Topo

Canisso: capotagem de Fusca virou música símbolo do baixista do Raimundos

Canisso com Fusca da década de 1980  - Reprodução/TV Globo
Canisso com Fusca da década de 1980 Imagem: Reprodução/TV Globo

Do UOL, em São Paulo

14/03/2023 04h00Atualizada em 14/03/2023 10h48

A paixão por carros de Canisso, baixista dos Raimundos que morreu nesta segunda (13), aos 57 anos, transcendeu para a música, a ponto de um Fusca ter sido protagonista da música que imortalizou as palhetadas do brasiliense. "Eu Quero é Ver o Oco", que saiu no disco "Lavô Tá Novo" (1995), mistura duas histórias, incluindo a do acidente com o Fusca e um segundo causo, com o "Opalão" do pai de Rodolfo.

Canisso chegou a ter aulas de mecânica e entendia do assunto. Mas foi ao capotar o Fusca em Brasília que surgiu sua melhor história - justamente na música que começa com uma introdução de baixo. Digão, guitarrista e vocalista da banda, brinca que a história de "Eu Quero Ver o Oco" é uma das "desventuras automobilísticas" do colega.

Digão conta que eles moravam em Brasília quando decidiram ir ao cinema com amigos, em dois carros. "O Canisso, com o Fusquinha azul calcinha dele, meteu a terceira marcha, fez a curva e o carro rabeou de um lado, rabeou para o outro e desceu o barranco de grama. Foi descendo. Quando chegou lá embaixo, que o barranco faz uma curva, travou. Aí o carro capotou e saiu arrastando de cabeça para baixo", contou Digão, ao "À Deriva Podcast".

Capotou e foi ao cinema. Essa é a história real. O Canisso colocou a chave, o carro pegou, daí foram para o cinema. Já viu aquele filme 'Matou a Família e Foi ao Cinema'? É tipo isso, capotou o carro e foi ao cinema. Digão

Digão lembra da chegada do amigo após o acidente, ainda cheio de graxa e machucado, mas bem o suficiente para manter o compromisso de ir ao cinema — e aguentar as gargalhadas dos amigos ao contar a história.

Eles não machucaram sério. Nosso outro amigo bateu a cabeça, mas o Rodolfo e o Canisso não. Tiveram que quebrar o vidro traseiro, porque as portas não abriam, e saíram. Foram desvirar o carro. O Canisso fez a maior força. Conseguiram desvirar, só que quando o carro desvirou, ele subiu e bateu no queixo do Canisso. Digão, ao 'À Deriva Podcast'.

A letra e o Opalão

Na hora de compor "Eu Quero Ver o Oco", o instrumental estava pronto e Canisso veio com a ideia de gritar a frase do título. Mas ainda faltava a letra. Foi Rodolfo Arantes, ex-vocalista do Raimundos, que decidiu contar a história, com liberdade poética:

Carrão da porra, tu pisava ele voava
Tu freava, ele ancorava
E eu lá dentro a me debater
No bate-bate com a cabeça no volante
Voei pelo, vidro da frente
A raiva preta eu não pude conter

A letra veio misturada com o dia em que Rodolfo prendeu o dedo no Opala do pai, em um trecho mais tarde:

Meu ódio por automotores começou cedo
Depois que eu tranquei os dedo na porta dum Opalão
Meu pai de dentro se ria, que se mijava
Achou que o filho festejava
Era dia de Cosme e Damião

"A especialidade do Rodolfo era essa: contar histórias de um jeito engraçado. Ele também falou (na letra) do pai dele, que tinha um Opala. Uma vez, ele prendeu o dedo na porta e o Véio Mané ficou rindo dele, achou engraçado. Ele pega esses flashes da vida dele e vai incorporando. O Raimundos conta muitas histórias em uma música só", disse Digão, ao podcast.

Vale lembrar que o Raimundos ainda tem a famosa "Pitando no Kombão", que trata da Kombi que a mãe do vocalista comprou de uma igreja para fazer campanha para ser deputada distrital.

Amor por carros

O amor de Canisso por Fuscas resistiu ao acidente e ele teve outros carros durante sua vida. Mais que isso, Canisso teve aulas de mecânica na juventude. "Minha primeira cobaia para mexer em carros foi meu primeiro Fusca. Quando ele tava quase ficando legal, capotei e lasquei todo", contou Canisso, sobre o carro que virou música.

O segundo Fusca ficou por décadas com ele e era da série Love, lançado em 1984, de cor metálica. Em 1995, em entrevista à Folha, os colegas de banda entregaram que o carro o deu um segundo apelido, "surfista prateado", que pelo jeito não pegou.

Já morando fora de Brasília, certa vez ele brincou — de um jeito politicamente incorreto, que é a cara de um integrante dos Raimundos: "Como o carro é de Brasília, as multas nunca chegam", riu Canisso.

O baixista deixa esposa e quatro filhos.

canisso - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Canisso e os companheiros de Raimundos em matéria da Globo sobre Fuscas
Imagem: Reprodução/TV Globo