Carros voadores

Futuro da mobilidade passa por veículos que parecem saídos da ficção. E até montadoras já estão de olho neles.

Rafaela Borges Colaboração para o UOL

As formas de locomoção usadas pelas pessoas estão mudando. Principalmente nos grandes centros, cada vez mais a humanidade busca alternativas mais eficientes de mobilidade, seja para combater o stress e o tempo perdido no trânsito ou para ter meios ecologicamente sustentáveis.

O automóvel atual caminha para se tornar um novo 'vilão' e até o transporte coletivo terá que mudar para atender a essa demanda.

Para discutir sobre essas mudanças, o UOL Carros estreia a série de especiais 'Transporte do Futuro', que tratará mensalmente sobre as alternativas que estão sendo projetadas e aplicadas para atender a essas novas demandas da sociedade.

Este primeiro capítulo fala sobre os chamados 'carros voadores', uma mistura de automóvel e aeronave que parece saída da ficção, mas que está fazendo com que até as tradicionais montadoras se planejem para produzir os seus.

Foto: reprodução

eVTOL: o que é o 'carro voador'

VTOL é a sigla em inglês para veículo de decolagem e pouso vertical, como os helicópteros. Já o eVTOL tem o mesmo conceito, mas com motorização elétrica. É esse tipo de modelo que tem sido chamado de "carro voador".

"Trata-se de um veículo totalmente silencioso, adequado às cidades", diz Camilo Adas, presidente da SAE Brasil. "Os motores, um para cada hélice, são o que mais diferencia o eVTOL de outras aeronaves, como os helicópteros."

A autonomia para voar costuma ser baixa. "É veículo para rodar na cidade, ou no máximo em um deslocamento intermunicipal curto, como de São Paulo a São Bernardo do Campo (na região metropolitana da capital paulista)", explica Adas.

Além disso, a maior parte dos projetos está apostando na condução autônoma. Isso facilitará o uso do eVTOL por pessoas sem habilitação específica para aeronave, tornando esse tipo de veículo mais adequado à mobilidade individual privada que um helicóptero, que precisa de piloto.

E essa aptidão, inclusive, é uma das diversas razões que estão levando o eVTOL a ser também chamado de carro voador - embora estejam muito mais conectados a aeronaves. Há ainda o envolvimento de diversas montadoras de automóveis em projetos.

Além disso, por sua concepção, o eVTOL pode ser capaz de rodar tanto como um automóvel quanto como aeronave, embora existam poucos projetos nesse sentido. "Para isso, é necessário o uso de dois módulos. Ora o veículo fica conectado ao terrestre, ora ao aéreo", opina Adas.

Ainda assim, esqueça carros de cinema como o famoso DeLorean de "De Volta para o Futuro", ou mesmo o de "Blade Runner". O "carro voador" da realidade é um conceito bem diferente.

Realidade x ficção

Veja como foram mostrados os 'carros voadores' no cinema e na TV e como eles se aproximam dos protótipos eVTOL

Reprodução/Hannah Barbera

Os Jetsons

Conceito: Cápsula voadora que carrega pequenos módulos independentes. George Jetson liberava essas cápsulas para deixar os filhos à escola e outros locais.

Infraestutura: O carro voador dos Jetsons era capaz de aterrissar na varanda de casa

Taxa de realidade: O eVTOL, silencioso e de pouso e aterrissagem vertical, ainda não prevê módulos independentes. Porém, poderia ser capaz de aterrissar em varandas de apartamentos, desde que fossem projetados edifícios com esse tipo de solução - algo ainda não previsto em projetos no Brasil.

Reprodução

Minority Report - A Nova Lei

Conceito: Os carros do filme são capazes de se locomover verticalmente, mas não chegam a voar.

Infraestutura: A locomoção é feita por meio de vias suspensas.

Taxa de realidade: As vias suspensas são, segundo especialistas, alternativas viáveis para desafogar o trânsito nas cidades do futuro. Como o eVTOL, os carros de Minority Report são autônomos.

Reprodução

Blade Runner

Conceito: O Spinner é capaz de rodar tanto em terra quanto no ar. Tem decolagem e pouso vertical, e no ar pode funcionar usando propulsão a jato.

Infraestutura: O carro de Blade Runner pode decolar e pousar em qualquer lugar. É usado por patrulhas policiais, principalmente, mas pessoas ricas conseguem obter licença para guiá-lo.

Taxa de realidade: O eVTOL não usará propulsão a jato e precisará de área específica para decolagem e pouso. A ideia é que o principal modo de condução seja autônomo, embora existam projetos que prevêm pilotagem humana.

Divulgação/Universal Pictures

De Volta para o Futuro

Conceito: O DeLorean era um automóvel convencional que é capaz de voar e viajar no tempo.

Infraestutura: O carro não precisa de área específica para decolagem e pouso.

