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Por que caminhoneiros vivem crise pior, mas descartam repetir greve de 2018

CNTA afirma que caminhoneiro precisa trabalhar o dobro para ganhar, hoje, o mesmo que em 2018 -  Arquivo
CNTA afirma que caminhoneiro precisa trabalhar o dobro para ganhar, hoje, o mesmo que em 2018 Imagem: Arquivo

Paula Gama

Colaboração para o UOL

27/05/2022 04h00

Todo brasileiro maior de idade tem na lembrança dias difíceis causados pela greve dos caminhoneiros em 2018, que aconteceu entre maio e junho e durou 11 dias. Quatro anos depois, os profissionais revelam um cenário ainda pior, com caminhões parados por falta de renda mínima para manutenção e combustível, mas não há nem ao menos rumores de uma nova paralisação. Afinal, o que mudou?

A greve, de fato, impactou no dia a dia dos brasileiros. Houve desabastecimento de mercadorias em todo o país e inflação. O impacto para a economia foi de R$ 15,9 bilhões, segundo dados da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) registrou que no oitavo dia de manifestação, em 2018, as exportações registravam perda de US$ 1 bilhão.

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As reivindicações dos caminhoneiros de hoje são bem parecidas com as de 2018. Na época, a crise econômica gerou uma redução no volume de mercadorias a serem transportadas e redução no valor do frete. No mesmo período, a Petrobras mudou a política de preços para o Preço de Paridade de Importação (PPI), ou seja, com o dólar, o que impactou em sucessivos aumentos no valor do diesel, que custava R$ 3,768. Hoje, o preço médio do diesel é de R$ 6,943, de acordo com a ANP.

Atendendo às exigências, o governo Michel Temer editou uma Medida Provisória, convertida em Lei no mesmo ano, para uma subvenção no óleo diesel até dezembro de 2018. Também houve uma redução dos impostos federais PIS e Cofins.

Os caminhoneiros tiveram outra vitória: uma Lei prevendo revisão semestral do valor do combustível considerado na tabela, além da revisão extraordinária do custo quando o reajuste no preço do diesel fosse igual ou superior a 10%.

Na última semana, o presidente Bolsonaro, via Medida Provisória, estabeleceu que essa revisão extraordinária passará, agora, a ser feita com um aumento superior a 5%.

"Ganhamos tudo, mas não levamos nada", diz CNTTL

Apesar das reivindicações de 2018 terem sido atendidas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL) afirma que o cenário ficou ainda pior.

Carlos Alberto Litti Dahmer, diretor da Confederação, explica que a greve de 2018 trouxe esperança de melhorias, porém nada aconteceu na prática.

"Ganhamos tudo em legislação, mas não levamos nada na prática. Por descompromisso do governo e dos agentes que deveriam fiscalizar as leis produzidas. A realidade dos caminhoneiros hoje é tão dramática ou pior que a de 2018, basicamente por causa do preço do diesel, que é o maior insumo na planilha de custos", afirmou.

Ele explica que o diesel representa de 40% a 65% do custo dos caminhoneiros, dependendo da idade do caminhão. No entanto, a possibilidade de uma mobilização como a de 2018 não existe.

"A movimentação para uma greve bate no estado repressivo que esse governo representa, não no sentido de utilizar a força física, mas a força econômica. O governo coloca o aparato do estado para reprimir a greve através de pesadíssimas multas, que chegam a R$ 100 mil, para participantes do evento. Não é falta de coragem, mas falta de poder econômico para pagar as multas", opina Dahmer.

Wallace Landim Chorão, presidente da ABRAVA - Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores, também avalia o cenário como pior do que há quatro anos.

"A realidade de hoje é muito diferente da de 2018, está muito pior. Em 2018 não tínhamos essa inflação galopante, o câmbio estava controlado, o que pegou mesmo foi o início do PPI da Petrobras. Hoje não temos controle do câmbio e a política de preços da Petrobras está dizimando os caminhoneiros autônomos, esmagando a classe média e deixando os pobres cada vez mais pobres", reclamou.

Chorão explica que o movimento de parada de alguns caminhoneiros que acontece agora é por sobrevivência. "Muitos já estão parados em casa porque não têm condições de rodar. Caminhão quebrado sem manutenção, colocando em risco sua vida e a de terceiros. O cenário é de colapso no segmento de transportes, pré-caos, e a nossa percepção é que o preço na bomba o combustível não vai baixar. Nosso erro foi não ter derrubado o PPI em 2018."

CNTA quer saída "técnica"

O posicionamento da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) é diferente. Marlon Maués, assessor executivo do presidente, explica que a instituição não apoia uma greve, mas faz reivindicações técnicas e conversas com o governo federal. Ele avalia que o cenário atual é semelhante ao de 2018, mas que a categoria está diferente.

"A dor é semelhante, mas a forma de pensar e agir é diferente, pois não adianta um paliativo do governo com intenções até eleitoreiras. A Lei do frete, por exemplo, não é respeitada. Melhor do que ela seria a permissão para embarcadores contratarem caminhoneiros autônomos, o que não é possível hoje. Isso reduz a renda do trabalhador, pois há intermediários. Nossas demandas hoje são trabalhadas em conjunto com Ministério da Infraestrutura, DTE e CONFAZ. São movimentos técnicos feitos para uma resolução do problema", explica.

Maués explica que os intermediários ficam com até 30% do valor do frete, dos 70% que sobram, os caminhoneiros ainda tiram os custos. Também há outros detalhes: muitos embarcadores não pagam pelo tempo gasto para carregar o caminhão, por exemplo, e se negam a custear o pedágio - diretos previstos em Lei.

"A categoria está em colapso. O caminhoneiro precisa trabalhar, hoje, o dobro do que trabalhava em 2018 para ter o mesmo resultado. São escravos sobre rodas. E há mais uma questão: a médio prazo, não haverá mais trabalhadores dispostos a fazer esse serviço", alerta.

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