Fizeram História

Marie Curie: uma das mulheres mais importantes da ciência

Por Diana Carvalho

Se hoje ainda há discriminação de gênero no trabalho ou em qualquer outro em ambiente majoritariamente ocupado por homens, imagina no século 19? Naquela época, restavam às mulheres poucas opções de trabalho, com salário inferior ao dos homens, além da total responsabilidade em afazeres domésticos e no cuidado dos filhos.
Nascida em 1867, a polonesa Marie Curie foi pioneira de um movimento que vem ganhando força: romper estereótipos sobre a presença de mulheres na ciência.
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Criada na cidade de Varsóvia, na Polônia, Marie perdeu a mãe aos 11 anos por tuberculose. Ao lado do pai e de quatro irmãos, enfrentou dificuldades financeiras e precisou trabalhar como governanta para ajudar nas despesas. Ela chegou a se arriscar em grupos de estudos alternativos que ofereciam educação básica a jovens poloneses, já que a Polônia vivia sob forte repressão russa e mulheres eram impedidas de cursar ensino superior.
Em 1891, aos 24 anos, com a ajuda do pai e com o dinheiro que guardou, viajou para Paris onde cursou Física e Matemática na prestigiada Universidade de Sorbonne.
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Foi nessa mesma época que conheceu Pierre Curie, professor de Física, com quem se casou em 1895.
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Com Pierre, Marie teve duas filhas, Éve e Irène, e conquistou o primeiro Nobel de Física, em 1903. Os dois iniciaram pesquisas sobre radioatividade e descobriram os elementos químicos polônio e rádio. O nome polônio, aliás, foi em homenagem a seu país de origem
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Em um primeiro momento, apenas Pierre foi indicado ao Nobel. No entanto, ele exigiu o reconhecimento da mulher. Apesar do prêmio, Curie continuou apenas como assistente de laboratório, enquanto o marido se destacou como professor na Sorbonne.
Os dois foram retratados em fotografias mostrando a rotina do trabalho científico. O que chama atenção nas imagens é a expressão séria e carrancuda de Marie, como destaca a escritora Rosa Montero, que narra parte da trajetória da cientista no livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver".
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Não consegui encontrar nenhuma foto de Marie Curie sorrindo. (...) Em geral, o que mais predomina nos seus retratos é um cenho persistente, uma testa ameaçadora, uma boca contraída pelo esforço. É o rosto de alguém zangado com o mundo, ou, antes, de alguém em plena batalha contra tudo".

Rosa Montero, escritora
Três anos após conquistar o primeiro Nobel, Pierre foi atropelado por uma carruagem. Marie fez da dor uma inspiração para se debruçar sobre as pesquisas que o casal desenvolvia e assumiu o lugar do marido na Sorbonne, tornando-se a primeira mulher a lecionar na universidade.
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Anos depois, um relacionamento com o físico Paul Langevin, que era casado, foi exposto na mídia, e ela foi tachada de "destruidora de lares", enquanto a imagem de Langevin continuou intacta.
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Foram publicados longos trechos das cartas nos jornais Excelsior e L'Oeuvre, com o título 'Os escândalos da Sorbonne'. O mais interessante e desesperador é constatar que a malvada da história era Marie. Ninguém pedia que Langevin deixasse a universidade, embora na realidade fosse ele o possível adultério

Trecho do livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver".
Na época em que Marie Curie lidava com os ataques da imprensa e os olhares tortos da sociedade, o apoio de um grande e notório amigo se fez presente. Albert Einstein lhe escreveu uma carta, pedindo para que não desse atenção ao que era considerado uma grande polêmica para vender tabloides.
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Sinto necessidade de lhe dizer o quanto admiro seu espírito, sua energia e honradez. Considero-me sortudo por ter lhe conhecido pessoalmente em Bruxelas. Se essa corja continuar lhe importunando, simplesmente pare de ler essas tolices. Deixe-as para as víboras, que é para quem foram fabricadas

Albert Einstein em carta para Marie Curie
A exposição de sua vida íntima quase a impediu de buscar na Suécia o segundo prêmio Nobel, desta vez em Química, em 1911. Na ocasião, Marie Curie dedicou o prêmio ao marido Pierre Curie, em homenagem a sua memória.
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O prêmio foi concedido pela descoberta do rádio e do polônio. Creio não haver qualquer relação entre meu trabalho científico e os fatos de minha vida privada. Não posso aceitar, por princípios, a ideia de que a apreciação do valor do trabalho científico seja influenciada pela calúnia e pela difamação sobre minha vida privada

Marie Curie em trecho do livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver"
Marie Curie se tornou a única pessoa a ganhar o Nobel duas vezes, em campos distintos da ciência. Suas pesquisas contribuíram para avanços em tratamentos médicos e no desenvolvimento de aparelhos de raio-x.
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Durante a Primeira Guerra Mundial, a cientista montou unidades móveis para fazer radiografias em soldados feridos, com a intenção de auxiliar cirurgias que eram realizadas fora de hospitais. Marie ficou conhecida no front por criar o "carro radiológico"
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Marie Curie visitou o Brasil em 1926 ao lado da filha Irène. A cientista passou por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde visitou o Instituto do Radium, em Belo Horizonte - primeiro centro dedicado à pesquisa e tratamento do câncer no Brasil.
Centro da Memória da Medicina da UFMG
A cientista morreu em 1934, aos 66 anos, vítima de leucemia, agravada pela longa exposição a elementos radioativos. Até hoje, objetos pessoais de Marie Curie estão contaminados. Para ter contato com seus manuscritos, é preciso assinar um termo de responsabilidade e vestir uma roupa de proteção contra radiação.

A dimensão profissional de Curie foi uma raridade absoluta numa época em que não se permitia quase nada às mulheres. A cientista não foi apenas a primeira mulher a receber um prêmio Nobele a única a receber dois, mas a primeira a se doutorar em Ciências na França, a primeira a ter uma cátedra. Foi a primeira em tantas frentes que é impossível enumerá-las. Uma pioneira absoluta. Um ser diferente

Rosa Montero, no livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver"
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Publicado em 18 de junho de 2020.
Reportagem: Diana Carvalho
Edição: Fernanda Schimidt