Meninas superpoderosas

Fãs de carros, elas abraçam cultura da personalização e elegem modelos japoneses como favoritos

Vitor Matsubara Do UOL, em São Paulo (SP) Leandro Kawasaki/Acervo pessoal

Agora é que são elas

Mulheres que gostam de carros não são novidade para ninguém. Ou pelo menos não deveria, já que a presença feminina em eventos e encontros de veículos preparados é cada vez maior.

Muitas delas adoram expor seus veículos, conversar sobre modificações e passar horas confraternizando com amigos que compartilham a mesma paixão.

Um grupo numeroso se destaca em meio a tantas entusiastas: as fãs de carros japoneses. São adeptas da cultura conhecida como JDM (sigla para "Japanese Domestic Market" (ou "Mercado Doméstico Japonês", em tradução livre), difundida mundialmente pela saga "Velozes e Furiosos".

Elas bolam os projetos, escolhem as melhores peças e em muitas vezes fazem tudo com as próprias mãos.

UOL Carros conversou com quatro mulheres bem diferentes entre si, mas que compartilham a mesma paixão.

André Vasconcelos/Acervo pessoal André Vasconcelos/Acervo pessoal

Paixão de gerações

Assim como a grande maioria dos gearheads, Giovanna Ribeiro começou a ter contato com carros por causa de seu pai. Não era nada de especial para ela até o momento em que um modelo mudou sua vida.

"Me apaixonei por carros quando ele comprou um Subaru Impreza WRX. Ele me levava para fazer tudo, desde ir na oficina até trocar as rodas. Meu pai também me dava carrinhos de controle remoto do Impreza e aí comecei a gostar de carros japoneses", conta.

Logo depois de terminar a faculdade, Giovanna começou a procurar um carro com uma boa relação custo-benefício - e obviamente pensou em um Subaru. Só que como a manutenção dele era cara demais para ela, veio a ideia de comprar um Civic, mais especificamente um sedã.

"Achei um Civic EX manual com 137 mil km rodados. Gostei dele mesmo estando um pouco ruim de funilaria, até porque o motor estava bom. Depois de uma semana fui buscar o carro, mas a (junta) homocinética quebrou logo depois que sai da garagem", lembra.

Foi aí que Giovanna teve uma ideia genial. "Precisava trocar algumas coisas do carro e consegui comprar muitos acessórios vendendo as peças originais que seriam trocadas".

Assim, o Civic vermelho ganhou uma pintura completa na cor roxa em vez de envelopamento, como Giovanna planejava. A lista de mudanças inclui novos para-choques, suspensão do tipo rosca, novas rodas, aerofólio, escapamento redimensionado, front lip, máscara negra nos faróis (feita por ela mesma) e a grade do Civic Type R. Até nome ganhou: Violet. Mas o motor é original. Pelo menos por enquanto.

RCM Media Inc./Acervo pessoal RCM Media Inc./Acervo pessoal

Único no Brasil

Monica Telles não entendia muito a adoração que seu pai e seu avô tinham pelos carros. "Confesso que até sentia ciúmes porque sempre achei que meu pai fazia mais questão de estar com eles do que com os filhos".

Isso só foi mudar quando ele começou a viajar para o Japão. "Cada vez que meu pai ia para lá me mandava fotos dos carros. Eu pirava neles, mesmo sem saber muito do que se tratava. Só sabia que eram melhores do que temos aqui".

Logo ela também viajou para o Japão, mas ainda não tinha idade para dirigir lá. Enquanto isso, fez várias amizades com brasileiros que tinham carros que Monica até então só via por fotos. Mas ela não pensava em comprar um.

"Eu sabia que se eu começasse a dirigir lá no Japão jamais teria dinheiro para fazer qualquer outra coisa. Então resolvi adiar meus planos", conta.

Já habilitada, ela começou a ajudar seu pai a cuidar do seu carro e de vez em quando acompanhava drift.

"Logo quando voltei ao Brasil conheci o Danilo (meu marido), e ele tinha um Chevette de drift e um Honda Civic VTi. Foi ele quem me fez acreditar que eu poderia ter um bom JDM no Brasil. Começamos nossa história naquele momento, e a partir daí tive vários carros".

Entre vários modelos japoneses, eles já tiveram até um Nissan Skyline R33, simplesmente um dos carros mais cultuados da cultura JDM. Rapidamente veio a ideia de comprar outro Nissan, um Silvia S15. "E aí, pronto: estava formado o 'casal Velozes e Furiosos'", relembra, aos risos.

