Caçador de aventuras

Como Cacá Clauset correu o Dakar com equipe 100% brasileira e já foi de carro até o Alasca quase sem parar

Vitor Matsubara Do UOL, em São Paulo (SP) Divulgação

O gosto pela aventura já estava no sangue de Carlos Clauset. Mas não necessariamente por influência dos pais: filho de dois jornalistas, Cacá (como é conhecido pelos amigos) começou a disputar provas de bicicross nos anos 80, quando ainda era adolescente.

As vitórias vieram rapidamente e aos 12 anos já tinha até patrocinador. "Daí fui migrando para mobilete e depois moto, mas achava que correr de carro na terra devia ser a coisa mais legal do mundo. E de fato é", diz.

Foi com esse pensamento que o paulista entrou de cabeça no mundo dos ralis. Desde então, já foi bicampeão do Rally dos Sertões e participou do Rali Paris-Dacar (atual Dakar), considerado por especialistas como o mais perigoso do mundo.

Fora das trilhas ele também acumula muitas histórias para contar. Há quase 20 anos é o recordista de travessia das Américas de carro e recentemente foi de Santa Catarina até Nova York... de carro, é claro.

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Talento natural

Cacá tinha acabado de entrar na faculdade quando resolveu vender a moto que ganhara de presente para investir em um sonho. Convenceu seu primo a se desfazer de seu carro e juntos adquiriram um antigo Voyage, que havia pertencido à equipe oficial de rali da Volkswagen - numa época em que as montadoras investiam pesado no automobilismo nacional.

"A gente tinha visto uma reportagem falando sobre o Rali Transandino. Compramos o carro, conseguimos uns patrocinadores e ficamos em terceiro lugar em nossa categoria. Aí comecei a me interessar pelo rali. Meu primo fazia faculdade de medicina e era muito puxado para ele continuar correndo. Só que para mim, que fazia publicidade, era mais fácil conciliar as atividades".

Cacá foi bicampeão do Campeonato Brasileiro de Rali e ganhou a única edição do rali organizado na Subida do Rio do Rastro, uma das estradas mais desafiadoras e encantadoras do Brasil. Até que um convite mudou sua vida.

"Recebi um convite inusitado em 1996 para correr provas de velocidade com um carro 4x4. Até então, para mim, carro 4x4 era só jipe. Era uma prova nova para mim, um tal de Rally dos Sertões. Quem me chamou foi o Eduardo Souza Ramos (atual dono da HPE, representante oficial da Mitsubishi no Brasil), e ele me disse que eu correria com uma L200, que ainda nem era vendida aqui. E nós ganhamos o Sertões de 1996".

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Hoje não, hoje não?

A carreira de Cacá foi crescendo juntamente com o Rally dos Sertões, que logo se consolidou como a prova mais importante do calendário nacional. Ganhou em sua categoria novamente em 1999 e no ano seguinte teve um encontro que abriria uma nova (e importante) porta.

"Em 2000, o Mario Araripe (empresário e fundador da Troller) me disse que o carro dele ganharia do meu se o rali tivesse mais areia. Então eu virei para ele e falei: 'se o seu carro é tão bom assim por que você não faz o Paris Dakar? Lá areia é o que não falta'. E isso ficou na cabeça dele", lembra.

Tempos depois, Cacá (que também era jornalista) foi até o Ceará para visitar a fábrica da Troller e voltou de lá com um convite tentador: participar do rali Paris Dakar. "Nós tivemos cinco meses para montar a equipe e planejar tudo do zero", revela Cacá.

Foram montados quatro carros, mas a aventura quase não aconteceu.

"O Troller usava um motor Volkswagen AP 2.0 e ele não aguentava as mudanças feitas para o Dakar, já que cada veículo teria 400 litros de combustível mais as modificações feitas para a prova. Fechamos uma parceria com a Ford para fornecer motores V6 da Ranger, só que a Ford cancelou o acordo alguns dias antes do embarque sem dar explicações. Ou seja, em 20 dias do embarque a gente comprou quatro Ranger 0km, tiramos os motores delas e colocamos nos jipes antes de embarcá-los para o Cairo".

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Espírito do Dakar

A equipe brasileira desembarcou com quatro carros no Egito, mas um deles foi desclassificado porque o navegador se machucou em um acidente leve e não pode seguir na prova.

"O Mario (Araripe) conseguiu bons patrocínios e montamos uma equipe muito robusta. Fizemos história no Dakar por sermos a maior equipe privada do rali. Mas lidar com todo o estresse da prova mais toda a politicagem de um evento assim foi muito intenso para mim. Então na edição seguinte fechei com a Mitsubishi".

