Linha de frente

A luta de mulheres contra o último ditador da Europa

Por Diana Carvalho

26 anos no poder. É o tempo que Aleksandre Lukashenko está no comando do governo de Belarus. Sob forte acusação de fraudar as últimas eleições que ocorreram em agosto, o líder do autoritário enfrenta uma forte onda de protestos contra o seu regime ditatorial, que chegou a negligenciar os efeitos da pandemia de Covid-19. A situação de Belarus ganhou o mundo e chamou atenção para um movimento inédito no país: uma oposição liderada por mulheres.
No país ultraconservador, vozes femininas tomaram o espaço na luta por direitos impulsionadas pela ativista Svetlana Tikhanovskaya, que conseguiu dentro de um sistema patriarcal chamar a responsabilidade para si e se candidatar à presidência após a prisão de seu marido, um dos principais líderes de oposição ao governo.
31.jul.2020 - Sergei Gabon/AFP
Para defensores do patriarcado, Svetlana foi vista como uma dona de casa que assumiu o lugar do marido para honrá-lo. Por outro lado, mulheres já engajadas na luta feminista enxergam nela exemplo de coragem e resistência.
Desde que se tornou líder de oposição, Svetlana sofre represálias do governo e teve a guarda dos filhos ameaçada. Durante comício na capital, Minsk, a ativista disse ter pensado em desistir, mas que o apoio de outras mulheres a fizeram continuar na luta pela renúncia de Lukashenko, por eleições justas e a libertação de presos políticos.
SERGEI GAPON/AFP

Durante toda a campanha, houve momentos em que quis desistir, porque era muito difícil fisicamente e mentalmente. Agora, é claro, tenho o apoio dessas mulheres, que estão comigo, e de muitas outras. Espero que com esse apoio, eu consiga continuar. Que perseveremos até a vitória."

Svetlana Tikhanovskaya
Ao lado de dela, juntaram-se Veronika Tsepkalo e Maria Kolesnikova (foto). A campanha organizada pelas três ficou marcada pelos símbolos de um coração, um punho cerrado e um sinal de vitória.
VASILY FEDOSENKO/REUTERS

Flores como arma de protestos

Em meio à forte onda de violência que tomou as ruas do país, mulheres passaram a sair de suas casas vestindo branco e com flores nas mãos.Apesar do ato trazer um simbologia de paz, ativistas continuam sofrendo prisões arbitrárias, tortura e, no caso das mulheres, violência sexual.
AFP

Temos medo. Mas o que assusta ainda mais é ter que viver em um país onde a violência faz parte do nosso dia a dia. Somos movidas pela raiva, mas também por amor. E quando uma mulher protesta por amor, ela pode resistir a tudo"

Marina Mentusova, uma das líderes do movimento de mulheres
Forte apoiadora dos protestos que pedem a renúncia de Lukashenko, a Prêmio Nobel de Literatura bielorussa Svetlana Alexievich declarou seu apoio a Tsikhanouskaia e afirmou que as mulheres bielorrussas sempre responderam à luta, embora tenham sido esquecidas pela história.
Peter Endig/EFE

Quando escrevi 'A guerra não tem rosto de mulher', sobre como milhões de mulheres lutaram na [2ª Guerra Mundial], me convenci de que as mulheres estão na vanguarda da sociedade. Elas fizeram sacrifícios pelos seus e isso não foi apreciado, foi esquecido pelo Estado e pelo povo".

Svetlana Alexievich
A mesma opinião tem a ativista e professora Volha Yermalayeva Franco, que mora no Brasil desde 2012 e criou, ao lado de outras bielorrussas que vivem no país, uma petição online para denunciar a fraude eleitoral e a violência sofrida por mulheres em Belarus.
Arquivo Pessoal

O machismo em Belarus é um senso comum. E não é que a sociedade é machista por causa do governo, mas quando uma autoridade apoia a discriminação e a opressão, as pessoas se sentem mais livres para reproduzir esse discurso. Mas as mulheres nunca deixaram de ir à luta. Durante a Segunda Guerra, milhares desempenharam tarefas tradicionalmente masculinas, no campo, na fábrica"

Volha Yermalayeva Franco
Enquanto morava em Belarus, Volha foi expulsa da faculdade pública de jornalismo por escrever em uma mídia independente, contrária ao governo. Daqui do Brasil, ela acompanha a situação de colegas jornalistas que estão sendo presos por cobrirem as manifestações.
Reprodução/Instagram/Mentusova
Recentemente, um portal de Belarus publicou notícias sem imagens, em protesto à prisão de seus repórteres e fotojornalistas. De acordo com a Associação de Jornalistas do país, oito profissionais que cobriam os protestos foram detidos. Autoridades também retiraram o credenciamento de pelo menos 17 em uma tentativa de controlar as informações sobre as manifestações.
Segundo Volha, assim como os homens, as mulheres também são presas, torturadas e ainda correm o risco de sofrer violência sexual.
AFP
"Pode ficar uma imagem de que com elas os protestos são pacíficos, mas não. Elas não estão ali para 'embelezar nenhuma manifestação dos homens, estão lutando de igual para igual pelos menos direitos, por uma sociedade mais justa e livre", finaliza Volha.
Reuters
SERGEI GAPON/AFP
Publicado em 19 de setembro de 2020.
Reportagem: Diana Carvalho Edição: Fernanda Schimidt