Fizeram História

Beatriz Nascimento foi pioneira em olhar para história negra além da escravidão

Por Juliana Domingos de Lima

Por muito tempo, no século passado, o estudo da história da população negra no Brasil se concentrou basicamente no período da escravidão. Uma mulher foi pioneira em ampliar esse olhar: a historiadora, ativista antirracista, professora e poeta Beatriz Nascimento.
Acervo pessoal/Divulgação
Beatriz aliou militância e vida acadêmica, deixando um importante legado de pensamento sobre quilombos, resistência negra, mulheres negras e relações raciais.
Liubov Trapeznykova/iStockphoto
Nascida em Aracaju (SE) em 1942, Beatriz migrou com a família para o subúrbio do Rio de Janeiro em 1949. Em 1968, iniciou a graduação em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, mais tarde, se tornou professora da rede estadual fluminense.
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Quando cheguei na universidade a coisa que mais me chocava era o eterno estudo sobre o escravo. Como se nós só tivéssemos existido dentro da nação como mão de obra escrava

Beatriz Nascimento,
Na conferência ?Historiografia do Quilombo? apresentada na Quinzena do Negro, em 1977, na USP
Nessa época, nos anos 1970, ela formou com um grupo de acadêmicos negros o Grupo de Trabalho André Rebouças na Universidade Federal Fluminense (UFF), buscando ampliar a abordagem da questão étnico-racial nos cursos da instituição. Beatriz também foi atuante em organizações como o Movimento Negro Unificado.
Niels Andreas/Folhapress

História negra

Como pesquisadora, Nascimento escreveu artigos, ensaios, concedeu entrevistas e realizou conferências sobre os temas que estudava. Ela apontou a necessidade de uma história centrada na visão afro-brasileira: "Devemos fazer a nossa História, buscando nós mesmos", escreveu.
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Com essa perspectiva, a historiadora se dedicou por duas décadas ao estudo dos quilombos, viajando à África em busca das raízes desse sistema social. Ela propôs haver uma continuidade da resistência negra característica dos quilombos em territórios como favelas, bailes black e terreiros.
Arquivo pessoal/Divulgação

"Ôrí"

Escrito e narrado por Beatriz Nascimento, o documentário "Ôrí", dirigido por Raquel Gerber, foi lançado em 1989 e se tornou um dos trabalhos pelo qual a acadêmica e ativista é mais lembrada. O filme trata da trajetória dos movimentos negros no país entre os anos 1970 e 80, tendo o quilombo como eixo central e a história de Beatriz como fio condutor.
Arquivo Nacional

Feminismo negro

Beatriz Nascimento também se interessava pelas questões das mulheres e se tornou uma das principais referências do feminismo negro brasileiro. Ela participou de inúmeros debates sobre o tema e abordou a condição social das mulheres negras brasileiras em textos pioneiros como "A mulher negra no mercado de trabalho" e "A mulher negra e o amor"
Liubov Trapeznykova/iStockphoto
Beatriz faleceu em 1995, aos 52 anos, vítima de um feminicídio. Foi assassinada a tiros pelo namorado de uma amiga a quem havia aconselhado terminar o relacionamento por vir sofrendo violência doméstica.
Depois de um período de esquecimento, a obra da historiadora tem sido resgatada e reconhecida nas universidades, por editoras e em espaços de militância. Em 2021, ela foi homenageada com o título de doutora honoris causa pela UFRJ e em março se tornou a primeira mulher negra a receber o título da UFF. Com isso, tem inspirado jovens pesquisadores negros.
Biblioteca Nacional

Beatriz foi um norte pra mim na graduação de história. Eu via poucos intelectuais negros sendo referenciados e me serviu como um farol pra pensar a história do Brasil a partir da referência de uma estudiosa negra que via a história da população negra de uma outra perspectiva já na década de 70. Achei uma coisa inovadora e interessantíssima, até para os dias atuais

Tailane Machado dos Santos,
mestranda em história social com pesquisa sobre Beatriz Nascimento
Publicado em 02 de abril de 2022.
Reportagem: Juliana Domingos de Lima

Edição: Fernanda Schimidt