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Na miúda, chefs usam ingredientes polêmicos e baratos em pratos finos

Fernanda Meneguetti

Colaboração para o UOL, em São Paulo

02/06/2016 15h50

Redescobrir partes esquecidas de carne tornou-se uma tendência ligeiramente glamourosa na gastronomia e ela inclui comer – com gosto – pé, fígado, glândulas e outros pedacinhos de porco, boi e aves. A moda é discreta, mas os pratos são puro charme.

Um exemplo? O sscalope de fígado kobe na redução de vinagre balsâmico. A receita é do restaurante paulistano Bistrot de Paris: “Usar ao máximo um ingrediente faz parte do DNA da cozinha francesa. Imagine um gado caro, de qualidade -  como desperdiçar o fígado?”, justifica Alain Poletto, que ainda agregou uma rabada ao menu e uma salada de pato que inclui uma coxa, terrine do fígado (de foie gras), presunto cru (ou um magret curado em fatias) e moelas.“As velhas receitas, que nossos avós faziam, começam a voltar e às vezes ganham um ar mais chique para convencer o cliente a provar, a permitir se deliciar”, complementa ele.

Nem só de bife se vive
Mais do que levar as vísceras ao centro das atenções, sua constância cada vez maior na cena gastronômica de São Paulo reforça a filosofia do fim do desperdício.

Chef do Açougue Central, mais nova casa do Grupo D.O.M. (que tem Alex Atala entre os sócios), Alejandro Peyrou também serve carnes como músculo, coxão duro e patinho para mostrar que não existe carne de segunda, que a nobreza pode vir de um bom preparo e da associação a bons ingredientes. “Aqui, utilizamos o timo para fechar o ciclo do aproveitamento total do boi”, conta Alejandro, que passou a vida toda comendo a glândula tão comum e apreciada na Argentina.

“A cozinha rústica e os ingredientes mais acessíveis são sinônimos de bem-estar em tempos econômicos difíceis”, lembra Diogo Silveira, à frente do italiano MoDí. Com toda razão. Afinal, em um açougue em que o quilo do filé mignon beira R$ 40, o fígado mal ultrapassa R$ 13, ou seja, um terço do valor.

Para além do preconceito à mesa com esse e outros órgãos, há o preponderante da vida moderna: “Hoje ninguém consegue levar três dias para fazer um prato. No restaurante, é possível. Um caldo pode reduzir por dias, uma carne mais resistente cozinhar em fogo baixo por horas a fio e há um arsenal incrível de temperos de qualidade que permitem incorporar qualquer miúdo em um menu”, explica Alain Poletto.

Soma-se aí o fato que não é qualquer supermercado, feira ou casa de carnes que vende língua, moela e bochecha. Falando na língua de boi, especificamente, acaba sendo mais fácil e sedutor ir ao Maní e prová-la com tutano e pupunha ou ao Fasano e comer a de boi wagyu (mesmo do kobe beef) desmanchando em molho de vinho sobre um purê de cenoura e batata, certo? Provas cabais de aquilo que não é “nobre” não precisa apenas encher linguiça.