Atual proprietária de um Lancer, Monica afirma que o carro só chegou às suas mãos por conta de uma aquisição polêmica.

"Meu marido sempre quis ter um (Mitsubishi) Eclipse, então um belo dia ele voltou para casa com um. Eu fiquei muito brava! Passamos um ano com esse carro que vivia dando problemas, até que resolvemos comprar um Lancer com câmbio automático para usar no dia-a-dia".

Depois de conviver um pouco com o carro, o casal acreditou no potencial do sedã e decidiu comprar outro carro já com outra ideia em mente: transformá-lo em um Lancer Evolution. Mas não estamos falando apenas de imitar o visual, como muita gente faz por aí.

"Nós importamos todas as peças e fizemos um 'transplante total' do Evo IV. É o único carro do gênero no Brasil".

Porém, um acidente de percurso quase acabou com o sonho do casal.

"A gente ia pintar o carro de cinza e a cor estava linda nos testes que fizemos. Passamos o verniz por cima e, da noite pro dia, ele ficou azul! Eu chorei muito e falei para o meu marido que ia remover toda a tinta. Ele disse que estava ótimo, mas eu sei que ele também se frustrou. Foram dias lixando o carro com tanto cuidado e amor", lamenta.

A aceitação só veio quando Monica publicou uma foto do Lancer na internet - e a resposta foi bastante positiva.

"Todo mundo achou o carro lindo! Passei a olhá-lo com outros olhos e hoje sou apaixonada por ele, principalmente pela exclusividade".

Hoje ela também possui um canal no YouTube para mostrar as mudanças que realiza em seu carro, mas com uma intenção.

"Minha ideia é incentivar outras mulheres que gostam disso e mostrar que elas também podem fazer tudo que quiserem".

Leandro Kawasaki/Acervo pessoal Leandro Kawasaki/Acervo pessoal

Feito para chamar atenção

Roberta Pirolla vivia no meio dos carros na oficina mecânica de seu pai, só que não se interessava tanto por eles. Mas nada como um grande amor para fazê-la mudar de ideia.

"Conheci meu namorado em 2015 e logo começamos a frequentar eventos. Em um deles vi um Civic hatch e me apaixonei pelo modelo. Comecei a pesquisar, mas nunca achava um porque os preços eram muito altos".

Alguns anos depois, ele comprou um Civic de presente de aniversário para Roberta, que já tinha até o projeto ideal em sua cabeça.

"Eu queria um carro diferente e que chamasse atenção, já que tem muito Civic preto e azul por aí. Então cheguei na Spoon Sports, uma empresa especializada em preparar Hondas".

Depois de decidir quais seriam as mudanças, Roberta colocou em prática as lições aprendidas em um curso de envelopamento automotivo.

"Fiz todo o processo de envelopamento, com carroceria amarela e o capô em fibra de carbono. Dois anos atrás finalizei o projeto com a pintura em duas cores para participar do Civic Nation (maior encontro de Hondas da América Latina) e ele fez muito sucesso lá".

A participação no evento realizado no interior paulista fez Roberta ficar mais conhecida no mundo dos carros personalizados. Mas seu Civic já era "famoso" por um motivo nada agradável.

"Meu carro foi roubado em 2017 e muita gente me ajudou a procurá-lo na ocasião. Felizmente conseguimos encontrá-lo no mesmo dia e até hoje as pessoas comentam sobre aquele episódio".

Além da pintura bicolor, o Civic hatch tem bancos esportivos personalizados e novas rodas de liga leve, além de escapamento reto com coletor de inox e abafador de seis polegadas e filtro esportivo. "Ele é mais um carro visualmente de corrida do que de motor mesmo".

Ghclicks/Acervo pessoal Ghclicks/Acervo pessoal

Do videogame para as ruas

Não era difícil saber que Letícia Zeballos seria louca por carros. "Quando eu era pequena gostava de ler revistas de carros e amava colecionar carrinhos. Além disso, meu pai trabalhava na indústria automotiva e quase todo domingo a gente lavava o carro e depois visitava as concessionárias para ver as novidades".

Sua mãe também alimentou a paixão pelos automóveis comprando carrinhos de brinquedo para a filha. "Cheguei até a correr de kart por um período, mas tivemos que desistir porque o orçamento ficou apertado".

Sem poder competir, Letícia começou a jogar "Need for Speed" juntamente com seu irmão. E foi aí que conheceu os carros importados e o universo da personalização.

