Gol: 40 anos do artilheiro

Maior sucesso da história da Volkswagen no Brasil, o goleador pode pendurar as chuteiras em breve

Vitor Matsubara Do UOL, em São Paulo (SP) Divulgação

Nasce um campeão

Tinha tudo para dar errado. Mas não deu: o tempo provaria que a Volkswagen marcou um gol de placa com aquele carro de linhas retas e perfil esportivo. O nome não poderia ser mais apropriado para nosso país: Gol.

O carro que foi campeão absoluto de vendas por 27 anos consecutivos perdeu a liderança em 2014 (foi um ano ruim para qualquer gol no Brasil...), mas diz o velho ditado que "quem é rei nunca perde a majestade". Quando estava em sua pior fase, o Gol deu a volta por cima e pode até não ter retomado o trono, mas ainda figura entre os carros mais vendidos do país.

Em seu 40º aniversário, UOL Carros relembra a trajetória de sucesso (e alguns fracassos) do Gol. E aproveita para projetar um futuro que ainda parece indefinido para o carro que já foi ídolo absoluto dos brasileiros.

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Como tudo começou?

O Fusca ainda fazia sucesso no Brasil quando a Volkswagen começou a pensar em um sucessor. Só que um dilema pairava na cabeça dos alemães: como substituir à altura um modelo que fez parte da vida de praticamente todos os brasileiros?

A resposta começava a ser dada em maio de 1976, quando Philipp Schmidt, então diretor de pesquisa e desenvolvimento da Volkswagen do Brasil, venceu a desconfiança alemã e recebeu sinal verde para fazer um veículo compacto desenvolvido no Brasil. Nascia ali o projeto BX.

O primeiro protótipo ficaria pronto em dezembro do ano seguinte. A receita do Passat seria replicada em um carro menor: linhas angulosas, para-brisa inclinado e motor e tração dianteiros. Da Alemanha veio a inspiração para os designers: era o Scirocco, um esportivo de linhas esportivas feito pela Karmann-Ghia sobre a plataforma do Golf.

Faltava apenas escolher o nome. Entre as propostas estava "Angra", nome descartado por medo de associação às usinas nucleares ou com algo que pudesse explodir. Então veio a sugestão do jornalista Nehemias Vassão: Gol.

O nome agradou a direção da Volkswagen, já que, além de fazer um tributo ao momento máximo do futebol, ainda seguia a tradição da empresa de batizar seus carros com nomes alusivos a esportes, como Polo e Golf.

História do Gol em comerciais

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1ª geração: vacilo e redenção

Assim como um atleta no começo da partida, o Gol demorou um pouco para entrar no jogo. Tudo porque a Volkswagen decidiu equipar o então moderno projeto com o veterano motor 1.3 refrigerado a ar do Fusca. A justificativa era que um novo produto só seria bem aceito em todo o país se trouxesse a robustez e confiabilidade atribuídas ao conjunto do "besouro".

Foi uma das maiores bolas foras da história da VW. Apesar da notável confiabilidade, o motor era barulhento demais e não conseguia dar agilidade ao Gol. O vacilo foi parcialmente corrigido com a troca pelo 1.600, mas só seria efetivamente sanado com a chegada do motor 1.6 refrigerado a água, apenas em 1985.

Aos poucos a empresa se recuperou do erro, e o Gol teve um papel decisivo na vitória. Ou melhor, nas vendas da Volkswagen: o carro se tornou o modelo mais vendido do Brasil em 1987, posto de onde sairia apenas em 2014, após 27 anos consecutivos na frente. Nunca houve uma supremacia tão grande na indústria nacional.

Antes disso, o Gol ganhou a versão esportiva GT, que deu início a uma dinastia de sucesso nos anos 90. Entre os esportivos nacionais está o Gol GTi, o primeiro carro produzido em série equipado com injeção eletrônica de fábrica.

No segmento de populares, a marca lançou o preguiçoso Gol 1000 em 1992, equipado com um motor 1.0 de origem Ford. Pelo menos ele já trazia o visual lançado um ano antes, que ficou conhecido pelo apelido de "chinesinho".