Taxa de realidade: O conceito de carro voador do filme "De Volta para o Futuro" vai ficar na ficção científica. Ao menos nos próximos anos. Ele nada tem a ver com os eVTOL em desenvolvimento.

Infraestrutura das cidades

De acordo com estudo da consultoria Porsche Consulting, em 2035 a perspectiva é de que 23 mil eVTOLs estejam nas ruas - e céus. Mas a perspectiva de lançamento começa ainda nesta década. Há empresas que planejam entregar seus modelos já a partir de 2025.

Para o eVTOL começar a ganhar os céus, no entanto, é necessário infraestrutura. Nesse sentido, a principal questão é: esse tipo de veículo pode ser guardado na garagem?

Teoricamente, sim. Mas, em um estacionamento subterrâneo, pode haver problema para levar o veículo à área de decolagem e pouso, que não precisa ser grande, mas específica.

"Uma das perspectivas é que os condomínios do futuro construam áreas para pouso e decolagem, e também para estacionamento do eVTOL", afirma Adas. "Isso também poderia ser feito não no prédio, mas no quarteirão, para servir a todos os edifícios da área", afirma. Na prática, funcionaria como uma marina para barcos. Só que em terra.

Será preciso também a criação de rotas pré-definidas para o eVTOL, algo que não ocorre em grande escala com helicópteros. Isso porque, sendo um transporte de táxi aéreo barato (leia mais abaixo) e com a perspectiva de ser alternativa também para a mobilidade individual, o VTOL elétrico deverá ser mais numeroso nos céus que os helicópteros.

Um dos pontos mais importantes é uma boa rede de recarga para os motores elétricos do "carro voador". Para Camilo Adas, o desenvolvimento de uma rede para automóveis tradicionais é o ponto de partida, pois o processo é o mesmo.

Como funcionará na prática

  • Quando os eVTOLs chegarão ao mercado?

    Há empresas que esperam lançar seus "carros voadores" a partir de 2023. Outras trabalham com prazos para o início da próxima década. De acordo com a consultoria Porsche Consulting, em 2035 são esperados 23 mil eVTOLs nos céus do mundo.

  • Dá para guardar um eVTOL na garagem?

    Seria possível, mas o transporte até as áreas de decolagem e pouso seria um desafio, principalmente no caso de garagens no subsolo. Uma solução seria o carro ter dois módulos, aéreo e terrestre.

  • O eVTOL pode ser usado também como automóvel?

    Embora as empresas trabalhem com o conceito de táxi aéreo para o eVTOL, há possibilidade de desenvolvimento para que esse tipo de veículo também seja usado como carro. De acordo com o presidente da SAE Brasil, Camilo Adas, isso é possível com o uso de uma estrutura modular. O veículo ficaria, dependendo da demanda, fixado na base da hélice ou na das rodas.

  • É preciso habilitação especial para conduzir um eVTOL?

    Ainda não há legislação específica para essa questão, mas a tendência é que seja necessária habilitação como a de pilotos de helicópteros. Porém, a ideia é que o eVTOL seja autônomo. Com isso, dispensaria habilitação especial, pois não haveria necessidade de pilotagem humana.

  • Quanto custará uma viagem de eVTOL em serviços de transporte como Uber?

    De acordo com a Uber, muitos anos após o lançamento, quando o eVTOL já for uma solução de grande escala, uma viagem de Uber Elevate (braço da companhia que trabalha no desenvolvimento do eVTOL) custará o mesmo que uma corrida de UberX de mesma distância.

  • Como serão as áreas de pouso e decolagem do eVTOL?

    Parcerias como as firmadas pela Uber com empresas de desenvolvimento urbano e do ramo imobiliário prevê criação de áreas de pouso e decolagem em edifícios, ou quarteirões. O objetivo é que essas áreas funcionem como marinas de barcos.

Divulgação

Por que montadoras querem seus 'carros voadores'

Legislações cada vez mais rígidas e conectividade estão causando uma transformação na maneira com que as pessoas se relacionam com o conceito tradicional de automóvel. Dirigir deixou de ser prioridade para gerações mais recentes, principalmente com a proliferação de aplicativos como Uber e Cabify, com "corridas" bem mais em conta que de táxis.

Empresas de compartilhamento de automóveis, que permitem ao usuário ter o carro apenas sob demanda, também contribuem para afastar as pessoas da direção. Já as leis contra emissões de poluentes aumentam o cerco ao motor a combustão, colocando o elétrico em evidência.

Nesse novo cenário, montadoras estão deixando de ser fabricantes de veículos para se tornarem empresas de mobilidade. Além de trabalharem para viabilizar o carro elétrico, autônomo e eletrificado, se voltam também para outros segmentos, tanto de produtos como de serviços.

