Carro elétrico à brasileira

Eles contam como é manter veículos verdes por conta, sem apoio oficial, no país

Eugênio Augusto Brito; Alessandro Reis Do UOL, em São Paulo (SP); Colaboração para o UOL Arquivo pessoal

Tudo começa no carregador

Quanto custa instalar em casa ou no trabalho?

Poucas pessoas apostam no uso de carros elétricos no Brasil -- dados oficiais da Fenabrave (associação de concessionários) apontam menos de 3 mil veículos desse tipo emplacados no Brasil. Mas esse número tende a ser reforçado, seja por unidades de híbridos plug-in (cujas baterias são reabastecidas na rede elétrica), seja por iniciativas que começam a surgir aqui e ali.

Conforme a discussão sobre carros e a infraestrutura eletrificada se ampliam, mais gente se interessa e mais dúvidas surgem. Este especial reúne série especial de reportagens respondendo a várias questões sobre carros elétricos num país ainda sem estímulo a eles, publicadas entre 4 e 25 de maio de 2018.

Duas dúvidas são muito pertinentes: como faço para carregar? Quanto custa ter um carregador de carro elétrico?

Tanto elétricos quanto híbridos plug-in costumam sair da loja com um carregador incluído. Modelos como o BMW i3, por exemplo, podem ser recarregados com esse cabo conectado em uma tomada de três pinos de diâmetro maior, daquelas usadas em ar-condicionado e máquinas de lavar.

Geralmente, não exigem qualquer adaptação na rede elétrica, fora uma eventual troca do disjuntor. Mas e se esse carregador não for o bastante para você? E se você quiser um segundo, para deixar no escritório ou na casa de veraneio, quanto vai custar?

O custo do carregador semirrápido

UOL Carros foi atrás dessa conta e descobriu que o cálculo já está sendo feito por diversas empresas do ramo automotivo, mas também por construtoras, além de concessionários do segmento de energia. Mas o resultado ainda é difícil, tanto que levamos três meses até ter uma resposta satisfatória.

Geralmente, o carregador de fábrica é do tipo "lento". Com ele, recargas completas levam de oito a dez horas, aproximadamente.

Considerando que baterias de elétricos já existentes têm autonomia média de 150 km (só modelos mais recentes estão prometendo passar da casa dos 350 km), uma noite de carga na garagem é suficiente para garantir energia no uso urbano cotidiano. Mas se o motorista precisar andar mais ou reduzir o tempo de recarga, terá de investir em solução melhor.

Carregadores semirrápidos para a garagem de casa ou do trabalho reduzem o tempo de carga para 1h30 e também funcionam na rede elétrica normal, mas geralmente com tensão de 220 V -- em cidades como São Paulo, por exemplo, o padrão é 110 V. Neste caso, é preciso gastar não apenas com o aparelho, mas também com a instalação.

UOL Carros constatou que o carregador semirrápido pode custar entre R$ 7 mil (valor cobrado pela chinesa BYD, incluindo os custos de instalação) e R$ 8 mil (modelo "i Wallbox Pro", fornecido pela BMW).

A Electric Mobility, empresa homologada pela Volvo para atender a clientes do XC90 Hybrid (e que também atende proprietários de elétricos e híbridos de outras marcas), tem carregadores com preços entre R$ 7,5 mil e R$ 8,5 mil.

Modelos mais caros são capazes não apenas de carregar a bateria, como também gerar relatórios da energia consumida.

Gastos para instalação variam caso a caso. No pior cenário, envolvem mudança da estrutura elétrica do imóvel e da caixa de energia. A Electric Mobility informa que cobra de R$ 800 a R$ 5,3 mil, aproximadamente, para instalar o ponto de recarga -- a empresa oferece vistoria e orçamento sem custos a clientes Volvo. Mas há relatos de instalação por apenas R$ 100 (saiba mais abaixo).

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Léo Burgos/Folhapress
Rogério Markiewicz/Hotel Mercure

Em casa, como faz?

O administrador de empresas Leonardo Celli Coelho decidiu se mudar da região de Osasco, na Grande São Paulo, para Jaguariúna, no interior do Estado, em busca de uma vida mais tranquila e "sustentável".