O Gol não sofreria mudanças significativas até 1994, quando seria totalmente reformulado.

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2ª geração: o clube do "bolinha"

O Gol já dava sinais de cansaço quando a Volkswagen resolveu agir. A segunda geração do Gol estreava, enfim, em 1994. Apelidado de "Bolinha" por conta da carroceria de linhas mais arredondadas, o compacto enfrentou a dura concorrência do Chevrolet Corsa, um projeto mais moderno e que tinha até a versão esportiva GSi, equipada com um motor 1.6 16V importado da Europa.

A resposta da VW veio em 1996 com a estreia do Gol GTI 16V. Recheado de novidades como o motor europeu, o carro chegava à velocidade máxima de 206 km/h, sendo o veículo nacional mais rápido da época.

Esta geração teria vida longa no mercado nacional, permanecendo em linha até 2012. Começava aí também uma controversa estratégia de marketing que vamos explicar logo adiante.

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"Geração III": o melhor da história?

A primeira reestilização feita no Gol "Bolinha" surgiu em 1999 e causou ótima impressão. As linhas modernas do "Geração III" estavam em sintonia com os modelos europeus da Volkswagen. Sabe quando dizem que um jogador "desfila elegância" em campo? Pois esse era o Gol.

O interior também seguia o padrão de Golf e companhia. A iluminação azulada do painel de instrumentos foi prontamente replicada em vários modelos da época. As versões mais completas podiam vir até com airbag duplo frontal.

O visual do compacto seria atualizado apenas em 2005, quando a VW trouxe a controversa "Geração 4", batizada assim pelo departamento de marketing da empresa. Entretanto, não passava de um facelift considerado por muitos entusiastas da marca como um retrocesso.

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Gol "Geração 4": involução

O artilheiro sabia que precisava correr atrás para recuperar a melhor forma. Foi por isso que a VW revelou o Gol "Geração 4" em 2005. Só que nem todos aprovaram a mudança.

O design até era bem resolvido. Seguia todos os elementos da identidade visual vigente nos carros da marca na época: grade frontal em forma de "V" e refletores circulares nas lanternas.

O problema estava do lado de dentro. A cabine tinha um aspecto pobre diante de seu antecessor e o excesso de plástico de qualidade duvidosa apenas pesava contra um modelo que nunca teve reputação de bom acabamento.

Curiosamente, existia uma solução para quem não curtia o novo interior. Quem encomendasse um Gol com airbag duplo frontal ia para casa com um painel do Geração III. Assim ficava bem melhor.

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Gol "Geração 5": novo de verdade

A liderança ainda estava nas mãos da Volkswagen, mas até os alemães sabiam que o Gol não teria chances de sustentá-la por muito tempo sem mudanças radicais.

Assim nasceu o Gol "Geração 5" em 2008. Era um carro realmente novo de ponta a ponta: a plataforma agora era a PQ-24 que já servia a Fox e Polo há alguns anos. Outra mudança radical foi a mudança (tardia) da posição do motor, que enfim passava de longitudinal para transversal.

Coube ao compacto a honra de estrear uma nova identidade visual no mercado brasileiro, trazendo faróis mais afilados e uma grade frontal com estilo mais minimalista. Atrás, a inspiração foi a primeira geração do Gol com suas lanternas horizontais.

Debaixo do capô, a grande novidade foi a adoção da família de motores EA-111, com destaque para o 1.6 de até 104 cv presente em Polo e Fox. Já o câmbio manual de cinco marchas chamava atenção pelos engates suaves e precisos.

Murilo Góes/UOL Murilo Góes/UOL

As três reestilizações

Desde 2008 o Gol não tem uma nova geração. De lá para cá foram três reestilizações, lançadas em 2012, 2016 e 2018.

O primeiro facelift foi o mais profundo de todos e deixou o compacto com um ar mais moderno, novamente utilizando os modelos europeus como referência.

