Nissan Leaf faz 10 anos

Andamos nas gerações do elétrico mais vendido da história para mostrar as evoluções do carro em uma década

Vitor Matsubara Do UOL, em São Paulo (SP) Murilo Góes/UOL

Choque de realidade

Lembro bem da primeira vez que dirigi o Nissan Leaf. Parecia tudo normal até apertar o botão de partida do motor. Nada aconteceu: apenas um som de videogame e uma luz verde no painel indicavam que estávamos prontos para partir.

Lá se vão 10 anos desde a estreia do modelo que se tornaria o carro elétrico mais vendido da história. E UOL Carros não deixou a data passar em branco, reunindo as duas gerações do Leaf para celebrar a ocasião especial. O encontro mostra como os carros elétricos evoluíram em dez anos, seja na autonomia, tempo de recarga das baterias e até no design. Confira!

Murilo Góes/UOL
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Nissan Leaf (2010)

Preço: não foi vendido no Brasil

Motor: elétrico

Câmbio: automático, uma marcha para frente

Potência: 109 cv

Torque: 28,5 kgfm disponíveis instantaneamente

0 a 100 km/h: 11,9 segundos

Velocidade máxima: 144 km/h

Dimensões: comprimento, 4,45 m; largura, 1,77 m; altura, 1,55 m; entre-eixos, 2,70 m

Porta-malas: 330 litros

Autonomia: 160 km

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Nissan Leaf (2020)

Preço: R$ 195 mil

Motor: elétrico

Câmbio: automático, uma marcha para frente

Potência: 149 cv

Torque: 32,6 kgfm disponíveis instantaneamente

0 a 100 km/h: 7,9 segundos

Velocidade máxima: 144 km/h

Dimensões: comprimento, 4,48 m; largura, 1,79 m; altura, 1,56 m; entre-eixos, 2,70 m

Porta-malas: 435 litros

Autonomia: 240 km

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Um extraterrestre nas ruas

O Leaf era um ilustre desconhecido quando desembarcou no Brasil em 2012. Poucos privilegiados puderam dirigi-lo até hoje, já que o carro foi utilizado apenas por taxistas em um programa piloto patrocinado pela Nissan. Só no ano passado o modelo começou a ser vendido comercialmente, quando estreou já na segunda geração.

Posso, então, me considerar privilegiado por ter dirigido todas as gerações do Leaf. E mais do que isso: tive a rara oportunidade de passar vários dias com o carro. Oito anos atrás, a Nissan cedeu um exemplar para uma avaliação de longa duração à empresa onde trabalhava na ocasião. Rodava a maior parte do tempo na cidade, mas fui até para o interior de São Paulo com aquele carro que chamava mais atenção no trânsito do que uma Ferrari.

Pena que não era exatamente pela beleza, já que "bonito" não era o adjetivo mais adequado para o primeiro Leaf. As linhas futuristas do modelo eram ousadas demais para seu tempo, mas pouco harmoniosas também. Era difícil achar quem admirasse os faróis esbugalhados e as lanternas translúcidas quase inteiriças.

A cabine era mais conservadora, e talvez até demais, destoando da carroceria arrojada. O revestimento na cor creme dos bancos e volante é bonito de ver e horrível de manter. Prova disso era o estado de conservação dos bancos e do volante: apesar de intactos, eles estavam encardidos na unidade avaliada por UOL Carros.

O nível de acabamento é bom, apesar do plástico duro em excesso no painel. Várias peças e botões vieram de outros carros da Nissan e a central multimídia não tinha quase utilidade alguma no Brasil, já que vários menus e dados estavam configurados para uso no Japão. Foi o que descobri ao tentar usar o GPS para chegar até o destino das fotos...

Se o motorista viaja em uma posição bem agradável, com espaço satisfatório para pernas e uma ampla visibilidade da frente, a posição de sentar no banco de trás é um pouco esquisita. Como o assento fica mais alto do que o comum devido à presença das baterias no assoalho, pessoas de maior estatura podem sofrer um pouco lá atrás.

O porta-malas também não é grande (praticamente do mesmo tamanho de um Renault Sandero), mas é muito bem acabado e tem assoalho plano. Lá atrás também fica o cabo para recarga das baterias.

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Quase um videogame

O painel digital era diferente de tudo que existia na época. Assim como a oitava geração do Honda Civic, o Leaf traz mostradores divididos em duas partes. O quadro de instrumentos atrás do volante informa autonomia, situação das baterias e agrupava as luzes de advertência.

No andar de cima fica o velocímetro digital e um criativo sistema para educar a condução do motorista. Pequenas árvores se formam a medida que o condutor dirige de forma ecológica. O objetivo é criar o maior número de pinheirinhos possíveis durante a viagem. Era quase como jogar Super Nintendo enquanto voltava para casa.

A autonomia de 160 quilômetros é mais do que suficiente para a grande maioria dos motoristas realizar seus deslocamentos diários. Entretanto, é bom lembrar que dificilmente será assim, já que, quando mais você acelera, menos carga estará disponível para rodar. Ligar o ar-condicionado e acender os faróis, duas tarefas corriqueiras no trânsito, também roubam quilômetros precisos de sua reserva.