Ele e a mulher fizeram a mudança em 2016, quando compraram um BMW i3, e construíram uma casa equipada com o carregador semirrápido. Foram além: instalaram células fotovoltaicas no telhado para gerar energia ao imóvel durante o dia, utilizada, dentre outras coisas, para reabastecer as baterias do veículo.

"Investi cerca de R$ 25 mil com projeto, instalação e homologação pela distribuidora de energia elétrica local. Quanto ao carregador, a BMW me deu como bônus pelo fato de eu ter financiado o i3 em apenas dois anos. Chamei o eletricista que montou a rede elétrica da minha casa para instalar e esse serviço saiu por R$ 100", afirma o administrador.

Coelho diz que o sistema doméstico atende perfeitamente suas necessidades diárias. "O carro é utilizado principalmente pela minha mulher. Rodamos quase todo o tempo na cidade, cerca de 40 km por dia, enquanto o i3 tem autonomia de aproximadamente 150 km. Só preciso de carregadores públicos quando preciso pegar a estrada para ir para São Paulo, por exemplo, usando apenas o modo elétrico", conta.

O i3 usado por Coelho (versão REx) tem um pequeno motor de 620 cc, a gasolina, que funciona como um extensor de autonomia e garante cerca de 180 km extras.

Para rodar 120 km entre Jaguariúna e São Paulo e depois retornar, Coelho utiliza os carregadores rápidos disponíveis no trajeto -- um no km 56 da Rodovia dos Bandeirantes, sentido capital, e outro no km 67 da Rodovia Anhanguera, sentido interior. "Nesses carregadores, consigo em cerca de 30 minutos recarregar todas as baterias. Com uns 15 minutos por trecho, tenho carga para ir de Jaguariúna e voltar sem precisar reabastecer na capital", explica.

Esses carregadores rápidos, que são bem mais potentes e funcionam com corrente contínua (alta voltagem), custam entre R$ 110 mil e R$ 170 mil cada, sendo praticamente inviáveis para uso doméstico. Mas estão se multiplicando em projetos empresariais e nas chamadas eletrovias, que começam a "se acender" pelo país.

Torre eletrificada

Outra tendência é a de imóveis, seja apartamento ou sala residencial, cujos projetos já contemplam estrutura para recarga de elétricos. O condomínio misto Jardim das Perdizes, localizado no bairro da Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo, traz dois pontos compartilhados para recarga lenta em cada torre de apartamentos, além de outros seis pontos semirrápidos para as torres de escritórios.

Segundo a construtora Tecnisa, o custo informado dos equipamentos -- R$ 6 mil pelos primeiros, R$ 22 mil para os últimos -- acaba diluído no valor das unidades (as contas individuais de uso são controladas por crachá e a conta mensal acaba ficando, em média, na casa dos R$ 20, mas essa é outra história).

A construtura também disponibiliza assistência para instalação de ponto de recarga individual, se o cliente desejar. Condomínio com proposta semelhante está em construção em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. Outros já existem também em Brasília (DF).

Chevrolet Bolt é o melhor carro da GM

Andamos com a grande aposta da Chevrolet

Quando chega a conta de luz

Donos contam como é ter carro elétrico na prática

UOL Carros foi atrás de histórias de quem já usa carros elétricos num país que sequer tem lei de incentivo clara -- exceção à isenção do Imposto de Importação. Primeiro, falamos sobre o custo para instalar carregadores em imóveis, sejam residenciais ou comerciais, que são elevados. Agora, perguntamos quanto custa o uso real das raras unidades de carro elétrico que rodam por aqui.

Lembramos que são casos específicos e que servem apenas como exemplo. Não devem ser tomados como se fossem padrão, já que são exemplos caseiros em um país que carece de infraestrutura oficial para carros elétricos.

Sem postos de recarga públicos ou mesmo eletropostos que funcionem em regime comercial, o país só conta com iniciativas esparsas, que atendem poucos carros -- o país tem menos de 3 mil elétricos puros rodando -- e que ainda não cobram pela energia elétrica consumida, seja pela dificuldade em fazê-lo, seja porque afastaria esses poucos consumidores.