Quatro anos depois veio uma nova mudança, apenas nos para-choques e nas lentes das lanternas. Só aí o interior foi repaginado com linhas horizontalizadas (e elegante) no lugar do antigo visual. Apesar disso, os painéis das portas permaneceram os mesmos de 2008, destoando do resto do conjunto.

A última mudança surgiu em 2018 e trouxe o estilo aplicado na picape Saveiro e no Gol Track, com faróis e grade frontal maiores. E não houve alterações significativas desde então.

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Os números do Gol

  • Gerações e reestilizações

    A VW gosta de dizer que o Gol teve oito gerações, mas na realidade foram apenas três. A primeira durou de 1980 a 1994, a segunda foi lançada em 1994 e permaneceu em linha até 2012 e a terceira (e atual) existe desde 2008. Em 40 anos, a marca fez sete reestilizações: duas na primeira geração, duas na segunda e três na terceira.

  • O mais produzido e vendido

    Desde sua estreia até abril de 2020, o Gol totaliza mais de 8,5 milhões de unidades produzidas. Para ser mais exato foram 8.532.771, sendo 8.342.460 veículos no Brasil e 190.511 carros feitos na Argentina. Deste volume, 6.952.153 veículos foram vendidos no Brasil.

  • Liderança recorde

    O Gol assumiu a liderança de vendas em 1987 e lá permaneceu por 27 anos consecutivos. Apenas em 2014 é que o hatch entregou o primeiro lugar para o Fiat Palio por uma diferença de meras 381 unidades.

  • Campeão de exportações

    Mesmo não sendo mais o líder de vendas no Brasil, o Gol ainda é o modelo mais exportado do Brasil. Segundo a Volkswagen, foram 1.515.305 veículos vendidos para 69 países de maio de 1980 até abril de 2020.

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GT, GTS e GTi: o poder das siglas

Quem viveu nos anos 80 conhece o poder das siglas GT, GTS e GTi. Tudo começou com o Gol GT, lançado em março de 1984. O carro trazia o motor 1.8 AP que estaria no Santana no mês seguinte, mas com comando de válvulas do Golf GTi europeu. Eram 99 cv e 14,9 kgfm, suficientes para fazê-lo acelerar de 0 a 100 km/h em 9,7 segundos e atingir a velocidade máxima de 180 km/h.

A reestilização de 1987 veio acompanhada de um novo esportivo. O Gol GTS tinha faróis de neblina integrados ao para-choque, faróis maiores (iguais aos do Voyage) e aerofólio traseiro. O pacote combinava bem com as molduras na parte inferior das laterais e as rodas de liga leve. O "coração", porém, era o mesmo do GT.

A grande novidade surgiria no Salão do Automóvel de 1988. O Gol GTi rapidamente virou a estrela da feira com a bela combinação de pintura em Azul Mônaco na parte superior e cinza na inferior. Além do visual invocado, o motor 2.0 entregava 120 cv e 18,3 kgfm, sendo capaz de ir de 0 a 100 km/h em 8,8 segundos e chegar aos 185 km/h. E ainda por cima era o primeiro carro nacional com injeção eletrônica.

O esportivo passaria à geração seguinte com uma importante novidade. O Gol GTI 16V tinha até motor alemão, um 2.0 com 145 cv e 18,4 kgfm. Para abrigá-lo debaixo do capô, a VW adotou uma solução controversa: uma bolha, que mais tarde se tornaria um charme daquela geração.

O GTI sairia de linha em 2000, já na "Geração III", para nunca mais voltar. Um fim melancólico para um carro que fez história.

A família

  • Voyage

    O sedã surgiu em maio de 1981 com estilo moderno e motor 1.5 a água. "Pulou" direto para a segunda geração, que surgiu apenas em 2008, já que a geração "Bolinha" nunca teve seu sedã.

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  • Parati

    Lançada em junho de 1982, a perua sempre foi adorada por famílias e jovens. A Parati acompanhou o auge e o declínio das peruas, ofuscadas pelas minivans e depois SUVs. Saiu de linha em 2012.

