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"Não quero ser mártir": casal gay teme ataques após estrelar campanha da VW

Propaganda gerou inúmeros comentários homofóbicos e entidade quer que autores sejam punidos  - Divulgação/Volkswagen
Propaganda gerou inúmeros comentários homofóbicos e entidade quer que autores sejam punidos Imagem: Divulgação/Volkswagen

Paula Gama

Colaboração para o UOL

12/05/2022 04h00

Após estrelar a campanha do Volkswagen Polo, que movimentou as redes sociais por trazer a foto de um casal gay, a família de Murillo e Diego Xavier vem sofrendo ataques e ameaças. Apesar de temer as retaliações - e dizer que não quer ser mártir - a dupla acredita que a participação tenha sido importante para reforçar que o público LGBTQIA+ é consumidor e pode ocupar espaços até mesmo em meios tradicionalmente machistas, como o automotivo.

UOL Carros conversou com Diego, que além de ter estrelado a campanha ao lado de seu marido é jornalista e ativista LGBTQIA+, coordenando projetos de empregabilidade. Ele conta que é a segunda vez que o casal sofre ataques devido à campanha da Volkswagen, que começou a ser veiculada em 2021, mas que agora as acusações e ameaças chegaram à sua família.

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"Na primeira vez, esse movimento ficou só na internet, mas agora eles abusaram: foram para cima dos meus irmãos e sobrinhos, que não têm nada a ver com isso. Sou um exemplo de LGBTI que teve que sair do interior para viver a sexualidade de forma plena na capital", conta Diego, que saiu de Cambé, onde sua família ainda vive, para morar em Curitiba.

Diego explica que ele e o marido não imaginavam a proporção que a campanha tomaria, pois foi construída, inicialmente, para ser veiculada em junho de 2021, considerado o mês da diversidade.

"Nessa data, todas as empresas fazem ações, então todo mundo está um pouco mais amigável à causa, as propagandas não geram tanto impacto. Essa continuação mostra até um comprometimento maior por parte da marca. O saldo é positivo, é uma questão de representatividade, de mostrar que o público também paga impostos e é consumidor. Mas não quero ser mártir. Ninguém quer morrer. Os ataques são preocupantes", lamenta.

"A Volkswagen está corretíssima", diz professor da ESPM

Para o professor de planejamento de campanha da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Murilo Moreno, a Volkswagen acerta ao mostrar a diversidade de uso de seus carros, mas precisará de um trabalho intenso para não perder clientes.

"No Brasil, a gente tem tido, diversas vezes, reações contrárias a campanhas que são normais na Europa e nos Estados Unidos. Isso acontece porque nossa sociedade, no geral, é mais tradicionalista. Vai demorar um tempo para as pessoas entenderem que não é porque tem um casal gay na propaganda que o carro é só para gay. A montadora acertou, mas é importante acompanhar o que ela fará para evitar respingos na imagem por conta desses consumidores incomodados", opina.

Moreno também pontua que a reação da internet foi tardia, já que a propaganda está em circulação há mais de cinco meses. Para ele, toda a polêmica pode ter sido causada por um vídeo de um cliente que disse que devolveria o carro por se tratar de um veículo para gays.

"É bem provável que mensagem inicial tenha sido aceita numa boa, a repercussão veio após esse vídeo viralizar. Como é perfil do brasileiro fazer piada com a própria desgraça, o assunto virou meme", disse Moreno.

"Ataques podem caracterizar crimes", diz advogado

Advogado e professor titular do IBMEC, Marco Antonio Sabino explica que, assim como a Volkswagen tem direito de anunciar seus produtos para qualquer público - resguardado pelo princípio da livre iniciativa e da liberdade de criação publicitária -, as pessoas são livres para dizer que não gostaram da propaganda, desde que não ataquem nenhum dos envolvidos.

"Os ataques podem, eventualmente, caracterizar tipos penais e crimes. O Ministério Público pode atuar pedindo indenização dos responsáveis. Esse tipo de situação é muito preocupante, porque faz com que outras marcas que queiram falar com esse público desistam desse tipo de comunicação com medo de retaliações. No meu entendimento, isso não pode suceder em uma sociedade plural e democrática que queremos construir, mas parece que estamos um pouco distantes de conseguir construí-la."