Atualmente, além de alguns pontos de recarga individuais espalhados em diferentes cidades, duas "eletrovias" (postos de carga de carros elétricos ao longo do trajeto de uma rodovia, permitindo uma viagem completa) estão em construção no país: uma entre Foz do Iguaçu e Paranaguá (PR), que tem só duas de oito estações em funcionamento; e outra entre Rio de Janeiro e São Paulo, que deveria ter seus seis pontos funcionando em março, mas que atrasou.

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Investimento alto

Dono de um BMW i3 e de um scooter elétrico, o administrador de empresas Leonardo Celli Coelho diz gastar apenas R$ 60 por mês com a conta de luz da sua casa, em Jaguariúna (SP), equipada com um carregador semirrápido "Wallbox Pro" na garagem.

Tem truque? Um dos primeiros entusiastas da tecnologia elétrica para automóveis no Brasil, Coelho instalou células fotovoltaicas no telhado do imóvel, que geram toda a energia de que necessita, e diz gastar R$ 0,10 por quilômetro rodado com o carro. Para isso, investiu cerca de R$ 25 mil nos equipamentos, mais o custo dos veículos em si -- só o i3 custava, enquanto era vendido no país, entre R$ 160 mil e R$ 250 mil.

"Os R$ 60 são referentes à tarifa básica obrigatória da concessionária [de energia elétrica]", afirma Coelho. O administrador explica que precisa pagar pela instalação diferenciada: as placas solares precisam passar por uma homologação da concessionária de energia; o medidor convencional é substituído por um de "duas vias", responsável por registrar tanto a eletricidade consumida pelo imóvel quanto a produzida pelas células; é preciso contratar 50 kWh obrigatórios da "taxa de disponibilidade" de energia. Daí o preço fixo mensal citado. 

Não fosse isso, diz poderia até estar recebendo dinheiro, em vez de pagar: "Na prática, as placas geram mais energia do que gasto, sou superavitário. Infelizmente, o modelo atual de distribuição não permite que eu venda a energia excedente". Essa energia extra acaba convertida em créditos pela distribuidora local (a CPFL, que atua no interior do Estado de São Paulo), como um banco de horas, que podem ser gastos em até cinco anos. Tudo vem informado na fatura mensal, inclusive os bônus. 

"Eu poderia instalar baterias para armazenar, mas o custo seria muito alto, em torno de R$ 100 mil", contabiliza o administrador.

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Como é a conta

Segundo Coelho, seu sistema caseiro produziu de março a abril mais de 1,9 mil kWh, contra um consumo de 1.789 kWh no mesmo período. No mês passado, o imóvel  gerou 427,6 kWh e consumiu 523 kWh, mas aí o administrador usou créditos obtidos com a produção excedente em meses anteriores e continuou pagando a tarifa mínima.

O administrador estima que o gasto com as placas solares seja compensado em cinco anos ou menos. A análise da fatura indica ainda que seu gasto com o carro elétrico em si é de R$ 12 a cada recarga completa para rodar pelo menos 110 km, chegando ao custo de R$ 0,11 por quilômetro. Vale destacar que Coelho roda cerca de 40 km por dia, a maior parte em percurso urbano, perfil de uso totalmente atendido por essa autonomia. 

Mas e na hora de viajar? Para rodar aproximadamente 250 km sem necessidade de parada, é preciso acrescentar à conta acima o valor referente aos nove litros de gasolina para abastecer o extensor de autonomia -- o i3 tem um gerador estacionário de 800 cc que recarrega as baterias caso elas se esgotem durante o trajeto. Portanto, 250 km com o i3 custa R$ 12 de eletricidade mais cerca de R$ 36 com gasolina (considerando o preço médio de R$ 4): R$ 48. Ou seja, o custo por km rodado com extensor sobe para R$ 0,19.

A título de comparação, um Volkswagen Up 1.0 aspirado tem média de consumo rodoviário de 15 km/l com gasolina (segundo o Inmetro). Assim, gastaria aproximadamente 16,6 litros para rodar os mesmos 250 km, por R$ 66,66 totais. O custo por quilômetro rodado seria de R$ 0,26. Mas você não precisa construir um posto de combustível no quintal, ao passo em que o carro do nosso exemplo parte de R$ 39 mil. 

"No meu i3, dos 49.229 km rodados, rodei apenas 6.933 usando o extensor. Ou seja, 42.296 km puramente elétricos", relata.

