Brasileiros disputam final mundial de Gran Turismo: 'não é brincadeira'
Amsterdã, conhecida por ruas repletas de bicicletas, recebeu no último fim de semana 52 pilotos de carros de alta velocidade. A capital holandesa foi sede do Gran Turismo World Series 2024, as finais mundiais da competição de automobilismo virtual.
Os quatro brasileiros selecionados para as finais não conseguiram o pódio, mas fortaleceram os seus nomes entre os melhores pilotos do mundo. Durante dois dias eles participaram de três finais de corridas: duas individuais e uma por equipe.
"Não estou aqui para brincadeira. É coisa séria. Quero divulgar meu nome. Estou preparado, sei o que fazer", afirmou Arthur Mosso, 24, piloto profissional de Gran Turismo, nascido em São Paulo.
O brasileiro, que vive atualmente com patrocínio de empresas ligadas ao universo do game, competiu na Manufactures Cup (Copa das Fabricantes) representando a Porsche, junto com japonês Takuma Sasaki, 20, e húngaro Benjamin Hencsei, 27. Os três ficaram com a sexta colocação, de um total de 11 equipes participantes.
Ao UOL Carros, Arthur conta que chega a treinar de 8h a 10h por dia em períodos de classificatórias: "Eu faço uma rotina de treino de três horas de manhã, três de tarde e três horas à noite. De manhã eu acordo, tomo um café, ajudo nas tarefas de casa e começo. Nesse tempo eu estudo, pesquiso outros pilotos e dirijo".
Atualmente, o brasileiro vive em uma comunidade ao lado do Autódromo de Interlagos, zona sul de São Paulo, e ressalta que conhecer o simulador de corrida Gran Turismo possibilitou oportunidades que ele não imaginava que poderia ter.
"Era uma brincadeira. Quando veio a oportunidade desses campeonatos presenciais, eu só queria classificar porque eu nunca tinha saído do estado de São Paulo. Eu moro em uma comunidade. Então na minha vida eu tento fazer o máximo que der nas oportunidades que tenho. Agarrar todas as possíveis. E o Gran Turismo é a minha terapia", disse.
"Eu sobrevivo com o Gran Turismo. Eu passei um mal bocado na pandemia. A única válvula de escape que eu encontrei foi o Gran Turismo. Depois, aprendi com o simulador [de corrida] a me relacionar com as pessoas também. Eu era uma pessoa muito fechada", acrescentou.
A reportagem pode observar a felicidade com que Arthur circulava pelos corredores do auditório onde as finais foram realizadas, além da facilidade em se comunicar com outros competidores de outras regiões do mundo.
Para o jovem, o jogo é muito democrático. "Eu posso ligar o meu videogame e jogar com o pessoal da Ásia de manhã, de tarde eu pego as salas da Europa, e de noite eu pego as salas do nosso servidor brasileiro e americano."
A inspiração de Arthur para atuar como piloto profissional é o brasileiro Igor Fraga, que conquistou o título do Gran Turismo World Series no primeiro ano de competição, em 2018. A partir daí ele ganhou visibilidade e se tornou piloto de automobilismo do mundo real. "Eu não estaria aqui se não fosse o Igor. Eu tenho tudo a agradecer a ele."
Veterano
Adriano Carrazza, 35, é um dos veteranos na competição. Ele participa desde a primeira edição, e ficou em 10º lugar na Nations Cup (Copa das Nações) de 2024: "Meu sonho sempre foi ser campeão. Não consegui ainda, mas vou batalhar até lá. O nível aumentou bastante. Os meninos novos, com metade da minha idade, estão andando muito bem. Eu acho que o nível vai sempre aumentar."
Natural de Minas Gerais, Adriano é piloto profissional de Gran Turismo e vive a partir de patrocínio, mentorias e lives que ele participa dentro do universo do automobilismo virtual.
"Eu fui para a minha primeira final em 2018, e fiquei em quinto no Mundial. Depois disso vieram marcas me procurar que até hoje estão comigo. Foi em 2019 mesmo que eu falei: 'eu consigo viver disso'", lembrou ele, que antes tinha uma loja de polimento de carro.
Sobre a rotina de treino, o brasileiro relata que passa de 4h a 6h por dia em períodos que antecedem uma competição. "A maioria desse tempo é dirigindo e testando estratégias em ambientes diferentes para ver se não tem nenhuma surpresa. Estudo às vezes os concorrentes, mas eu fico mais focado na minha performance."
