Kadett - a joia da coleção

Carro trouxe estilo e requinte pouco visto até então e hoje é disputado por colecionadores

Rodrigo Mora Colaboração para o UOL Divulgação

O mercado nacional já sabia o que era ter um carro global desde os tempos de Ford Escort, Chevrolet Monza e Fiat Uno quando o Kadett estreou por aqui, em 1989. Mas com modernidades como para-brisa e vidro da tampa traseira rentes à lataria, bancos frontais e volante com ajuste de altura, além da suspensão traseira ajustável, aquele novo Chevrolet parecia causar mais impacto.

Chegou como o automóvel das classes mais abastadas e de gosto refinado, ainda impedidas de acessar modelos importados. E como o sucessor natural do Opala, que já não convencia mais com seu jeito truculento.

Um carro que entrou no imaginário das pessoas com seus 'duelos' contra Gol GTi e Escort XR3. O Volkswagen era mais rápido por conta do motor com injeção eletrônica, mas o Chevrolet (ainda carburado) descontava com melhor posição ao volante, estilo e soluções de engenharia mais atuais.

O brilho durou pouco, até o fim dos anos 90. Mas foi o suficiente para angariar uma legião de fãs e se tornar um dos favoritos dos carros de coleção.

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Um sonho que sobreviveu à guerra

O automóvel ainda nem existia quando a marca que inventou o Kadett apareceu. Fundada por Adam Opel, aquela que seria uma das maiores fabricantes alemãs de carros surgiu como uma produtora de máquinas de costura em 1862, antes de partir para o ramo de bicicletas em 1886.

A aventura pela então incipiente jornada dos veículos a combustão começou três anos depois, quando a viúva de Adam, Sophie, instituiu a Opel Patent Motor Car. E a empresa ainda produzia bicicletas em 1936, quando o nome Kadett surgiu pela primeira vez.

Produzido em Rüsselsheim, na Alemanha, não foi muito longe: metade da linha de produção foi bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial, e o que sobrou foi desmontado e enviado para União Soviética como indenização pelos estragos causados pela Alemanha durante o embate. Automóveis de passeio só voltariam a ser montados pela Opel em 1947, com o Olympia.

No ano em que completava 100 anos, a Opel retomava o nome Kadett, que nada tinha a ver com o modelo dos anos 1930. Agora feito em uma planta totalmente nova, em Bochum, o Kadett estreia como um dos mais modernos veículos de seu tempo. Pois seu objetivo era claro: bater o VW Fusca e ser um dos protagonistas na missão de devolver à Opel o posto de maior produtora de automóveis da Alemanha.

O motor 1.0 refrigerado a água pesava apenas 96 kg e rendia 40 cv. Seu desenho resultava em mais espaço para passageiros e bagagens, além de melhor visibilidade. Segurança e dirigibilidade também estavam um passo à frente do seu principal concorrente. Essa briga se repetiria no Brasil anos mais tarde.

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Sucesso na Europa

O Kadett B (como a Opel dividia suas gerações) se adiantou, sendo lançado no Salão de Frankfurt de 1965. Era uma evolução clara do A em termos estéticos e mecânicos, mas não uma ruptura como aconteceria anos mais tarde. Mais largo e comprido, oferecia também mais opções de motorização, começando em um 1,1 litro e chegando ao 1,79 litro, já no fim de seu ciclo.

Curiosas foram algumas versões do Kadett B: Holiday, Festival e as pretensiosas Rallye e Grand Prix. O passar de bastão ocorre em 1973, com nada menos do que 2,6 milhões de unidades produzidas do Kadett B - que se tornaria então o Opel mais exitoso de sua história.

Ora, ora, ora, se não é nosso Chevrolet Chevette, a terceira geração do Opel Kadett? Prova de suas ambições mais globais - batizado internamente de "carro T", tinha a missão de atender diversos mercados apenas com adaptações locais estéticas - foi o Kadett C estrear no Brasil poucos meses antes de aparecer na Europa. Por aqui, foi considerado o mais importante lançamento de 1973, batendo o Fusca, seu antigo rival lá fora.

Em 1979, o Kadett C - o último Kadett com tração traseira - dava lugar ao D, que seguiria até 1984, ano de lançamento do "nosso" Kadett no mundo.

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Modernidade chega ao Brasil

Naquele ano de 1984, a plataforma do Chevette já estava defasada e seu sucessor, definido. Era o Kadett, que estrearia em 1989 bastando à General Motors (dona da Opel desde 1931) trocar o símbolo desta pelo logotipo da Chevrolet. Vale explicar de novo: a quinta geração na Europa significou cinco anos depois a estreia do nome Kadett no Brasil, lugar onde já estava, como carro, desde a terceira fase.

Os tradicionais consumidores da marca se surpreenderam com aquele estilo inédito, marcado pelas janelas traseiras de acentuada queda e recortadas por entradas de ar laterais. No entanto, características apreciadas nos Chevrolet dos anos 1990 - bancos grandes e macios, acabamento de qualidade e jovialidade externa e interna, aliados a motores robustos e de bom desempenho - aderiam a um outro contexto naquele novo modelo.

Com toques de modernidade, como o para-brisa e o vidro da tampa traseira serem rentes à lataria (o que se convertia em ótima aerodinâmica, de Cx 0,32) e a dispensa das arcaicas calhas. No interior, os dois bancos frontais tinham ajuste de altura, assim como o volante.

Inédita por aqui era a suspensão traseira, que podia ter sua altura sintonizada, conforme a carga transportada, por um simples bico camuflado no porta-malas. Se o carro estivesse pesado, com três pessoas no banco traseiro mais as bagagens de todos, bastava encher as bolsas em torno dos amortecedores.