Depois de ter um Volkswagen Gol 1.0, ela partiu para os carros japoneses e escolheu um modelo da Subaru.

"O Impreza é meu primeiro carro japonês depois dos videogames (risos). Coloquei um filtro esportivo e também um módulo de aceleração para aumentar a rotação do motor pisando pouco. Isso melhora as respostas do acelerador, já que ele tem motor 2.0 e é automático".

Entre as outras mudanças, Letícia instalou um escapamento esportivo e apêndices aerodinâmicos na frente e nas laterais. O toque final foi dado na pintura, que recebeu envelopamento na cor amarela.

"É um carro de 160 cv que é até um pouco devagar no começo, mas incrível depois que embala. Comprei um Subaru também por causa da segurança, me sinto muito segura por conta da tração integral, que o deixa muito estável e faz 'grudar' bastante no chão nas curvas. E tem também a exclusividade, né? Até porque a gente não encontra muitos Subaru por aí".

Assim como todo dono de carro modificado, Letícia já planeja as próximas alterações.

"Quero colocar as rodas (Rays) TE37 de 18 polegadas, que são as mais famosas das japonesas, e pintá-las de preto. Quero também pintar as pinças de freio na cor vermelha, colocar um aerofólio, instalar uma central multimídia e trocar o capô original por um que tenha uma tomada de ar".

Para ela, o Impreza amarelo é praticamente um amigo, já que ele tem perfil no Instagram e até nome.

"Toda vez que eu pegava estrada via os outros carros saindo da minha frente na faixa da esquerda, mesmo antes de realizar as modificações. Não precisava nem pedir passagem. Lembro de um dia em que estava com a minha família e a estrada estava bem cheia, mas todos os carros saíam da frente. Então ele virou o Moisés, já que abre muitos caminhos (risos)! Mas depois que fiz o envelopamento apareceram outros nomes. Tem gente que o chama de Amarelinho, Bob Esponja, Minion... Tudo que tem amarelo e preto virou apelido".

Isaque Silva/Acervo pessoal Isaque Silva/Acervo pessoal

O que é JDM?

O acrônimo JDM vem de "Japanese Domestic Market" e se refere a veículos e acessórios feitos por empresas japonesas para o mercado automotivo local.

Assim como o tuning e o drift (ou "drifting", se você preferir), a cultura JDM rapidamente ultrapassou as fronteiras do Japão e ganhou o mundo. Esse fenômeno aconteceu em grande parte por conta das importações de modelos japoneses para os Estados Unidos a partir dos anos 70.

Em meio à Crise do Petróleo, os veículos japoneses começaram a ganhar terreno e abriram caminho para a chegada de esportivos que marcaram época entre os anos 80 e 90. A fórmula do sucesso era simples: combinar os preços acessíveis (e parelhos com o de modelos americanos) com desempenho digno dos melhores carros da época.

Rapidamente os fãs de carros japoneses começaram a importar modelos feitos originalmente para o Japão - definindo, assim, a essência da cultura JDM fora do país. Dois bons exemplos são o Mazda RX-7 e o Nissan Skyline, que aparecem constantemente em "Velozes e Furiosos". A saga iniciada em 2001 não retrata diretamente a essência do JDM, mas ajudou a popularizar os veículos japoneses e até alguns princípios por trás desse estilo de vida.

Curiosamente, foi depois dos filmes chegarem aos cinemas que a categoria passou por uma transformação. Em vez de carros tunados e cheios de adereços chamativos, os veículos passaram a ter visual mais limpo e esportivo sem apelar necessariamente para combinações de gosto duvidoso.

Alguns itens são característicos de um JDM "raiz", como para-lamas alargados e até espelhos retrovisores nos para-lamas, conhecidos como "fender mirrors" - muito comuns nos carros de série vendidos no Japão nos anos 60 e 70. A suspensão também costuma sofrer modificações extremas, como rebaixamento e até cambagem, mas sempre funcionais. Para-choques com spoilers e lips (uma espécie de apêndice aerodinâmico colocado na parte inferior do veículo) também são comuns.

Entretanto, não há regras definidas para caracterizar um projeto JDM. Cores vibrantes, adesivos pela carroceria e rodas de tamanhos variados também são bem aceitos. O desejo de dar um toque pessoal resultou em novas vertentes do JDM, inclusive no Brasil, onde a dificuldade em conseguir peças japonesas abre caminho para a criatividade. Afinal de contas, tudo é válido para personalizar seu carro.

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