CNH sem autoescola ameaça 300 mil empregos, diz federação; saiba como fica
Paula Gama e Raphael Panaro
Colaboração para o UOL
02/10/2025 12h27
O fim da obrigatoriedade de autoescola para tirar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) já recebeu o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e será implementada via resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) após a realização de consulta pública pelo Ministério dos Transportes, que começa hoje e vai durar 30 dias.
A medida, segundo Renan Filho, titular da pasta dos Transportes, tem como objetivo baratear o custo do documento - projeção aponta barateamento em até 80% da primeira habilitação. Atualmente, tirar a CNH de carro e moto custa, segundo o governo federal, de R$ 3.000 a R$ 4.000, em média. Com a proposta, o valor poderia cair para algo entre R$ 750 e R$ 1.000.
Conforme Renan, ao tornar a habilitação mais acessível, haverá redução no número de condutores não habilitados em circulação, que hoje chegaria a cerca de 20 milhões no Brasil de acordo com a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito).
Ao mesmo tempo, representantes do setor alertam para a possibilidade de fechamento de mais de 15 mil autoescolas e o fim de 300 mil postos de trabalho.
É o que alerta documento da Feneauto (Federação Nacional das Autoescolas), que tem o fim do setor com a decisão do governo federal. A entidade também contesta o custo com aulas estimado pelo governo.
"Estudo técnico promovido pela própria Senatran aponta para a média de R$ 1.350 a formação teórica e de prática veicular nos estados", diz a federação.
Em entrevista concedida no dia 29 de julho ao UOL News, Renan Filho negou que a categoria das autoescolas irá acabar no país.
Segundo o ministro, os estabelecimentos que prestarem um serviço de qualidade ainda terão seu espaço, mesmo sem a obrigatoriedade das aulas.
"Que haverá reclamação das autoescolas, tudo bem. Não estamos acabando com a autoescola; estamos transformando em facultativa. A autoescola que for boa e que prestar um curso de qualidade vai permanecer. Vai continuar tendo demanda pela instrução em vários níveis", disse.
Ele também apresentou justificativas para a implementação das aulas facultativas:
"Eu temo pelo jovem que aos 18 anos é obrigado a dirigir uma moto sem CNH porque ele não tem o dinheiro. Esse jovem é muito mais sujeito ao tráfico de drogas, de entregar drogas, do que aquele que está habilitado. Este jovem vai ter um projeto de vida ao ser incluído na formalização da sociedade. Vai poder trabalhar com entregador ou vai poder começar dirigindo um carro e depois ser motorista de ônibus, caminhão, que são categorias que pagam acima da média salarial do Brasil".
Como será a CNH sem autoescola
A resolução do Contran a ser publicada prevê a eliminação da necessidade de 45 aulas teóricas e de 20 aulas práticas para tirar a CNH nas categorias A (para conduzir motocicletas, motonetas, ciclomotores e triciclos) e B (carros de passeio e utilitários leves).
Contudo, ainda haverá a exigência das provas teórica e prática para a obtenção do direito de dirigir.
O detalhamento das novas regras e a forma como serão implementadas ainda serão definidos por meio de resolução, mas alguns detalhes já são conhecidos.
Dentre eles, está o surgimento de uma nova profissão: a do "personal instrutor" de trânsito. Assim como acontece com um personal trainer na academia, esse profissional poderá dar aulas práticas de direção de forma autônoma, sem precisar estar vinculado a uma autoescola.
Segundo o secretário nacional de trânsito, Adrualdo Catão, em entrevista exclusiva ao UOL Carros, a ideia é dar ao cidadão liberdade para escolher quantas aulas contratar e com quem, reduzindo custos e quebrando a lógica de reserva de mercado.
"Hoje o instrutor precisa obrigatoriamente estar vinculado a uma autoescola. Isso cria reserva de mercado. Vamos liberar para que ele atue de forma independente. O cidadão vai escolher: se quer aprender numa autoescola ou com um instrutor autônomo", afirma Catão.
Prova passará a ser um filtro
A base da proposta está em transferir a responsabilidade pela formação do condutor para o próprio candidato, colocando no exame prático o papel central da avaliação. O aluno poderá fazer quantas aulas quiser, inclusive nenhuma, antes de se submeter à prova.
"O cidadão é quem decide. E a prova será mais exigente. Não é para ser difícil por ser difícil, mas para avaliar domínio do veículo e noção de segurança. Hoje, muitos passam só com o controle básico do carro ou da moto", afirma o secretário nacional de trânsito.
A ideia é que a prova aconteça em vias públicas, como já prevê a legislação (mas que na prática ainda é feita em circuitos fechados em muitos estados), e que o modelo atual de "faltas eliminatórias" seja substituído por um sistema de pontuação gradual, que reduza o nervosismo do candidato e privilegie o desempenho técnico.
Outro detalhe importante: na proposta que será colocada em consulta pública, o candidato poderá escolher entre fazer a prova em um carro manual ou automático. Além disso, se contratar aulas, o tipo de transmissão do carro de treino também ficará à sua escolha.
Para o secretário de trânsito, na prática, quem não sabe dirigir continuará tomando aulas, enquanto os condutores que já circulam sem CNH - portanto, dominam a técnica - terão acesso simplificado ao documento.
Curso teórico gratuito
O curso teórico continuará obrigatório, mas com alternativas mais acessíveis. A principal delas será uma plataforma online gratuita do governo, oferecida no site da Senatran, no modelo EAD tradicional, sem aulas ao vivo ou custos para o cidadão.
"Vamos oferecer uma plataforma gratuita para o curso teórico. Não precisa ser síncrono, como as autoescolas sugerem, para não gerar mais custo. O cidadão vai estudar no seu tempo e fazer exercícios, e o sistema consegue controlar a presença. Isso já é usado em universidades, por que não no trânsito?"
Além disso, quem cursou escolas que já oferecem educação para o trânsito poderá ser dispensado da etapa teórica. E, para quem ainda preferir, será possível fazer as aulas em autoescolas ou em escolas públicas dos Detrans (departamentos estaduais de trânsito).
Outra mudança relevante: o exame médico pode deixar de ser exclusivo das clínicas credenciadas aos Detrans, como ocorre hoje. O objetivo é reduzir custos e a reserva de mercado desses estabelecimentos.