"O eVTOL já é uma realidade, e modelos com esse conceito serão lançados em breve", explica Adas. E, como são veículos de mobilidade individual, despertaram a atenção das montadoras.

Assim como no desenvolvimento de eVTOLs, marcas especializadas em automóveis estão atuando em outras frentes. Muitas já têm suas próprias empresas de aluguel de carros, e também de compartilhamento.

Divulgação Divulgação

Hyundai e o Uber voador

Um dos projetos mais comentados em andamento é fruto de uma parceria entre a Hyundai e a Uber (por meio da subsidiária Uber Elevate), e foi apresentado em janeiro, durante a feira de tecnologia CES, em Las Vegas (EUA). O eVTOL pode levar até cinco pessoas, sendo quatro passageiros.

De acordo com a Hyundai, o S-A1 foi projetado para atingir velocidade até 290 km/h e uma altitude de navegação entre mil e 2.000 pés (300 a 600 metros) acima do solo. Poderá fazer viagens até 100 km.

100% elétrico, é alimentado por vários rotores e hélices em torno da aeronave. Essa solução, segundo a Hyundai, melhora a segurança. Em um primeiro momento, será pilotado, mas o objetivo é posteriormente transformar o eVTOL em um veículo autônomo.

A Uber Elevate tem sido a empresa mais comprometida com a viabilização de um eVTOL para funcionar como táxi aéreo. O S-A1 é seu protótipo mais recente, e o que deverá ser produzido em série.

A parceria com a Hyundai levará a fabricação do veículo a linhas de montagem de marca, e permitirá a produção atingir escalas de automóveis. De acordo com a Uber, após vários anos no mercado, uma corrida de Uber Elevate poderá ter o mesmo preço da de UberX.

Além da Hyundai, a Uber firmou parcerias com empresas dos setores de aviação e desenvolvimento urbano para viabilizar seu conceito de táxi aéreo. Entre elas há a Embraer e a Boeing.

Para criação de estações de embarque, a Uber fechou parcerias imobiliárias com empresas como Hillwood Properties. Já a Nasa está envolvida no desenvolvimento da tecnologia autônoma.

Outros projetos em andamento

  • Joby's Série C

    O modelo da start up da Califórnia Joby Aviation é fruto de investimento de US$ 590 milhões e tem a Toyota como principal patrocinadora. O eVTOL está sendo criado para serviços de transporte aéreo rápido, e poderá levar até quatro pessoas. A data de lançamento será revelada em breve, de acordo com informações da Toyota. A Joby Aviation produz aeronaves elétricas que podem sobrevoar até 240 km a cada recarga, e atingem até 320 km/h de velocidade máxima.

    Imagem: Reprodução/Joby Avation site
  • Terrafugia TF-X

    Em 2006, a empresa norte-americana apresentou o protótipo Transition, uma aeronave que poderia ser guardada na garagem - mas não era um eVTOL e precisava de pista para decolar e pousar. Em 2017, a Terrafugia foi comprada pela Geely, marca chinesa que também é dona da Volvo, para entrar na corrida pelo eVTOL. O modelo é o TF-X, que poderá rodar nas ruas com dois motores elétricos e capacidade para quatro pessoas. A expectativa é de que comece a ser vendido em 2025.

    Imagem: Louise Ganitis/ABCDigipress
  • Embraer X

    Braço para negócios disruptivos da empresa brasileira, a Embraer X apresentou em junho do ano passado seu protótipo em parceria com a Uber Elevate. Com dez rotores e duas espécies de asas para dar sustentação, o veículo lembrará um utilitário-esportivo por dentro, segunda a aérea. Além disso, a ideia é ser o eVTOL para as massas. Porém, o projeto da Embraer X ainda é bastante embrionário. A empresa por enquanto não divulgou quando esses veículos entrarão no mercado.

    Imagem: Embraer/Divulgação
  • Porsche e Boeing

    Também embrionário, o projeto em parceria das duas empresas prevê um veículo com design bastante futurista e que já foi patenteado nos EUA. Pelos desenhos, o modelo 100% elétrico terá capacidade para apenas duas pessoas e possuirá quatro grandes hélices, com capacidade de pousar e decolar verticalmente.

    Imagem: Divulgação

Quanto custará o 'carro voador'?

Mas quanto custará um eVTOL? Para especialistas, a perspectiva é de que, quando ganharem escala, sejam bem mais baratos que helicópteros, por terem conceito de construção mais simples.

Os preços poderão ficar bem mais próximos aos de automóveis que aos de aeronaves. Boa parte dos modelos deverá ser destinada a táxis aéreos.

Mas por enquanto, um dos únicos com perspectiva de preço é o Terrafugia TF-X, por cerca de US$ 150 mil. Preço de carro? Sim, mas de carro de luxo.

Divulgação/Lilium/Reuters Divulgação/Lilium/Reuters
Topo