Ferrari largada no ABC há 18 anos vai a leilão com lance mínimo de R$ 1.000
Única registrada no Brasil do mesmo ano e modelo, a Ferrari Dino 208 GT4 1975 que foi apreendida em 2006 em Santo André, no ABC Paulista, por suspeita de adulteração do chassi e importação ilegal, está disponibilizada para leilão 18 anos depois por um lance inicial praticamente irrisório.
Segundo laudo da Justiça Federal, por estar em "péssimo estado de conservação", sem funcionar e com a respectiva lataria "completamente deteriorada pela ferrugem", o esportivo italiano é disponibilizado como sucata, avaliado em apenas R$ 1.092,50.
Tema de uma série de reportagens do UOL Carros, a Dino ficou mais de 15 anos apodrecendo a céu aberto após ser apreendida. Na maior parte desse tempo, ficou em um pátio da Prefeitura de Santo André e atualmente se encontra em um pátio da Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP).
De acordo com esse laudo, o valor acima é baseado na cotação média da sucata de ferro, de R$ 0,95 por quilo, considerando que a Ferrari em questão pesa aproximadamente 1.150 kg.
O leilão do carro está marcado para as 11h do dia 8 de julho e, na tarde desta segunda-feira (1º), tinha apenas um lance, no valor mínimo de R$ 1.092,50. Caso a venda não seja consumada nessa data, um segundo arremate está marcado para as 11h do próximo dia 15, com lance mínimo de R$ 546,25 (metade do valor avaliado).
Com base em apurações publicadas pelo UOL Carros, o laudo acrescenta que, "tendo em vista o mau estado de conservação do veículo constatado [...], o custo para a sua restauração ultrapassaria o valor de R$ 1 milhão".
O anúncio do leilão, disponibilizado no site da Sanches Leilões, traz a observação de que, "em consulta ao site do Renajud [Restrições Judiciais sobre Veículos Automotores] em 02/06/2024, constam restrição administrativa e judicial do Renavam [Registro Nacional de Veículos Automotores] e restrição de benefício tributário".
Hoje pintada na cor amarela, a Ferari Dino está registrada com pintura azul.
Filho do antigo dono sonha em recuperar Ferrari
De acordo com o boletim de ocorrência da apreensão da Ferrari em 2006 pela Polícia Civil de São Paulo, na época o veículo estava registrado no nome do romeno Ferry Lazar, que morreu em 2014.
Segundo o boletim, a Ferrari foi apreendida em Santo André por suspeita de adulteração de chassi, após denúncia feita pelo próprio Ferry em 2006.
O boletim diz, com base em relato do romeno, que a Dino desapareceu em 2002, após ele deixar o veículo em uma oficina mecânica para reparos em fevereiro daquele ano. Algum tempo depois, ele retornou ao estabelecimento, que havia fechado, e não conseguiu mais contato com o dono do comércio.
Bruno Richter Lazar, filho de Ferry, foi surpreendido pela notícia do leilão. Recentemente, ele diz ter conseguido na Justiça o reconhecimento da parternidade e ainda pretende recuperar a Ferrari e restaurá-la.
Bruno diz que não via o pai desde quando era criança e a Ferrari tem um signifcado muito especial.
"Eu e meu pai nunca vivemos juntos, isso era um sonho na época para mim. Isso fez com que me afastasse porque não conseguia conviver em família com ele, não conseguia ter esses momentos" diz.
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Quero receberAgora, os planos são de tentar interromper o leilão ou tentar arrematar o automóvel para restaurá-lo.
"Meu sonho é reformar a Ferrari e deixá-la em um museu. Eu mesmo ou algum fã dessa saga vai acabar conseguindo dar um lance e resgatar ela de lá", torce.
Quanto custaria reformar a Ferrari Dino
Caso a Ferrari Dino 208 GT4 seja vendida no leilão, quanto custaria restaurar essa Ferrari e deixá-la em perfeitas condições?
Há quatro anos, nossa reportagem consultou especialistas e exibiu para eles as fotos do veículo para ter uma noção do trabalho e do dinheiro necessários para devolver a Dino à vida.
Para se ter uma ideia, um exemplar 1975 da Dino 208 GT4 em bom estado foi leiloado em 2022 em Paris, França, pela RM Sotheby's por 37.950 euros (cerca de R$ 230,4 mil na conversão direta e na cotação atual, sem incluir os custos de uma eventual importação para o Brasil)
R$ 1 milhão?