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2.500 km

Já o empresário Marcelo Dejon Souza tem um Chevrolet Bolt, modelo 100% elétrico da General Motors, que importou de forma independente, direto dos Estados Unidos. Não só: ele também é dono de um Mitsubishi Outlander  PHEV, SUV híbrido do tipo "plug-in" (cujas baterias podem ser recarregadas na tomada, como um 100% elétrico).

Morador de Petrópolis (RJ), ele também tem um carregador semirrápido na garagem e igualmente instalou as placas solares para abastecer a sua casa (ao custo de R$ 28 mil) para colocar os painéis solares na sua residência, os carros e até um segundo imóvel. Da mesma forma que Leonardo Coelho, Souza paga a tarifa básica de energia, mas é superavitário e recebe créditos pelo excedente -- no caso dele, a conta mensal é de aproximadamente R$ 70. Já a produção de eletricidade fica em torno de 500 kWh.

Para comprar o Bolt, que não é vendido, nem homologado oficialmente no Brasil, Souza gastou cerca de R$ 250 mil.

Somente com o Bolt, que tem baterias de 60 kWh e autonomia de até 380 km, Souza roda cerca de 2.000 km por mês, muitos dos quais circulando entre Petrópolis e Juiz de Fora (MG), onde tem um negócio.

Contando também o SUV híbrido, a "quilometragem elétrica" é de 2,5 mil km a cada 30 dias.

"Meu carregador semirrápido mede o consumo mensal com a recarga dos dois carros, que é de aproximadamente 300 kWh. Isso daria um gasto de cerca de R$ 270 por mês com a recarga dos dois veículos, caso não houvesse as células fotovoltaicas em casa", relata o empresário.

Com base nesse cálculo, Souza gastaria aproximadamente R$ 0,11 por km rodado -- base semelhante àquela calculada por Coelho.

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Carro elétrico recarrega como celular

Testamos o Nissan Leaf 1

Como vencer a burocracia

Ele trouxe elétrico Chevrolet Bolt por conta ao Brasil

Apesar da falta de incentivos, falta de estrutura, falta de interesse de fabricantes e preços elevados de carros e de acessórios minimamente acessíveis, já mostramos que há quem resolva colocar um modelo elétrico na garagem. Nos surpreendeu demais, porém, o caso do empresário Marcelo Dejon Souza, que roda com um Chevrolet Bolt.

Nosso espanto tem motivação: ele já tinha comprado um antes da própria General Motors do Brasil se interessar em testar um exemplar no país. Então, é hora de conhecer um pouco mais sobre esse entusiasta dos carros elétricos.

A espera foi um parto

Nove meses, sem qualquer mãozinha da GM local. Dejon Souza decidiu importar o carro de forma independente, sabendo que arcaria com custos altos do trâmite alfandegário, uma boa dose de burocracia e a convivência com infraestrutura inadequada tanto no uso diário (recarga), quanto no momento de algum reparo (não há cobertura de garantia da fabricante por aqui). Fora a General Motors, que nesse momento tem unidades de teste rodando, ele é único dono de Bolt no país disposto a falar sobre sua "saga".

Já falamos muito do Bolt por aqui: carro mais importante da marca Chevrolet no momento atual (globalmente falando), pode rodar cerca de 400 km com uma carga completa, bastante espaço interno, visual estiloso, equipamento de ponta e um futuro todo pela frente, mesmo na América do Sul e no Brasil -- a GM estuda produção local para breve, se houver vontade política.

Até que algo oficial se concretize, só é possível considerar um preço, o valor de venda nos EUA: de US$ 36 mil a US$ 42 mil (entre R$ 130 e R$ 170 mil na conversão direta), sem contar alguns incentivos ainda existentes em alguns estados daquele país.

Mas segundo o relato de Souza, a burcrocria pode fazer o modelo custar bem mais por aqui -- até R$ 250 mil por um Bolt Premier, incluindo aí o preço do carro propriamente dito, a contratação de uma importadora e o desembaraço aduaneiro. O carro foi entregue em novembro de 2017, após nove meses de negociação, praticamente uma gestação.

