votos, tornando-se o primeiro indígena a ocupar um cargo legislativo federal em 1983.
Moreira Mariz/Folhapress

Eu não vim aqui fuxicar com ninguém, eu vim aqui pra trabalhar, pra defender povo, eu vim aqui pra lutar. Eu quero que gente começa a respeitar nome de Juruna. Eu quero que gente trata índio brasileiro o mais possível dentro do melhor.

Mário Juruna,
ex-deputado federal, em 1983
Folhapress
Durante seu mandato, que durou até 1987, o cacique criou a Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional, um embrião do que se tornaria a Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Também foi responsável por organizar o primeiro Encontro de Lideranças dos Povos Indígenas do Brasil, com a presença de 644 caciques.
Moreira Mariz/Folhapress
Em 2002, Mário Juruna morreu aos 58 anos, vítima de complicações da diabetes crônica. Seu legado na política, no entanto, continua mais vivo do que nunca. Em 2020, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) contabilizou 236 candidaturas indígenas, o maior número já registrado
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Só 31 anos depois de Mário Juruna deixar o cargo uma indígena, a advogada Joênia Wapichana, voltou a ser eleita como deputada federal por Roraima. Na terça-feira (12), em discurso no Acampamento Terra Livre (ATL), a deputada reforçou a importância de haver mais representação indígena em todos os cargos políticos, fazendo coro ao que o cacique xavante pregava.
Divulgação RenovaBR

Eu quero apresentar exemplo com minha candidatura, porque hoje já podia ter deputado índio. Podia ter deputado aqui no Brasil, mas nós não somos culpados. Quem é culpado, é responsável, é essas pessoas que não dão oportunidade pra índio.

Mário Juruna,
deputado federal, em 1983
Moreira Mariz/Folhapress
Publicado em 16 de abril de 2022.
Reportagem: Paula Rodrigues
Edição: Fernanda Schimidt