Na hipótese dessa Dino leiloada em 2022, caso fosse legalmente trazida ao Brasil. custaria mais do que o dobro do valor informado acima.
No caso específico da Ferrari de Santo André, sua restauração completa pode superar esses valores e facilmente passar de R$ 1 milhão. A estimativa é de Kauê Barbosa, da Via Italia, representante oficial da marca italiana no Brasil.
"É uma pena um carro como esse, único exemplar no Brasil, estar abandonado. Por ser um veículo antigo, um carro com quase 50 anos de idade, encontrar as peças é mais difícil. Se a restauração fosse realizada em nossa oficina, única e exclusiva da Ferrari no País, eu usaria apenas peças originais", diz Barbosa, em entrevista concedida em 2020.
Se o proprietário solicitar o certificado Classic da Ferrari após a restauração, a conta fica ainda mais alta.
"Nós estamos aptos a emitir esse certificado, que atesta perante a fábrica em Maranello que o veículo está em suas condições originais, apesar de ter sofrido uma restauração. Quanto mais antigo o carro, mais caro é esse certificado".
Faça você mesmo
Há quem diga ser possível "reconstruir" a Dino enferrujada por menos dinheiro - isso se o veículo estivesse na Inglaterra e o próprio dono se encarregasse do serviço, usando peças paralelas.
"O único modo de restaurá-la sem gastar uma fortuna seria comprar e fazer o serviço por conta própria. Precisa ter muito conhecimento de funilaria e mecânica. Isso reduziria muito o custo da mão de obra, que é extremamente elevado", opina o youtuber britânico Scott Chivers, do canal 'Ratarossa'.
Chivers tem hoje seis Ferraris na garagem e é especializado em encontrar modelos da marca por pechinchas, que ele reforma na garagem de casa.
"Considerando que essa Ferrari enferrujada ainda tenha motor e transmissão, consertar esses componentes e a carroceria custaria cerca de 20 mil libras [R$ 143 mil]. Se for possível manter alguns dos painéis e substituir as partes oxidadas por meio de solda, isso pouparia muito dinheiro. Assim, o projeto valeria a pena".
O youtuber conta que a primeira Ferrari que comprou, há 25 anos, foi justamente uma Dino GT4, pela qual pagou 2.000 libras (R$ 14,3 mil). Porém, depois ele teve de desfazer o negócio por conta de problemas com documentação. A ideia era restaurá-la.
"Na época, era difícil encontrar peças para esse modelo e você só conseguia da própria Ferrari. Hoje você encontra os componentes na internet com maior facilidade e por preços muito mais baixos".
Ferrari com motor da Fiat
Quando a Dino nasceu, no fim dos anos 1960, tratava-se de uma Ferrari desprezada pelos clientes mais puristas. A pioneira 206 GT, lançada em 1968, nem trazia o emblema do cavalo empinado da marca italiana.
Era um modelo mais compacto e acessível, equipado com motor 2.0 V6, instalado entre os eixos na traseira - pequeno para os padrões da marca.
O propulsor dessa primeira Dino, inclusive, era fabricado pela Fiat - outro motivo para o preconceito. O panfleto publicitário da 206 GT reforçava essa imagem: "Compacta, brilhante, segura... Quase uma Ferrari".
A 208 GT4, que estreou em 1975, já trazia logotipos da Ferrari e trocou as linhas sinuosas desenhadas pela Pininfarina por um desenho mais reto, assinado pelo estúdio Bertone.
Foi concebida para o mercado italiano, portanto, é raro se se ver uma em outros países.
Ferraris como a que está sendo leiloada eram equipadas com uma versão compacta do motor V8 utilizado na Dino 308 GT4, com cilindrada reduzida de três para dois litros. Ambas foram as primeiras Ferraris com um V8 central - configuração utilizada até hoje, como na F8 Tributo, recém lançada no Brasil.
A baixa cilindrada na época era uma forma de a fabricante de Maranello evitar os elevados impostos cobrados na Itália sobre veículos com motor acima de 2.0.
Quando nova, a Ferrari Dino GT4 rendia 172 cv de potência e a velocidade máxima era de 220 km/h. Sua cabine tinha quatro assentos.
Uma curiosidade: o nome Dino foi usado pela primeira vez em Ferraris de competição no fim da década de 1950 e é uma homenagem a Alfredo, filho do fundador Enzo Ferrari que morreu em 1956.
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