R$ 50 mil foram gastos com impostos e tributos de entrada e outros R$ 20 mil pelos serviços da importadora. Por ser elétrico, o carro veio com isenção dos 35% do Imposto de Importação, mas recolheu 25% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), taxa que no futuro pode cair para 7%, se o anúncio do "Rota 2030" for feito incluindo incentivos tão esperados para o nicho.

"Foi bem complicado. Um mês e meio após a encomenda, o Bolt já estava no Porto de Santos (SP). Todo o restante do tempo foi necessário para o processo de registro do carro no Brasil, especificamente no Denatran. O carro não era listado nem na tabela Fipe, até pensei que a GM já tinha registrado, mas não foi o caso", conta o empresário.

Sem saber que era impossível...

Foi exatamente o que você leu. Como se adiantou à própria GM, Souza teve de praticamente homologar o Bolt para rodar no país junto ao Departamento Nacional de Trânsito. Um dos principais entraves para o registro do Bolt foi o fato de ele não ter numeração do motor a combustão -- afinal, é um modelo totalmente elétrico. Essa é uma das barreiras da falta de regulamentação de elétricos pelos órgãos oficiais em nosso país.

"O órgão de trânsito alegava que não podia fazer o registro porque faltava o serial do motor", relata. "Tive de contratar advogado e abrir um procedimento para informar o número do chassi no campo da numeração do motor no documento do veículo. Agora, quem também quiser importar não vai ter de passar por tudo isso, pois o registro já está feito. Fui o primeiro", atesta Souza.

Não acabou aí: depois de feito o registro, o Bolt passou por vistoria no Detran-SP para ser emplacado na cidade de São Paulo, apesar de o empresário morar em Petrópolis (RJ), uma vez que o veículo desembarcou do exterior no estado paulista. Claro, isso significou nova despesa: "Se emplacasse no Rio, pagaria bem menos IPVA [no RJ, alíquota é de 0,5% do valor venal para elétricos, contra 3% em SP]", aponta Souza, que diz ter gasto aproximadamente R$ 7 mil com o imposto.

Souza poderia requisitar à Prefeitura de São Paulo, cidade de registro do emplacamento, reembolso de 40% do tributo, mas não teve direito ao benefício pelo fato do Bolt ter custado mais que o teto de R$ 150 mil do benefício. O Bolt acabou avaliado em R$ 180 mil pela seguradora Porto Seguro. "Foi a única [empresa] com a qual consegui aprovar a cobertura, já que fazem também para o BMW i3. Gastei aproximadamente R$ 5,8 mil com o seguro".

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Na prática

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E a manutenção?

Por não poder contar com garantia da Chevrolet no Brasil, Souza admite que terá problemas se o carro apresentar algum defeito grave, especialmente nas baterias, que têm cobertura de oito anos nos EUA: "Se der um problema importante, teria de mandar o carro de volta aos Estados Unidos. Já perdi uma atualização do software, que só pode ser feita lá fora, sei que assumi o risco".

Apesar do temor com eventuais panes, o empresário não se diz muito preocupado com a manutenção. "Consultei conhecidos que trabalham na GM e descobri que o Bolt compartilha vários componentes com outros modelos da Chevrolet. As pastilhas de freio, por exemplo, são do Tracker, peças como a bieleta, do Cruze. Os pneus são de medida normal 213/50, que posso comprar em qualquer lugar quando precisar. Além disso, por não ter motor a combustão, o plano de manutenção é muito mais simples e acessível. A primeira manutenção significativa é a troca do líquido de arrefecimento das baterias, um componente que custa cerca de US$ 20 e precisa ser trocado nas primeiras 100 mil milhas rodadas [cerca de 160 mil km rodados]", destaca.

Também há esperança de poder contar com estrutura da rede autorizada da GM, mesmo sem garantia.

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Cotidiano

O empresário roda com seu Bolt em viagens regulares entre Petrópolis e Juiz de Fora (MG) onde tem um negócio, circuito de cerca de 130 km, sem precisar parar para recarregar fora de casa. Na garagem, tem um carregador semirrápido instalado, além de estrutura de células fotovoltaicas para geração de energia elétrica a partir da luz do sol. Com essa estrutura, aponta o empresário, o tempo para recarga completa é de cerca de oito horas.