Devido ao desempenho no Gran Turismo, ele foi convidado para pilotar um carro de corrida real em Belo Horizonte. "Com meu destaque no Gran Turismo acabou que ganhei muita mídia no Instagram. E eles me chamaram. É uma copa que eles estão começando a fazer em Belo Horizonte, com carros mais básicos preparados para corrida. E eu sempre gostei muito. Andava de kart quando era mais novo. Ter essa oportunidade de andar no real foi muito bom para mim. Foi literalmente do virtual para o real."
Divisão com outros empregos
Lucas Bonelli, 30, é mais um brasileiro que competiu nas classificatórias para a final da Toyota Gazoo Racing GT Cup 2024 (individual) e na final da Manufactures Cup — ele escolheu representar a Mercedes, junto com o australiano Cara Bárbara, 28, e o britânico Daniel Fenton, 22. A equipe ficou com a 7ª colocação.
A rotina de treino dele perto de competição também é intensa: 6h praticamente direto pilotando. "A dedicação é maior porque a gente precisa estar em alto nível."
Lucas, que joga videogame há mais de 20 anos, atualmente é empresário e faz parte da gestão de uma distribuidora de cosméticos: "preciso ser multitarefa. Tento conciliar o tempo. No período da manhã estou um pouco mais livre e consigo fazer minhas outras coisas. Após o almoço começo a me preparar para me dedicar a corrida, geralmente para que entre 19h e 20h eu possa correr."
Sobre as diferenças entre dirigir um carro no ambiente virtual e na rua, ele destaca que em termos de pilotagem a maior questão é sentir a alta velocidade.
"Claro que no carro de verdade a gente precisa ter atenção para não estar colidindo, que no PlayStation é só retornar através do start. Mas no carro de verdade tem a sensibilidade da velocidade através das forças externas, com a força G, que empurra a gente nas curvas. No videogame você não tem essa sensibilidade", explicou.
"Então você precisa adquirir isso pelo que o jogo te manda na televisão [monitor]. E isso é um desgaste mental grande. Você está a 200 km por hora, mas você não está sentindo isso. Só que você precisa entender que você está nessa velocidade dentro do jogo", completou Lucas.
Lidar com a saúde mental é algo que ele deseja ter mais atenção na temporada de 2025. "Ela é muito importante e quanto mais você trabalhar a cabeça mentalmente, tiver uma resistência mental maior, maior será o seu resultado aqui porque o desgaste psicológico é muito alto."
Roberto Sternberg, 28, também precisa dividir seu tempo entre os treinos para as corridas de Gran Turismo e o trabalho formal. Ele é arquiteto em Curitiba, trabalha com obras e só consegue iniciar seus treinos à noite: "Reservo sempre o meu dia para treinar a partir de umas 18h. Quando é para eu tentar me classificar, aí fico das 18h até 1h treinando."
A sua paixão por jogos de corrida surgiu aos cerca de 10 anos. Ele se classificou para o torneio pela primeira vez em 2021. Neste ano, ele participou da Toyota Gazoo Racing GT Cup 2024. Contudo, não conseguiu avançar (dos 24 pilotos participantes, apenas 12 chegaram até a final).
"Em 2025 eu quero tentar me classificar de novo pela Toyota Gazoo Racing. Foi a primeira vez que me classifiquei. Quero tentar também pela Manufacturers Cup novamente. E trabalhar o meu mental para eu chegar aqui e não ficar assim, tão nervoso, com medo de errar. Quando chega aqui é tudo muito diferente. Tem que se adaptar muito rápido", contou.
"Pensar muito nisso acabou que me fez andar mais lento e não desenvolver direito", completou.
Como funciona a competição e quem venceu
A Gran Turismo World Series foi criada em 2018. A edição de 2024 foi dividida em três etapas:
- qualificações online (iniciadas em abril e maio deste ano);
- três rodadas presenciais (Montreal, Praga e Tóquio);
- finais mundiais, realizadas em Amsterdã, com 52 pilotos.
Nations Cup (Copa das Nações)
Os vencedores foram: Takuma Miyazono (1º), Kylian Drumont (2º) e Jose Serrano (3º).
Nesta modalidade, 12 profissionais representam seus países/territórios.
Manufactures Cup (Copa das Fabricantes)
Vencedores foram: Laxus (1º), BMW (2º) e Genesis (3º).
36 competidores representam as marcas que fabricam automóveis. Os pilotos podem escolher a que quiserem.
Toyota Gazoo Racing
Vencedores: Jose Serrano (1º), Pol Urra (2º) e Coque López (3º).
24 participantes disputam torneios classificatórios. Os primeiros 12 colocados fazem uma nova corrida para ver quem é o mais rápido.
*Jornalista viajou a convite da Playstation
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