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Lei da Pureza da Cerveja desperta polêmica e revela prós e contras

Lei da Pureza Alemã prega que a verdadeira cerveja deve conter três ingredientes: água, cevada e lúpulo - Thinkstock
Lei da Pureza Alemã prega que a verdadeira cerveja deve conter três ingredientes: água, cevada e lúpulo Imagem: Thinkstock

Joana Santanna

do UOL, em São Paulo

05/04/2013 16h00

Parafraseando a música "Caviar", interpretada por Zeca Pagodinho, a muito falada e pouco conhecida Lei da Pureza da Cerveja é assim: "nunca vi nem bebi, eu só ouço falar".

Para quem não é bebedor de cerveja , pode não parecer grande coisa, mas basicamente, a Reinheitsgebot –nome original da lei instituída na Alemanha, em abril de 1516– estabelecia que os únicos ingredientes permitidos na fabricação deveriam ser cerveja, água, cevada e lúpulo.  

Na época, a levedura ainda não entrava na lista porque era considerada uma dádiva dos céus, de acordo com a enciclopédia "Larousse da Cerveja". E até hoje, algumas empresas no mundo e no Brasil ainda seguem esta cartilha quando fabricam seus próprios rótulos.

  • Reprodução

    Reprodução do documento original
    da lei instituída em abril de 1516

Para entender em que implica a Lei da Pureza, é preciso conhecer o contexto em que foi criada. "Quando a Reinheitsgebot foi instituída, estava faltando trigo na Europa para fazer pão. A lei veio principalmente para corrigir isso", afirma Luciano Horn, mestre-cervejeiro da Ambev. Além disso, era preciso segurar a criatividade dos produtores da época. "Até cinzas as pessoas chegavam a adicionar na cerveja, como forma de barateá-la ou para provocar diferentes efeitos", diz Herbert Schumacher, diretor da cervejaria gaúcha Abadessa.

Outro evento histórico que influenciou a criação da Reinheitsgebot foi a efervescência religiosa que precedeu a Reforma Protestante, iniciada oficialmente por Martinho Lutero no ano seguinte. "Não era apenas uma lei que visava à qualidade alimentar; também tinha intenções de cunho econômico, religioso e moralista", explica Marco Falcone, um dos sócios da cervejaria mineira Falke Bier. Os monges, que monopolizavam a produção de lúpulo, seriam os maiores beneficiados. "As cervejas do tipo 'gruit', até então dominantes na Europa, utilizavam especiarias psicodélicas e psicotrópicas, que alteravam o estado de consciência das pessoas", completa.

Do ponto de vista econômico, a implantação da lei era uma tentativa de controlar os impostos advindos da atividade. "A Reinheitsgebot foi o ponto culminante de uma série de outras medidas legislativas anteriores. O governo alemão da época percebeu que, determinando quais eram os únicos ingredientes permitidos, ficaria mais fácil fiscalizar o lucro dos produtores", esclarece Alexandre Bazzo, dono e mestre-cervejeiro da microcervejaria paulista Bamberg.

A polêmica dos cereais
De acordo com os especialistas, todos os cereais são fontes de açúcares fermentáveis e capazes de transformar-se em álcool, mas os maltes de cevada e trigo conferem à bebida um sabor mais marcante do que o milho e o arroz. "Excetuando a Alemanha, grandes cervejarias do mundo todo utilizam outras fontes de carboidrato na produção e até açúcar diretamente. As escolas inglesa e belga sempre adicionaram outros ingredientes à cerveja como forma de torná-la mais complexa", esclarece Bazzo. O problema estaria na quantidade permitida que, segundo ele, é de 45% no Brasil frente a 30% nos Estados Unidos e no Canadá.

Lei da Pureza hoje

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Segundo a Larousse da Cerveja, a Reinheitsgebot ainda vigora, hoje como Lei Provisória da Cerveja Alemã, e está adaptada à realidade atual. Um dos primeiros adendos foi a inclusão da levedura aos ingredientes permitidos, depois que Louis Pasteur desvendou os segredos da fermentação. Já em 1993, foi permitido o uso do trigo e do açúcar de cana. Mais recentemente, foram agregadas as técnicas de envelhecimento em barris de carvalho e dry hopping, que é a adição de lúpulo na fase de maturação.

 

Mas há quem defenda que a adição de milho ou arroz, desde que dentro do limite estabelecido por lei, confere maior "drinkability" (potencial para ser degustada) à bebida, permitindo que a pessoa possa tomar mais ou por mais horas seguidas. "O mundo todo usa outras fontes de carboidrato e só no Brasil existe essa polêmica. As cervejas que levam uma determinada quantidade desses grãos são mais leves e refrescantes, duas características que fazem parte da preferência nacional", justifica Horn.  

Os prós e contras
Se por um lado é fundamental garantir a qualidade do que se bebe, por outro pode ser um pouco frustrante limitar todas as cervejas do mundo aos mesmíssimos quatro ingredientes. "A Reinheitsgebot engessa a criatividade, mas é uma linha de conduta para a escola alemã, constituída de receitas simples, mas com muita qualidade, ao contrário da escola inglesa, por exemplo, que é de cervejas mais complexas, cheias de ingredientes e com diferentes camadas de sabor", compara Schumacher, que adota a lei alemã na produção da Abadessa. "Às vezes, tamanha complexidade pode confundir o paladar", pondera.

"A Falke nasceu inspirada nas cervejas alemãs e eu achava fundamental obedecer à Lei da Pureza. Depois, quando veio a ideia de fazer a Monasterium, típica da escola belga, passei a valorizar também a adição de ingredientes como frutas e especiarias, não como forma de baratear a cerveja, mas de aprimorá-la", relata Marco Falcone. Ele também acredita que a Reinheitsgebot funciona, hoje, como uma referência de tradição cervejeira. "A adoção da lei ressalta a capacidade técnica na reprodução de estilos que têm séculos de história", elogia. "Ela exige maior conhecimento do cervejeiro para fazer bebidas bem distintas entre si a partir dos mesmos ingredientes", concorda Bazzo, que também segue a lei na Bamberg.

No que todos concordam é que é possível fazer boas cervejas seguindo ou não a Lei da Pureza. Cervejas ruins também.