O problema é que a mudança trouxe dificuldades para Cacá. "O único apoio que tive foi um desconto na compra do carro e a inscrição que foi paga por um patrocinador. Então fiz o Dakar de 2000 com a maior equipe privada da história e em 2001 com a menor equipe privada da história (risos)".

O time era formado apenas por Cacá e seu navegador Jorge Nieckele. E para piorar a dupla ainda sofreu um acidente logo no primeiro dia de disputa, ainda na França.

"Continuamos com o carro danificado na prova e fomos completando dia após dia. Dos 63 carros que largaram a gente terminou em quinto na categoria. E ainda ganhamos o troféu 'Espírito do Dakar', que era dado para pilotos que conseguiram terminar a prova mesmo diante de muitas dificuldades. E o mais curioso é que o prêmio em dinheiro foi o mesmo dado ao vencedor geral do rali. Pena que não dava nem para pagar a passagem de avião", lembra, aos risos.

Israel Coifman/Volvo Israel Coifman/Volvo

Conquistador das Américas

Viajar é outra grande paixão de Cacá. Em 2001, ele e Marcelo Spina conquistaram o recorde de travessia mais rápida de carro pelas Américas.

Não foi nada fácil: a dupla se revezou ao volante de um Subaru Forester em turnos de quatro horas, e cada um aproveitava para descansar (dentro do próprio veículo) quando não estava dirigindo. Aproveitavam as paradas para abastecimento para usarem o banheiro e comprarem lanches em lojas de conveniência para se alimentarem. Foi nesse ritmo frenético que eles completaram os 23.500 quilômetros entre Prudhoe Bay, norte do Alasca, e Ushuaia, sul da Argentina, em apenas 18 dias, 1 hora e 11 minutos.

Quase duas décadas depois, Cacá voltou a cruzar as Américas. Desta vez, ele saiu de Itajaí (SC) e foi até Newport, em Nova York, nos Estados Unidos.

Juntamente com o jornalista Caio Salles e o fotógrafo Israel Coifman, eles passaram por 14 países para completar o trajeto de mais de 16 mil quilômetros em 20 dias. "Desta vez fui dirigindo 80% do tempo e, por conta disso, a gente teve um cronograma menos apertado por conta das paradas para descanso", lembra Cacá.

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Nova vida

Por muito tempo Cacá conciliou as aventuras em ralis com a vida de jornalista especializado em automóveis. Até o dia em que foi demitido da editora em que trabalhava. "Disseram que eu ficava mais tempo fora do que dentro da redação, mas eu sempre trazia boas matérias quando voltava", afirma.

Clauset decidiu, então, mudar de ares. Fundou a TSO Brasil, uma empresa que originalmente nasceu para realizar ralis. "A organização do Dakar já pensava em vir para a América do Sul (o rali aconteceu no continente entre 2009 e 2019) e eu queria ser o representante oficial deles por aqui, só que no meio dessa negociata meu parceiro deixou a empresa na França porque ela foi vendida".

Pouco tempo depois do revés, um grande amigo de Cacá perguntou se ele não conseguiria organizar um evento de lançamento de um carro. "Ele queria fazer um test-drive com foco no off-road e me perguntou se eu tinha experiência neste tipo de evento. E eu disse 'lógico que tenho!', mesmo sem nunca ter feito algo assim!".

A partir daí a TSO mudou seu foco para a realização de eventos automotivos. Apesar de seguir como principal ramo de atuação, a empresa também realiza administração de frotas, cursos de direção segura e treinamento de rede de concessionários. Até um complexo no interior de São Paulo com autódromo e pista off-road faz parte dos negócios. "Eu costumo dizer que, se tem carro no meio, pode ter a TSO".

Apesar de viver uma nova realidade como empresário, Cacá não esquece da antiga paixão e vez ou outra se dá ao direito de disputar um rali. É o que acontecerá neste ano, quando o paulista participará do Rally dos Sertões a bordo de um UTV - respeitando todos os protocolos de distanciamento social e higienização ao longo da prova.

"Ano passado fiz uma besteira e me dei de presente uma ida para o Sertões porque eu já estava meio parado, e foi muito legal. Então nesse ano me empolguei e vou de UTV. A organização fez um esquema interessante de medidas de proteção contra o Covid-19 e vou participar de uma categoria na qual você disputa os quatro primeiros dias do rali. Até porque depois preciso viajar a trabalho".

Pelo visto só o trabalho consegue deixar o rali para trás na vida de Cacá.

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