Fizeram História

Maria Montessori, a médica italiana que desafiou o sistema tradicional de ensino

Esqueça carteiras enfileiradas, alunos com uma mão sobre o caderno e a outra segurando o lápis, entendiados com a explicação do professor. O método Montessori foi um dos responsáveis por quebrar esse modelo tradicional e possibilitar às crianças uma nova vivência no ensino infantil, que parte da potência de cada um, possibilitando liberdade e criatividade no aprendizado.

A responsável por isso: Maria Montessori, a médica e professora que priorizou a autonomia desde a primeira infância e deixou um legado à educação.
O ano era o de 1870 quando um casal de classe média, de Chiaravalle, no norte da Itália, teve a primeira e única filha, Maria Montessori. Desde pequena, já demonstrava interesse por ciências e cresceu desafiando padrões à época ao estudar em uma escola técnica, focada em matérias como física e química, pouco comum às meninas de sua idade. Quando ingressou na Universidade de Roma, outro desafio: escolheu Medicina e foi a única mulher de sua turma durante todo o curso e uma das primeiras a se formar na área em Roma.
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Aos 28 anos, já formada, Montessori passou a se dedicar à psiquiatria. Em 1898, fez sua primeira visita a um "centro de tratamento", naquela época chamado de hospício, e se deparou com a maneira cruel com que crianças e adolescentes com deficiência e transtornos globais de desenvolvimento eram tratados. Existia ali um preconceito de que os internos não tinham capacidade para aprender e se desenvolver, por isso deveriam permanecer excluídos da sociedade.
Horrorizada com aquela situação de confinamento, Montessori começa um trabalho de pesquisa e observação buscando práticas para desenvolver a autonomia daquelas crianças a partir de técnicas que estimulam habilidades motoras. Ela também passa a pensar em um ambiente voltado à liberdade, com livre circulação, onde cada criança ganha o senso de responsabilidade sobre o aprendizado.
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Na época, exercícios desenvolvidos por Montessori buscavam ainda a concentração individual por meio da manipulação de objetos e materiais lúdicos e de texturas, com cores e formatos diversos.
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Sigmund Freud descobriu o inconsciente; Albert Einstein, a relatividade; e Maria Montessori, a criança. Seu pensamento inaugurou uma nova era e muitas das coisas que consideramos naturais hoje, como respeito pelas crianças e escola democrática, são fruto das suas ideias.

Cristina de Stefano,
autora da biografia Il Bambino è il Maestro: Vita di Maria Montessori (A criança é o professor: vida de Maria Montessori), em entrevista à BBC News Mundo
Com o seu trabalho voltado inteiramente para a educação, Montessori resolveu, então, cursar pedagogia para expandir o seu método para mais crianças. Em 1907, ela coordenou a primeira escola, Casa das Crianças, em San Lorenzo, até então um dos bairros mais pobres de Roma.
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Rapidamente, o método de Montessori se expandiu por diversos lugares da Itália. Em 1922, a pedagoga teve uma contraditória relação com o governo fascista de Mussolini, quando foi nomeada a responsável pela coordenação das escolas italianas. A relação se quebrou em 1933. Um ano depois ela decidiu deixar o país após a ascensão do regime fascista.
Nos anos seguintes, Montessori morou na Espanha e Holanda. Em 1939, começou a lecionar na Índia, onde ficou por sete anos, voltando ao seu país de origem só aos 76 anos. Ela recebeu a primeira indicação, de três, ao Prêmio Nobel da Paz em 1949. Aos 81 anos, morreu na cidade de Noordwijk, na Holanda, em 1952.
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Apesar de ter sido criado com um compromisso social, pensado para a inclusão de crianças, o método Montessori hoje se tornou um ensino para poucos, aplicado em sua maioria em escolas particulares. Há quem defenda sua implementação em escolas públicas dizendo que não é uma questão de custo, e, sim, de uma relutância ao desafiar um sistema educacional que prioriza a educação de qualidade para ricos.
Apesar da elitização do método, ele ainda é aplicado de acordo ao que se propôs desde sua criação: ajudar crianças e adolescentes com certa dificuldade de aprendizado ou que passaram por situações traumáticas, como filhos de refugiados.
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Para a escritora Cristina de Stefano, que passou cinco anos pesquisando sobre a vida de Montessori, a italiana foi quem explicou que a "criança é uma criatura com um cérebro muito poderoso, capaz de se concentrar muito e até se autoeducar, desde que seja respeitada desde o início e tenha permissão para trabalhar, tanto na família como na escola, no seu próprio ritmo".
Outro ponto marcante na trajetória de Montessori é a relação dela com o único filho, Mario Montessori. Quando engravidou, no final de 1897, a italiana vivia uma relação livre, sem vínculos, com o médico Giuseppe Montesano. Na época, ela foi acusada de abandonar a criança, mas não foi bem assim que aconteceu.
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Naquela época, mulheres casadas não podiam trabalhar fora sem autorização do marido e Montessori nunca almejou essa posição. Por outro lado, ter um filho sem "formar uma família" implicaria diretamente no fim de sua carreira. Por isso, em comum acordo, Montessori e Montesano decidiram criar a criança à distância.

No entanto, ao se envolver com outra mulher e se casar, Montesano reconheceu o filho perante a lei, o que fez com que Montessori perdesse todos os direitos sobre a criança. Ela só foi rever o garoto quando ele já estava com 15 anos. A partir daí, a relação se fortaleceu.
Maria Montessori lutou pelo voto das mulheres, pelo acesso à universidade, pela licença maternidade para mulheres mais pobres e pela educação sexual.
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Montessori tomou a decisão sobre o filho em uma época em que as mulheres eram apenas mães, não podiam ser outra coisa. Você nem era mulher se não fosse esposa ou mãe antes. Portanto, acho que deveríamos admirá-la. Pode parecer egoísta, mas na verdade ela foi fiel às suas convicções. Se ela fosse homem, ninguém estaria questionando. Existem muitas formas de maternidade e ela expressou uma delas em sua missão.

Cristina de Stefano em declaração ao espanhol ?Efeminista?
Maria Montessori (1870 - 1952)
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Publicado em 19 de novembro de 2020.
Reportagem: Diana Carvalho
Edição: Fernanda Schimidt