As versões SL e SL/E recebiam um 1,8 litro (95 cv), enquanto a esportiva GS (cujos bancos Recaro eram um desbunde) se justificava com um 2.0 (110 cv), que depois de ganhar injeção eletrônica, em 1992, virou GSi (121 cv). Dois anos depois, a nomenclatura das configurações de acabamento mudou para GL e GLS.

"O único esportivo por natureza"

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Reformulação ruim e adeus

Leves atualizações estéticas internas e externas acompanharam as evoluções do Kadett até a linha 1996, quando uma grosseira reformulação esvaiu parte de seu brilho.

O azar do Kadett foi a General Motors ter sido tão ágil quanto já havia sido em relação à chegada do Chevette no Brasil. Ao apresentar a segunda geração do Opel Astra na Europa, em 1997, a empresa confirma que o sucessor do Kadett também seria produzido aqui.

E assim, após apenas nove anos e cerca de 460 mil unidades fabricadas, o Kadett se despedia.

Derivados do Kadett

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A perua

A carroceria "station-wagon" surgiu no Kadett já na segunda geração, e seguiu com o hatch até seu fim. Por aqui, foi a Marajó nos tempos do Chevette e a Ipanema fazendo par com o Kadett. Esta era 23 centímetros mais longa e tinha visual menos ousado, e por isso criticado. O ótimo porta-malas de 424 litros compensava.

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O especial

Em maio de 1990, aproveitando o embalo da Copa do Mundo de futebol na Itália, a Chevrolet apresentava o Kadett Turim. Que juntava as rodas do SL/E com os bancos do GS, mais aerofólio e emblemas da série.

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O conversível

Uma ousadia ímpar na indústria nacional. A carroceria do GM tinha assinatura do estúdio Bertone e viajava até a Itália para ser finalizada. O acionamento manual da capota dos primeiros exemplares era fonte de reclamações; o isolamento térmico e vedação eram elogiados.

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Os Kadett que não tivemos

Boa parte das versões do Kadett passaram longe do Brasil. Além do modelo de 1930, não vieram ao país a primeira, segunda e quarta geração do carro.

Também não tivemos por aqui a carroceria hatch cinco portas (que pena) e a sedã (que bom). E nem o 2.0 16V de 156 do GSi europeu.

Marcos Camargo/UOL

Os sucessores

O Astra estreou por aqui em 1998 cristalizando como seriam aquelas características desejadas no Kadett traduzidas para uma nova era. Os concorrentes eram outros: VW Golf, Renault Mégane, Fiat Brava e, no ano seguinte, com o lançamento do Astra Sedan, Honda Civic e Toyota Corolla.

Uma reestilização em 2003 trouxe de carona a versão GSi, relembrando a cobiçada sigla dos tempos do Kadett. E se não houvera um Kadett ou um Astra hatch de cinco portas até então, a renovação daquele ano resolvia a queixa de alguns consumidores. Mudanças significativas que deram fôlego a um modelo com aposentadoria batendo à porta na Europa, mas que seguiu por aqui até 2008.

Quem assumiu a vaga de hatch médio a partir dali foi o Vectra GT, nada mais do que o Astra europeu (Opel) de terceira geração com outro nome. A versão GT-X tentava entregar a ideia de mais esportividade, mas todos sabiam que era apenas visual: o 2.0 8V flex, de 121/128 cv era comum a toda linha. A linha Vectra também era composta por um sedã, e ambos representaram como poucos a então defasada linha da GM no Brasil.

Até que em 2012 surgiu o Cruze como o novo hatch médio da marca. A "fonte" não era mais a europeia Opel e sim a Daewoo, marca coreana de propriedade da GM que tinha no Lacetti a resposta da empresa norte-americana para os consumidores da categoria. Na estreia, um LT hatch com câmbio manual partia de R$ 64.900. A topo de linha LTZ saía por R$ 79.400.

Em 2016, a GM apresentou a segunda geração Cruze, atualmente vendida no Brasil.

Os amantes do Kadett

Arquivo Pessoal

"Carro é ligação com meu pai"

Anderson Momna, 43, gerente de projetos: "Meu pai adquiriu essa Ipanema ano-modelo 1989/1990 em 6 de agosto de 1993. Foi o primeiro carro grande da família, e com ele fizemos muitas viagens. A última vez que meu pai dirigiu o carro foi em 2007. Depois ele ficou doente e o carro, parado.

Isso até 2010, quando resolvi resgata-lo e reforma-lo. Na primeira volta que fui dar com o carro depois de pronto, indo para a casa do meu pai, o encontrei andando na rua, meio cabisbaixo. Quando ele viu a Ipanema...Nunca mais vou esquecer a alegria em seus olhos e no seu sorriso. Quando cheguei em casa, prometi à minha esposa que aquele carro nunca sairia da nossa família.

Meu pai se foi dois anos depois. Mas a Ipanema, com tantas histórias, sempre me lembra de alguma a cada vez que saio com ela. É como se conversasse com a gente".

Arquivo Pessoal

"Transformei um GLS em GSi"

Ruy de Moraes,43, advogado: "Compramos, em dezembro de 1997, nosso Kadett GLS 2.0 na cor Verde West. O mesmo está até hoje com o registro de único dono. Mas, antes de adquirirmos o GLS queríamos um GSi, que infelizmente não era mais fabricado. Então tive a seguinte ideia: por que não transformar o GLS em GSi? E resolvi pôr em prática o projeto.

A lista de alterações incluiu instalação do teto solar, da antena de teto, da lanterna traseira de neblina e do painel, além da substituição da régua do porta malas pela do GSi (menor), das lanternas traseiras, dos para-choques e dos faróis de neblina, entre outras caracterizações. O mais trabalhoso foi trocar a folha do teto pela folha compatível com o teto solar. Ao todo, foram dois meses de trabalho".

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