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  • Saveiro

    A picape estreou no fim de 1982 e foi líder do segmento por muitos anos. Assim como a Parati, também caiu no gosto dos jovens. Hoje, porém, o modelo ocupa o segundo lugar, atrás da Fiat Strada.

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"Minha vida está intimamente ligada ao Gol"

Luiz Alberto Veiga é um dos nomes mais conhecidos do design automotivo no Brasil. Durante os quase 40 anos em que esteve na Volkswagen, Veiga participou e liderou vários projetos importantes, como o Fox (um de seus maiores orgulhos) e o Polo Sedan. No entanto, o Gol possui um lugar mais do que especial em seu coração.

"Eu trabalhei 41 anos, dentre os quais 35 anos foram na VW. Cheguei lá em meados dos anos 80 e o Gol já existia. Participei de todos os projetos desde então, da segunda geração até a sexta", afirma.

Ele relembra um episódio curioso nos tempos da Autolatina, a mal-sucedida fusão entre Volkswagen e Ford que durou de 1987 a 1996. Os designers da marca alemã já estavam trabalhando no projeto do sucessor do Gol quando houve um atrito com a Ford.

"A Ford disse que também queria um carro para competir nessa categoria. E é claro que a Alemanha não aceitou, então começamos a desenvolver o Gol para nós".

Veiga diz ter um carinho especial pelo projeto que mais tarde seria apelidado de "Bolinha". "Foi muito importante para mim porque foi por causa dele que fui para a Alemanha trabalhar no desenvolvimento de toda a família Gol".

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O Gol 'Bolinha' foi uma grande evolução em termos de tecnologia e responsável por iniciar a era digital na Volkswagen, já que não tínhamos softwares de ponta para desenvolver carros. Antes dele era tudo feito na raça

Luiz Alberto Veiga, ex-chefe de design da Volkswagen do Brasil

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Os outros "filhos"

O elogiado "Geração III" também é lembrado com carinho por Veiga. "Ele era muito mais sofisticado e tinha cara de Passat, sem contar que o painel de instrumentos foi o melhor de todos os tempos", afirma.

Alguns anos depois, o designer precisou enfrentar um grande desafio no desenvolvimento da "Geração 4". "O Fox havia sido lançado há pouco tempo e o Gol foi 'reposicionado' na linha. Então houve uma redução de custos violenta no projeto", revela Veiga.

O projeto atual, conhecido como "Geração 5", partiu praticamente do zero, e isso deu bastante liberdade ao time de design.

"A arquitetura eletrônica do carro mudou completamente e isso nos permitiu refazer todo o design do Gol", afirma Veiga, que recorda de uma história tensa vivida diante do conselho mundial da Volkswagen, na Alemanha.

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Fizemos o Gol e estávamos até com um protótipo funcional do Voyage. Era um carro com uma traseira menor, ao estilo do antigo Ford Escort. Só que o (Ferdinand) Piëch (chairman do Grupo VW) não gostou e aí tivemos que fazer um projeto mais convencional para o Voyage e mudar a frente do Gol

Luiz Alberto Veiga, ex-chefe de design da Volkswagen do Brasil

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E o futuro?

Todo artilheiro precisa saber a hora de parar. Ou de pelo menos se reinventar. Talvez seja o dilema enfrentado pelo Gol atualmente.

Diante de rivais mais modernos e bem equipados, o veterano hatch ainda sabe se posicionar na grande área e de vez em quando marca seus gols. Mas o fôlego é diferente: o câmbio automático foi uma injeção de ânimo no pior momento de sua carreira, só que as pernas já não respondem como antes.

Chegou, então, a hora da aposentadoria? Difícil saber. Há quem diga que o artilheiro será substituído por uma jovem promessa que prefere ser chamado apenas de SUV. A contratação ainda não foi confirmada, mas há quem diga que ele vai realizar sua pré-temporada na Índia antes de se juntar ao elenco principal dentro de alguns anos.

Enquanto isso não acontece, o Gol continua ali, da mesma forma que os grandes artilheiros depois do auge. Ele pode até se fingir de morto. Mas sabe a hora certa de meter a bola para dentro.

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