Não foram poucas as vezes em que decidi rodar sem ar-condicionado apenas para poupar a carga das baterias. Se você tiver o pé mais pesado vale a pena recorrer ao modo "B" (de "Brake", ou "freio", em inglês), que reforça a atuação do sistema de frenagem regenerativa. Em contrapartida, o Leaf fica muito mais "amarrado" e lento nas arrancadas. Bom lembrar que a primeira geração não trazia o sistema e-Pedal presente no Leaf atual - vou detalhar seu funcionamento mais adiante.

A total ausência de ronco do motor torna única a experiência de dirigir um carro elétrico. Todo e qualquer barulho do carro é ouvido na cabine. Ao mesmo tempo, a falta de barulho traz um efeito relaxante - pelo menos para mim. Não sinto vontade de acelerar quando dirijo um carro elétrico, tamanha a suavidade ao conduzi-lo.

Alguns proprietários com quem já conversei me dizem também que ser dono de um veículo movido a eletricidade implica em uma mudança no seu jeito de dirigir. Isso porque você começa a "competir" consigo mesmo para poupar a carga da bateria ou mesmo regenerá-la em viagens mais longas. E sim, eu fiz isso várias vezes enquanto avaliava os dois carros.

Existem ainda um efeito colateral inerente ao veículo em si. Ao andar na cidade, você invariavelmente precisará usar mais a buzina do que o normal. Isso porque vários carros e principalmente pedestres não percebem sua aproximação, então não é difícil ver outras pessoas se assustando com sua presença.

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Evolução expressiva

Quem nunca viu o Leaf dificilmente acha que está diante de duas gerações de um mesmo modelo. O carro lançado no mercado brasileiro em 2019 foi inteiramente modificado em todos os aspectos, principalmente naqueles que merecia atenção: autonomia e design.

A diferença de estilo é gritante. Agora o Leaf chama atenção nas ruas por um bom motivo. Seja pela beleza ou pela pequena quantidade de carros rodando por aí, o hatch não passa despercebido. Muita gente olha e admira as linhas nitidamente inspiradas em outros modelos da Nissan, como o Kicks e o novo Sentra - este último ainda não comercializado no Brasil.

A evolução se repete do lado de dentro. O acabamento traz materiais de melhor qualidade, ainda que não seja compatível com um carro de quase R$ 200 mil. Bom lembrar, porém, que o Leaf foi feito para ser um veículo mais acessível na maioria dos mercados onde é vendido, ou pelo menos nos mais importantes, como Japão e Estados Unidos. Aqui, porém, ele tem preço de sedã de luxo por conta dos impostos de importação.

Alguns detalhes resistiram à troca de gerações. O estranho seletor de marchas permanece lá para confundir a cabeça de quem está acostumado aos câmbios automáticos. Um botão redondo faz as vezes da manopla. Puxá-lo para direita e para trás engata a marcha Drive, enquanto empurrá-lo para frente e para a esquerda seleciona a marcha a ré, devidamente acompanhada daquele estridente alerta típico de caminhões. Um toque para a direção do motorista engata o ponto morto e um botão no topo ativa o Park.

O Leaf importado para cá tem um generoso pacote de equipamentos. Há controles de estabilidade e de tração, ar-condicionado digital, aquecimento e refrigeração dos bancos dianteiros. Frente ao antigo Leaf que o acompanha nesta reportagem, ele acrescenta itens como bancos com regulagens elétricas, piloto automático adaptativo, câmera com visão em 360 graus, sensor de pontos cegos e alerta de mudança de faixa, entre outros equipamentos.

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Cadê a tomada?

Uma importante característica poderia ter mudado entre as gerações. O uso do padrão de tomada japonesa, conhecida como ChaDeMo, é raríssimo em países europeus e também no Brasil.

Sendo assim, encontrar um ponto de recarga para seu Leaf será uma tarefa muito complicada. Durante os sete dias em que ficamos com o elétrico, apenas dois locais foram identificados no Plugshare, um aplicativo que mapeia os pontos de recarga presentes em várias cidades do mundo. Praticamente todos os postos de recarga instalados em shopping centers, supermercados e até em condomínios não suportam o padrão do Leaf.

Destes pontos, apenas um deles possuía carregador rápido (uma estação localizada na sede da ABB em São Paulo), mas precisei dirigir quase 20 quilômetros só para chegar até lá. Ou seja, era preciso planejar bem a rota dependendo da autonomia restante. Pelo menos não precisei ficar muito tempo parado: a carga subiu de 48% para 100% em menos de 80 minutos.

O Leaf cedido para nosso teste veio com um cabo de recarga para uso em tomada convencional. Porém, o tempo estimado para carregar as baterias desanima qualquer um, podendo levar de 20 a 40 horas. Pelo menos quem compra um Leaf "ganha" um carregador do tipo wallbox de 32 amperes, que precisa de 6 a 8 horas para realizar uma recarga completa.

