Por que carros não ficam mais baratos quando são fabricados no Brasil

Diversas marcas estão invadindo o mercado brasileiro de veículos nos últimos dois anos, em especial empresas chinesas que apresentam bons produtos e preços competitivos mesmo chegando com modelos importados. Algumas delas, como BYD e GWM, já iniciaram a produção nacional, enquanto outras prometem ter fábricas no Brasil - o que levanta a questão: ficará ainda mais barato comprar esses carros feitos por aqui?

A pergunta pode parecer simples, mas a resposta é bastante complicada. A precificação de um veículo produzido no Brasil passa por diversos fatores que vão desde a carga tributária, logística, burocracias, juros, variação cambial e cenário político-econômico até chegar, claro, na margem das fabricantes.

De acordo com levantamento anual da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), a participação dos impostos (IPI, PIS/Cofins e ICMS) no preço final de um veículo pode variar de 24,3% até 32,3% dependendo do tipo de motorização e tecnologia usada.

Ainda segundo a associação, o IPI básico para carros 1.0 a 2.0 a gasolina no Brasil tem alíquota de 27,3%, enquanto na Itália (18%), Reino Unido (16,7%), Alemanha (16%), Japão (9,1%) e Estados Unidos (6,8%) os números são bem menores.

O consultor automotivo Ricardo Bacellar chama atenção para mais oneração. "Não tem só o imposto na compra do produto propriamente dito, mas você tem outros nas transações no meio da cadeia e uma camada de impostos também muito alta no departamento de Recursos Humanos. O custo tributário de folha salarial gira em torno de 80%, o que é extremamente alto", aponta.

"A indústria [automobilística] é altamente empregadora, com mais de um milhão de pessoas, e isso se reflete em números finais muito grandes que ficam acentuados com o tamanho dessa carga [tributária]", completa.

O famoso custo-Brasil ainda traz mais vertentes. Uma delas é a logística, por ser um país com dimensões continentais e se movimentar principalmente por transporte rodoviário.

"Estima-se que 60% de nossa economia flua por estradas, encarecendo a logística. Adicione aí combustíveis caros e o diesel subsidiado", diz Milad Kalume Neto, consultor e diretor-executivo da K.LUME Consultoria Automobilística.

Kalume também destaca que mesmo os carros fabricados nacionalmente têm "alta incidência de conteúdo importado, além de utilizarem de commodities normalmente indexadas ao dólar como os minérios, as borrachas, etc..."

Continua após a publicidade

Por outro lado, precisam ficar cada vez mais seguros e tecnológicos para atender legislações vigentes. "O desenvolvimento dos veículos exige investimento e não existe filantropia neste mercado. Alguém paga a conta e neste caso é o consumidor. Em 2017 o tíquete médio do carro de passeio era aproximadamente R$ 72 mil. Hoje, acima dos R$ 152 mil com a inflação acumulada no período próxima aos 60%", argumenta o especialista.

Montar ou produzir

Recentemente há um movimento (ou uma briga) entre as fabricantes tradicionais e as novatas que coloca a produção contra a montagem. Produzir no país é para baixar o preço do carro ou aumentar a margem da fabricante?

"Produzindo, o foco número um é recuperar a margem de lucro para a montadora. Otimiza processos e fluxos financeiros para recuperar todo o investimento", explica Kalume.

Para Ricardo Bacellar, "as montadoras fazem conta e veem que é muito mais barato trazer os módulos e montar o carro aqui do que produzir inteiramente no país, justamente por causa da carga tributária explosiva".

Hoje pode ser benéfico e semana que vem não mais. Todas as fabricantes instaladas já produziram assim em maior ou menor escala. É um processo. Começa importando para sentir o mercado, passa a fase seguinte do CKD (completamente desmontados) ou SKD (com componentes previamente montados) para daí começar a montar os veículos localmente.

Continua após a publicidade

Em meados deste ano, o Governo Federal antecipou, para janeiro de 2027 (e não mais para julho de 2028), o início da cobrança integral de 35% de imposto de importação para veículos elétricos ou híbridos montados no Brasil com 100% de peças importadas nos regimes SKD ou CKD, mas criou uma cota alíquota zero para kits desmontados no valor total de US$ 463 milhões e válida por seis meses.

"Trabalhar com kits te propicia flexibilidade e adaptabilidade ao mercado, bem como um menor investimento inicial e a salvaguarda de certos benefícios fiscais que já foram melhores", aponta Kalume. "A partir do momento que você importa, está sujeito a todas as variáveis como dólar e oscilação de mercado", complementa.

Um pequeno movimento e seus reflexos foram vistos recentemente com o programa Carro Sustentável, que zerou o (IPI) para veículos mais acessíveis e com menor impacto ambiental, e, consequentemente, os preços caíram. Segundo dados da Anfavea, houve um incremento médio de 24% nas vendas dos veículos que atenderam o escopo do programa.

"O Brasil precisa produzir por volta de 3,5 milhões de veículos para dar sustento a nossa indústria. E para isso precisa trabalhar elementos econômicos que estão sendo trabalhados, mas melhorados de forma muito lenta", finaliza Kalume.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.