Design do futuro

Visual dos carros mudará nos próximos anos, mas maiores revoluções devem ocorrer do lado de dentro

Rafaela Borges Colaboração para o UOL

O carro do futuro será elétrico, autônomo, conectado e capaz de interagir com cidades inteligentes. Essa revolução na mobilidade vai gerar, inevitavelmente, alterações no design dos automóveis.

Conceitos futuristas já têm sido apresentados pelas montadoras, mas especialistas ainda olham com ressalvas sobre o que será colocado em prática.

Neste último capítulo da série 'Transporte do Futuro', mostramos o que esperar do visual dos veículos que você terá em breve na sua garagem.

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Cabine do futuro será revolução; exterior deve mudar pouco

Que o design dos carros mudará e acompanhará as inovações técnicas apresentadas nos últimos anos, não há dúvida. Especialistas do setor, porém, acreditam que as maiores mudanças deverão ser realizadas no interior.

"Os carros autônomos vão deixar as pessoas livres na cabine", diz o mentor de tecnologia e inovação em design da SAE Brasil, Ronaldo Lopes. "A parte interna vai deixar de ser um cockpit com cinco lugares na mesma posição."

De acordo com a Mercedes-Benz, ler as notícias, responder um e-mail, reuniões online, ou até mesmo relaxar ao som de sua música favorita serão atividades "normais" para os ocupantes de um veículo 100% autônomo. O interior dos automóveis se ajustará a essas novas atividades, oferecendo novas experiências.

As cabines deverão ficar mais flexíveis, transformando-se em salas de lazer ou estações de trabalho, com mais conforto para o usuário. Segundo o chefe de design global da BMW i, divisão de carros eletrificados da marca, Kai Langer, o carro autônomo permitirá às montadoras, na cabine do futuro, usar mais conceitos de arquitetura e de móveis residenciais.

"A importância dos materiais e cores aumentará, e a cabine terá de ser pensada da mesma forma que a casa de nossos clientes", aposta o executivo da BMW. "Os designers precisam se ater a essa nova dimensão, criando uma sensação de lounge no interior", diz o chefe global de design da Volkswagen, Marco Pavone.

Já há diversos protótipos que mostram como pode ser feito o aproveitamento espacial de um carro autônomo. Um deles é o Renault Symbioz, que esteve na última edição do Salão do Automóvel de São Paulo, em 2018.

Por meio de um botão, a cabine se transforma. O volante retrátil é guardado em um compartimento do painel e os bancos da frente se viram, para formar um espaço de convivência com os passageiros de trás.

Na CES 2020, em janeiro, em Las Vegas (EUA), a LG mostrou um protótipo cuja cabine foi transformada em uma sala de TV. Além de duas poltronas confortáveis, foi instalada uma tela no lugar do para-brisa. O ambiente traz ainda facilidades como armário retrátil para guardar paletós e uma pequena geladeira.

Chefe de um dos departamentos de design interior da Audi, Maurício Monteiro diz que os materiais são uma a maior revolução na cabine do futuro, tanto pela sustentabilidade quanto pela praticidade. Há diversos estudos sobre o tema na montadora.

"A madeira, por exemplo, é limitada do ponto de vista geométrico", diz. "Estamos estudando materiais que permitam novas formas, e que sejam capazes de reconhecer a mão das pessoas quando são tocados."

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O que mudará no exterior dos carros

Se a tecnologia autônoma vai revolucionar a cabine, a eletrificação será determinante para as mudanças no exterior. Porém, de acordo com Lopes, da SAE, elas não deverão ser tão drásticas quanto no interior dos veículos.

Há uma tendência de redução da grade frontal, que pode até deixar de existir. "As baterias (que geralmente ficam sob o assoalho) também precisam ser resfriadas, mas não serão mais necessárias entradas tão grandes quanto às dos carros a combustão".

De acordo com o especialista, como os motores deixam de ocupar um grande espaço no capô, esta área passará a ser utilizada para melhor aproveitamento da cabine. Isso pode proporcionar, inclusive, redução no tamanho dos carros, uma solução bem-vinda no contexto em que a população é cada vez mais urbanas. Até 2050, 70% da população deverá viver em cidades.

Pavone, da Volkswagen, explica que os modelos da plataforma MEB, exclusiva para modelos elétricos, já usa esse conceito de aproveitamento de espaço. A ausência do motor a combustão proporcionou ganho no entre-eixos e deslocamento da coluna A, com para-brisa e painel mais para a frente.

A Mercedes-Benz chama a atenção para a importância da aerodinâmica no carro do futuro. Esse parâmetro é extremamente importante para a eletrificação, pois interfere diretamente na capacidade das baterias.

Por isso, carros com mais soluções que privilegiem a aerodinâmica devem passar a ser mais vistos nas ruas em algumas décadas. Já há alguns exemplos dessa evolução. Os novos e-tron e e-tron Sportback, da Audi, trazem câmeras no lugar dos retrovisores externos.