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Bom de dirigir

Comprar um carro elétrico esperando desempenho não é uma ideia tão racional assim - a não ser que você seja dono de um Tesla ou um Porsche Taycan. De toda maneira, o Leaf surpreende quem não está habituado à agilidade deste tipo de veículo. Pise fundo no acelerador e o carro destraciona as rodas dianteiras, mesmo em velocidade mais baixa. Some isso ao centro de gravidade mais baixo (por conta da presença das baterias no assoalho) e você tem um carro muito bom de curva. Só convém não abusar.

Na cidade, o modo Eco dá conta do recado, embora quem aprecie respostas mais rápidas possa sentir um pouco incomodado. Isso porque o sistema de regeneração de energia (cuja atuação seria algo equivalente ao "freio-motor" de um veículo convencional) age de forma mais direta na condução.

E pode ficar ainda mais evidente se o motorista ativar o e-Pedal, um modo no qual a regeneração fica ainda mais atuante. É possível dirigir usando apenas um pedal, já que, ao tirar o pé do acelerador, o veículo "para" de forma gradual sem precisar tocar no pedal de freio. A Nissan afirma que é possível diminuir a utilização dos freios em até 80%.

A direção direta torna a experiência de conduzir o Leaf ainda mais prazerosa. Já a suspensão dá conta do recado, embora sua calibragem feita para países europeus (o modelo é fabricado no Reino Unido) sofra um pouco com o sofrível asfalto brasileiro. É preciso tomar cuidado para não raspar o para-choque dianteiro em valetas e a suspensão pode dar final de curso em lombadas mais altas.

De toda maneira, o hatch é um carro muito apropriado para uso quase exclusivamente urbano. Ok, ele consegue encarar uma rodovia sem grandes problemas, mas a autonomia é sempre uma preocupação em um país sem infraestrutura adequada para recarga de carros elétricos - algo que, bom frisar, não é exclusividade do Brasil. Dependendo do seu percurso, porém, é possível fazer a viagem realizando paradas em postos equipados com pontos de recarga.

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E o futuro?

UOL Carros já dirigiu um protótipo definido pela própria Nissan como o futuro do carro elétrico. A experiência aconteceu na pista de testes da fabricante em Oppama, no Japão, durante a cobertura do Salão de Tóquio.

O veículo traz sistema de tração integral impulsionado por dois motores. Feito sobre a base de um Leaf e+, ele traz algumas diferenças visuais, como molduras nos para-lamas (como nos aventureiros urbanos tão populares no Brasil) e rodas de liga leve da Nismo, a divisão de desempenho da Nissan.

As maiores diferenças, porém, estão debaixo da carroceria. Os dois motores entregam uma potência combinada de 308 cv e torque máximo de 69,3 kgfm. São números bem impressionantes, especialmente comparando com os 215 cv e 34,7 kgfm do próprio Leaf e+ - e ainda mais diante dos 149 cv do modelo vendido no Brasil.

A intenção da Nissan é mostrar que os carros elétricos podem, sim, ser divertidos de dirigir. Se tudo correr conforme planejado, o sistema de tração integral estará presente na próxima geração de carros elétricos da marca.

"A nova tecnologia de tração integral controlada por motores elétricos combinada com o controle de chassis resulta em um grande avanço em acelerações, maior estabilidade nas curvas e melhor frenagem, apresentando resultados dignos dos melhores esportivos", declarou Takao Asami, vice-presidente sênior de pesquisa e engenharia avançada da empresa.

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Elétrico: você ainda vai ter um?

Esqueça a falta de barulho ou a falta de apelo emocional. Livrar-se de qualquer preconceito é essencial antes de dirigir um carro elétrico. Assim você terá mais tempo para se concentrar nas virtudes de dirigir um carro assim.

E elas vão muito além de não emitir poluentes - o que por si só já seria uma baita virtude. Modelos como o Nissan Leaf são, sim, prazerosos de dirigir, confortáveis e - exatamente - silenciosos - até porque nem sempre você quer aquele ronco grave na sua orelha no meio de um congestionamento sem fim.

O encontro das duas gerações do Leaf mostra como o carro elétrico evoluiu em uma década. E indica que, aos poucos, eles vão deixar de ser apenas diferentes para fazer parte da nossa realidade. Isso já acontece em alguns países como a Noruega, onde mais da metade da frota circulante é composta por veículos elétricos. O mesmo deve ocorrer em várias partes do mundo, já que a proibição da venda de carros movidos a combustão já tem data definida em diversas nações.

Enquanto isso, o Brasil ainda vê o carro elétrico com curiosidade e principalmente distanciamento. E não é porque faltam interessados - muito pelo contrário. Só que quem quer andar de carro elétrico ainda esbarra em dois problemas importantes: o preço elevado (hoje o modelo mais barato não custa menos de R$ 120 mil) e a falta de postos de recarga espalhados pelo país, já que até nas grandes cidades não é fácil achar um carregador. Enquanto tudo isso não mudar, ser dono de um veículo elétrico será um privilégio para poucos.

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