Quanto à performance, Souza considera estar mais do que satisfeito: "O Bolt acelera bem, tem performance nota mil, de carro esportivo. Além disso, tem a autonomia que eu preciso, sem emitir poluentes e com interior bem espaçoso, com assoalho plano e cheio de porta-trecos".

Ele destaca ainda a capacidade de dirigir apenas com um pedal ("não uso os freios porque o carro trava sozinho ao tirar o pé do acelerador, como parte do sistema de aproveitamento da energia para recarga das baterias", o efeito do "freio motor" por botão no volante e a tecnológica de conforto ("recarga de celular sem fio, câmera de ré integrada ao retrovisor e sistema de monitoramento multicâmera para manobras de estacionamento").

Sou bastante ligado na questão ambiental e na eficiência energética. Tinha um Ford Fusion Hybrid, mas queria poder rodar mais no modo totalmente elétrico. Em 2015, comprei um Mitsubishi Outlander PHEV com recarga na tomada e maior alcance. Daí o passo seguinte foi um carro totalmente elétrico e preferi o Bolt por conta da grande autonomia e do preço mais acessível na comparação com um Tesla

Marcelo Dejon Souza, empresário

De um lado a outro da cidade

Renault Zoe foi da Zona Leste à Oeste de São Paulo

Gênios ou malucos?

Eles transformaram Gol, Gurgel e Fusca em elétricos

Veículo elétrico é item ainda raro no Brasil, com poucos modelos à venda e preços elevados, muito por conta da alta carga tributária e da falta de política de incentivos fiscais para sua compra.

No Brasil, já existe um grupo de entusiastas que resolveram ter seu carro movido a baterias feito, literalmente, em casa, a partir da conversão de automóveis com motor a combustão.

"Criar" um elétrico por conta requer, além de conhecimento técnico, enfrentar muita burocracia e gastos para regularizar o veículo, alterando o documento junto ao órgão de trânsito, informando de que se trata de um carro movido a baterias.

Há pouco apoio à prática.

"Como Converter o seu Carro para Elétrico"

O militar e engenheiro de computação Elifas Gurgel começou a tomar interesse pelos carros elétricos há cerca de dez anos por conta da premissa da "emissão zero de poluentes". Começou a pesquisar o assunto na internet e decidiu montar seu próprio veículo movido a baterias, usando como base um Gol G4 2009 que comprou zero-quilômetro em Brasília (DF).

Mal sabia os desafios que teria. "Levei quatro meses para fazer a conversão em 2009 com peças importadas, como motor, controlador, carregador, bomba de vácuo para os freios e as baterias, que foram o mais caro. Gastei cerca de R$ 60 mil, mas minha intenção era usar o carro no dia a dia, regularizado, rodando em vias públicas", relata Gurgel.

O processo de homologação levou quase seis anos até a entrega do documento atualizado, em 2015. Na época, o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) já previa o registro de veículos elétricos no país, porém não havia regulamentação para a "transformação".

"Por minha iniciativa, o Denatran publicou a Portaria 279/10 em abril de 2010, a primeira a tratar sobre o tema, autorizando a homologação de automóveis, camionetas, caminhonetes e utilitários convertidos para tração elétrica", afirma Gurgel.

Para isso, foi preciso abrir processo administrativo na Câmara Temática de Assuntos Veiculares do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) que acabou provocando a publicação da portaria original, já atualizada por outras mais recentes. "Fiz uma apresentação, detalhando todos os componentes e desenhos técnicos que utilizei".

Foi aprovado um documento liberando a transformação, mas esta só pode ser feita por pessoa jurídica (empresa) homologada no Denatran e acreditada pelo Inmetro, com certificado de capacitação técnica concedido pelo órgão nacional de trânsito.

A abertura da empresa deu início à homologação de fato, apresentando o projeto detalhado da conversão, que acabou sendo aprovado após longa espera. Na época, o Denatran exigiu que a conversão incluísse instalação de airbags dianteiros e freios ABS, itens obrigatórios desde 2014. "Tive de comprar os componentes, fazer a instalação e contratar uma empresa terceirizada para fazer o teste de frenagem exigido. Além do gasto de R$ 60 mil da conversão, paguei R$ 5 mil no processo burocrático e R$ 3 mil com os itens de segurança, mesmo que a lei só obrigue a instalação em carros fabricados a partir de 2014", afirma.