Elas projetam imagens em telas na porta. Uma das principais funções dessa solução é melhorar a aerodinâmica dos SUVs, proporcionando maior autonomia para a bateria que alimenta o motor elétrico.

Ricardo Ribeiro/UOL

Utopia x realidade: conceitos têm design que fogem da realidade

Historicamente, salões automotivos têm sido palco de estreia de carros conceituais com design futurista. Poucos desses modelos, no entanto, têm condições de se tornar realidade. No máximo, alguns elementos usados nos protótipos mais ousados são aproveitados em automóveis produzidos em série.

De acordo com o mentor de design da SAE Brasil, Ronaldo Lopes, muitos carros conceituais são criados como exercício de estilo. Eles não levam em consideração aspectos como engenharia, produção, aerodinâmica e legislação.

Até por isso, para o especialista, o design externo deve mudar pouco. Há muitos parâmetros que devem ser atendidos. "Um carro de três rodas, por exemplo, tem pouca estabilidade, no geral" , explica.

"O carro continuará existindo, e deverá manter o conceito de quatro rodas", diz. O que pode mudar é a maneira como o usuário se relaciona com ele. Há uma aposta na indústria de que, no futuro, haverá cada vez menos automóveis privados. Eles passarão a ser compartilhados.

Murilo Góes/UOL

4 perguntas para Marco Pavone

Chefe global de design da Volkswagen fala sobre design dos carros do futuro

Os irmãos brasileiros Pavone são protagonistas na Volkswagen quando o assunto é design. Enquanto José Carlos lidera o departamento na América Latina, Marco é responsável pelo design global da empresa alemã.

Ele está à frente do desenvolvimento dos modelos da plataforma MEB, exclusiva para modelos 100% elétricos. Aqui, Marco responde com exclusividade ao UOL Carros quatro questões sobre o futuro do design dos carros.

1 - Com o carro elétrico, o que mudará no design dos automóveis?

Um ponto que muda no design com a eletrificação dos carros é a proporção geral, pois não há mais motor a combustão dianteiro, central ou traseiro definindo a silhueta do veículo.

No caso da Família ID da Volkswagen, por exemplo, a Plataforma MEB, desenvolvida exclusivamente para veículos 100% elétricos, permitiu uma nova definição de proporção, com uma distância entre os eixos maior, balanços dianteiro e traseiro mais compactos, e rodas maiores.

Com a ausência de um motor a combustão na dianteira, típico de um Volks, também conseguimos proporcionar ao motorista e aos passageiros muito mais espaço interno, especialmente para as pernas, movendo a coluna A, para-brisa e painel mais para a frente.

2 - Por causa da migração da população cada vez mais para as cidades, há tendência à redução do tamanho dos automóveis?

Existe é uma tendência em explorar da melhor maneira o 'foot print' do produto, ou seja, aliar o menor espaço externo com o maior espaço interno possível. É fundamental que Design e Engenharia sempre caminhem lado a lado e busquem otimizar os 'packages'.

O novo Volkswagen ID.3, por exemplo, tem dimensões externas equivalentes a um hatch médio, como o Golf, e um espaço interno semelhante a um sedã grande, como o Passat.

3 - Com a chegada da tecnologia autônoma, o que mudará na cabine dos veículos?

A pergunta sempre feita é a seguinte: "o que o motorista fará enquanto não estiver dirigindo?" Então os designers precisam se ater a essa nova questão, como explorar essa nova dimensão, seja com UX (User Experience), novos materiais, uma sensação maior de 'lounge' no interior, entre outros pontos.

4 - E quanto aos segmentos? Recentemente surgiram os "cupês de quatro portas" e os SUVs cupês. O que podemos esperar sobre os formatos de carrocerias nos próximos anos?

Na verdade, acredito que não há limite para a criatividade. O ponto é: até onde o consumidor consegue realmente identificar claramente todas as diferenças entre os segmentos? Se os veículos crossovers forem aceitos, com certeza as empresas continuarão desenvolvendo produtos nesses nichos.

Divulgação

Detox digital

A conectividade é um dos pontos cruciais do carro do futuro, mas a Audi quer oferecer aos clientes, em suas cabines, um detox digital. Parece contraditório? Chefe de um dos estúdios de design interior da marca, o brasileiro Maurício Monteiro conta que esse é um dos pilares para a cabine do futuro.

"Os carros da Audi terão toda a conectividade, mas também permitirão ao usuário, se ele quiser, se desconectar do mundo por alguns momentos", explica. Para isso, a marca está criando, em alguns protótipos mostrados recentemente, como o Aicon, cabines que são verdadeiros lounges.

O carro conceitual, que é autônomo, tem poltronas reclináveis. Atrás, em vez dos bancos convencionais, foi instalado um confortável sofá. Monteiro, no entanto, diz que para tudo isso se tornar realidade são necessárias mudanças na legislação. "Enquanto isso, estamos trabalhando em diversas ideias."

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