Volkswagen defende propaganda

Questionada sobre os ataques, a montadora afirmou que promover a diversidade e a inclusão é um dos pilares estratégicos da marca. "A premissa da marca é garantir um comportamento respeitoso e inclusivo, dentro e fora da empresa, com parceiros diretos ou indiretos de negócio. A Volkswagen lançou uma cartilha de Diversidade & Inclusão para toda sua cadeia de fornecedores e rede de concessionárias no Brasil e, continuamente, desenvolve debates com seus funcionários, em todas as esferas hierárquicas."

A montadora alemã continua: "acreditamos que cada pessoa, de diferentes raças, etnias, gênero, orientação sexual e idade/geração, tem experiências únicas, que somadas contribuem para fortalecer não somente a cultura da empresa, mas também o ambiente em que vivemos. Temos como responsabilidade continuar aprendendo de que forma podemos contribuir para a luta contra qualquer forma de preconceito, pois consideramos fundamental conciliar as diferenças para a construção de uma sociedade justa para todos. No que tange a interação com os usuários, comentários ofensivos e desrespeitosos, são devidamente apagados de nossas páginas".

Entidades LGBTQIA+ se posicionam

O Grupo Dignidade, ONG que luta pela cidadania e direitos LGBTQIA+, da qual Diego e Murillo fazem parte, afirmou que está dando suporte jurídico para que todas as pessoas que praticaram LGBTIfobia contra o casal sejam punidas na forma da lei.

"Apesar de a sociedade ter mudado bastante nos últimos anos, casos como este ainda são muito mais comuns do que parecem. São diversas denúncias de LGBTIfobia que chegam até o Grupo Dignidade toda semana. Em 2019, o STF entendeu que a LGBTIfobia é uma espécie do crime de racismo, conduta grave, cuja pena mínima é de 4 anos de prisão. Assim, fica claro que a sociedade não tolera mais atos que excluem e discriminam as pessoas com base na orientação sexual e na identidade de gênero", diz Mateus Cesar, diretor administrativo do Grupo Dignidade.

Mateus também relata que é bastante comum as delegacias de polícia civil não registrarem corretamente a LGBTIfobia, tratando como se fosse injúria ou difamação.

"O que não é nem de perto suficiente para que os responsáveis sejam punidos, porque estes crimes têm uma pena bem mais baixa. O resultado, em muitos casos, é a impunidade para quem pratica atos LGBTIfóbicos". O diretor ainda elogia a postura da Volkswagen em fazer a campanha e não voltar atrás, mesmo com as críticas.

Outra entidade que se posicionou foi a Aliança Nacional LGBTI+. "A expressiva quantidade de comentários LGBTfóbicos nas redes sociais demonstram que além da naturalização da discriminação e da violência psicológica contra pessoas LGBTI+, também há o desprezo à Lei. Justamente por isso, iniciativas como a da Volkswagen, que visam a promoção das pessoas LGBTI+, são extremamente necessárias, pois corroboram com a desconstrução da cultura do preconceito por orientação sexual ou expressão de gênero", disse por meio de nota.

Já Camila Nishimoto, diretora de Comunicação da ONG TODXS, afirma que o mercado e a sociedade estão evoluindo na receptividade a campanhas que trazem rostos e temáticas LGBTI+, apesar dos insultos.

"Empresas que contratam equipes mais diversas lucram mais. As pessoas querem se enxergar representadas no que consomem. Mas, infelizmente, comentários e ataques LGBTIfóbicos ainda são um aspecto presente, em maior ou menor escala, em tudo que envolve a nossa comunidade. Mas não podemos deixar que este tipo de represália enfraqueça a busca por colocar rostos e corpos cada vez mais diversos sob o holofote, atuando em campanhas para grandes marcas e também ocupando os mais diversos espaços dentro e fora do mercado de trabalho."

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