O documento do carro de Gurgel atesta que se trata de um veículo elétrico transformado, vencendo todos esses percalços. Considerando todos os gastos, foram quase R$ 70 mil, quase três vezes o valor pago originalmente pelo Gol (cerca de R$ 25 mil) e mais de 40% do preço de um BMW i3 novo (que custava R$ 160 mil até meados do ano passado, quando saiu de linha).

Todo o trâmite enfrentado por Elifas Gurgel, porém, criou um caminho que o libera a converter não só esse Gol, mas quantos Gol elétricos ele quiser. Mas terá de iniciar novo processo de homologação, se quiser transformar outro modelo em carro elétrico.

Sua experiência rendeu até livro, chamado "Como Converter o seu Carro para Elétrico", produzido de forma independente e que tem toda a narrativa da saga, descrição de componentes e desenhos técnicos.

"Me considero um pioneiro. Esse conceito de dar nova vida a um veículo, especialmente os mais antigos, convertidos em carros com emissão zero, é empolgante. Mas hoje é financeiramente inviável em pequena escala, especialmente em relação às baterias de íons de lítio, que encomendei da China por US$ 200 cada célula, somando US$ 8.000 para os 40 módulos que instalei. Acabei pagando o dobro com todos os impostos de importação, que não tiveram nenhum abatimento, mais taxas aduaneiras", explica.

Vantagem? Segundo Gurgel, os valores seriam ainda maiores atualmente: "A mesma célula de bateria chega a custar US$ 230, está mais cara".

Gurgel usa o Gol no dia a dia, rodando exclusivamente em vias urbanas, geralmente em terceira marcha, suficiente para vencer subidas íngremes por conta do alto torque do motor elétrico DC -- o câmbio é original e ele só usa a quarta marcha em velocidades acima de 70 km/h. A recarga é feita em casa, em uma tomada comum de três pinos e 15 amperes, e a autonomia é de cerca de 150 km.

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Arquivo pessoal
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Tudo reciclado

Bateria de laptop + motor de empilhadeira + "lixo" = carro elétrico

"Não é preciso gastar tanto assim", afirma Alfredo Correia, funcionário público de Salvador (BA), que decidiu converter dois Gurgel Supermini -- um prata e um branco, ambos 1994. Para isso, utilizou baterias de laptop, motor de empilhadeira e outros componentes que seriam "descartados".

Correia dirige há um ano seu Gurgel com baterias e peças que iriam para o lixo. "A ideia das baterias de laptop surgiu de um vídeo que vi na internet de um norte-americano que as utilizou para aumentar a voltagem de um pacote de baterias que ele já dispunha. Consegui um fornecedor local que trabalha com reciclagem de materiais tecnológicos e também parceria com uma empresa que faz manutenção dos computadores, tudo de graça", revela.

Ele começou o projeto em 2007 e só terminou na virada de 2014 para 2015, equipando o primeiro com motor de esteira de ginástica -- o segundo traz motor de empilhadeira elétrica. A opção pelo Gurgel é por conta do baixo peso, em torno de 650 kg. Os motores também são fornecidos por ferros-velhos.

Correia diz que sempre se interessou por tecnologia e eletrônica, mas não tem formação técnica formal. O primeiro contato com o assunto foi na adolescência, quando trabalhou em uma empresa em equipamentos de som para trios elétricos. Depois, trabalhou com montagem de equipamentos de segurança, como interfones e portões automáticos. Mais tarde, instalou alarmes contra incêndio.

Na base da transformação, a retirada de motor, câmbio e de outros componentes para trocá-los pelo trem de força 100% elétrico. Correia diz ter gastado cerca de R$ 5 mil no motor, controlador e em outros componentes, mas afirma que as baterias custariam entre R$ 25 mil e R$ 30 mil se fossem trazidas de fora.

Com o uso do material reciclado, o gasto foi extremamente mais baixo -- parte das baterias é doada, parte comprada a quilo. "Preciso de cerca de 200 kg de baterias de lítio de notebooks para montar o carro, pagando de R$ 5 a R$ 20 por quilo", conta. Por cima, o gasto "bruto" é de R$ 9 mil.

Os componentes do motor combustão retirados do carro foram vendidos, reduzindo ainda mais os custos, mas ele teve de terceirizar alguns serviços e comprar ferramentas. Correia primeiramente desmonta as baterias e as testa para ver se ainda têm condições de serem utilizadas. Cada uma tem voltagem de 4,2 volts quando totalmente carregada.

Correia ainda usou baterias para aumentar a capacidade original de seu scooter elétrico, um Kasinski Prima Electra. Tentou com baterias de chumbo, mas elas são pesadas e retêm menos carga -- um pack de chumbo pesava 250 kg, contra 60 kg do mesmo pacote de baterias feito com tecnologia de íons de lítio.

No caso dos Gurgel Supermini, o carro adaptado utiliza cerca de 200 baterias divididas em seis células, com autonomia de até 100 km com uma carga completa -- ele recarrega na garagem de casa, em tomada. "Acredito que se Salvador não tivesse tantos morros e ladeiras, o alcance seria maior. Dirigir sem subir é impossível", conta.

Correia usa o carro apenas na cidade e "diariamente". Segundo ele, o Gurgel é equipado com câmbio de cinco marchas e tração traseira e pode atingir 90 km/h "embalado". Usa praticamente a quarta marcha. "Marchas mais altas exigem menos do motor e reduz o gasto de energia, ainda mais em uma cidade bem cheia de ladeiras".

Sua família também tem carro a combustão, um Renault Sandero, usado por sua esposa. "Uso o Sandero ocasionalmente, mas dá uma dor ao abastecer, com o preço que a gasolina está".

Tem até Fusca

Aline Gonçalves, engenheira eletricista e dona de uma empresa de painéis fotovoltaicos em Vila Velha (ES), está adaptando um Fusca 1972 para rodar apenas com baterias. "Percebi que há pouquíssima oferta ou quase inexistente no Brasil e os carros disponíveis possuem preços muito acima da realidade da da população", relata.

Para definir o modelo do carro, buscou exemplos no Brasil e no exterior de veículos transformados em elétricos -- o Fusca é um carro com baixo custo de investimento e mecânica fácil de mexer. Quem a ajudou no projeto foi justamente o baiano Alfredo Correia.

"O objetivo era manter o menor custo possível com a melhor performance em tecnologia de baterias para veículos elétricos. Todas os componentes elétricos são reutilizados, encontrados no Brasil, e somente as baterias foram importadas, com investimento de R$ 27 mil.

Segundo a engenheira, a transformação foi finalizada recentemente e os componentes do motor a combustão ainda estão na oficina. "O veículo vai iniciar os testes de rodagem agora e começar o processo de homologação, que terá custo adicional", relata. Ela estima autonomia de 50 km e velocidade máxima de 50 km/h. "O Fusca será utilizado em vias urbanas e para o dia a dia", avisa. É o bastante.

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Burocracia confirmada

  • De olho na lei

    Consultado pela reportagem, o Denatran informou que, segundo artigo 106 do CTB e artigo 3º da Resolução 292 do Contran, uma modificação nas características originais do veículo o proprietário precisa de autorização do Detran de onde o veículo foi emplacado. Apenas após a obtenção dessa autorização prévia o proprietário pode realizar a modificação, sendo necessária inspeção de segurança veicular a fim de comprovar a regularidade e segurança da nova configuração, por meio do CSV (Certificado de Segurança Veicular) expedido por ins tituição técnica licenciada e acreditada pelo Inmetro. Se o motorista for flagrado com documento irregular, está sujeito a retenção do veículo para regularização, mais multa de R$ 195,23 e cinco pontos na habilitação por infração grave.

    Imagem: Arquivo pessoal
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    A Abravei (Associação Brasileira dos Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores) tenta apresentar um projeto para normatizar a conversão, com certificação de órgãos de segurança e aval das montadoras, a ser apresentado ao Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e ao MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços). Mas isso ainda está em passo inicial. "O objetivo do projeto é homologar uma rede de oficinas certificadas, com linha de crédito para bancos estatais e privados financiarem a modificação, assim como o projeto de conversão a GNV",afirma Edgar Escobar, presidente da associação "Acredito que vamos apresentar a proposta em seis meses".

    Imagem: Murilo Góes/UOL
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