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Fim do carro popular: por que veículos zero km custam mais de R$ 60 mil

O Renault Kwid quase dobrou de preço em três anos - Marcos Camargo/UOL
O Renault Kwid quase dobrou de preço em três anos Imagem: Marcos Camargo/UOL

Paula Gama

Colaboração para o UOL

16/02/2022 04h00

Há três anos, se alguém chamasse um carro de R$ 60 mil de "popular", certamente viraria um meme. Na época, o Renault Kwid, atual carro mais barato do Brasil, custava a partir de R$ 33.290. Nos dias de hoje, o mesmo modelo tem preço inicial de R$ 59.890. Afinal, o fim dos carros com preços módicos é um movimento inevitável ou uma estratégia das montadoras para lucrar mais?

A regulamentação do "carro popular" no Brasil aconteceu em 1993, quando o governo federal tabelou em 0,1% o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros com até mil cilindradas, ou seja, com motor 1.0. A iniciativa deu espaço para a popularização do Fiat Uno Mille e Volkswagen Gol 1000 no país. O IPI voltou para a casa dos 7% em 1995. Em 2008 houve uma nova isenção, na época, o preço de um Fiat Mille, por exemplo, caiu de R$ 23.470 para R$ 21.827, com uma redução de R$ 1.642,90 por conta do corte do imposto. Com o passar dos anos, e o fim desses incentivos à indústria automotiva, a figura do carro popular foi sumindo.

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O consultor automotivo Cassio Pagliarini explica que a junção de vários fatores contribuiu para o cenário atual. "Houve uma inflação de commodities - como aço, alumínio, vidro e plástico - muito grande e que, como são precificadas em dólar, que também aumentou, fez os efeitos se multiplicarem. Somente a variação dos custos já fez o preço dos carros subir."

A grande questão, explica Pagliarini, é que o mercado não sofreu apenas com a variação dos preços das matérias-primas. Se a questão fosse apenas essa, o cenário poderia se ajustar com a estabilização da crise. Ele explica que as exigências legais sobre os veículos estão aumentando cada vez mais.

"Quando os airbags e os freios ABS passaram a ser obrigatórios, por exemplo, alguns carros deixaram de ser produzidos, como o antigo Uno. O mesmo acontece com as exigências atuais. Temos determinações do Proconve em relação a emissões, e medidas de segurança como controle de estabilidade. Colocar equipamentos caros em veículos baratos dá um forte impacto nos preços, não à toa os carros de entrada do mercado brasileiro partem de R$ 60 mil, o que era impensável dois anos atrás", opina o consultor.

Estratégia que contribui para o cenário

Além dos fatores apontados, Ricardo Bacellar, fundador da Bacellar Advisory Boards e Conselheiro da SAE Brasil, aponta para um outro detalhe: a estratégia das montadoras. Ele explica que o modelo da indústria automotiva é voltado para o volume. Ou seja, lucra-se pouco nos carros mais baratos para compensar com a quantidade de vendas. A grande questão é que a pandemia acabou com o sucesso desse modelo de negócio.

"A falta de componentes para a construção dos carros piorou a situação, já que as montadoras investiram em uma produção grande de veículos e não conseguiram finalizá-los. Como a indústria está sem volume de carros para vender e rentabilizar o negócio, precisa apostar em veículos com maior valor agregado, que são mais rentáveis. Isso deixa os carros populares de lado no portfólio de vendas", afirma Bacellar.

Nesse contexto, a crise econômica que o país enfrenta só contribui para que não seja interessante colocar carros de entrada à venda, pois pode não haver quem compre.

"Mesmo que a situação dos componentes se equilibre, o cenário não mudará de forma tão simples. Estamos vivendo um empobrecimento do brasileiro médio. A relação entre o aumento do salário médio do brasileiro e o do valor do carro é muito discrepante. O consumidor está cada vez mais distante do sonho de comprar um carro", pontua Bacellar.

Montadoras querem mudanças estruturais

Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, associação das fabricantes de veículos, explica que. para esse consumidor empobrecido pela crise voltar a ser um cliente potencial de carros zero-quilômetro, é preciso que o país passe por mudanças estruturais nas regras tributárias e de financiamentos.

"Para trazer o consumidor que tem interesse em comprar um carro zero novamente para o mercado, estamos lutando por uma reforma tributária mais moderna e parecida com países desenvolvidos. O imposto representa entre 40% e 50% do valor de um carro, a média entre os países desenvolvidos é de 20%. Atualmente, o imposto tira do consumidor a possibilidade de comprar um carro", opina o executivo.

Sobre os financiamentos, Moraes explica que, no entender da Anfavea, há regras que elevam o custo da transação no Brasil. "Para retomar um bem, por exemplo, o banco demora anos e acaba perdendo dinheiro. Estamos trabalhando para mudar algumas regras que possibilitem a redução das taxas, para que as parcelas caibam no bolso do consumidor."

E fora do Brasil?

Todo o mundo sofreu com o aumento do preço da matéria-prima para construir carros e com a escassez de semicondutores, o que levou a uma demanda reprimida e aumento de preço dos veículos. No entanto, em outros países a figura de um carro popular, ou seja, acessível às classes mais pobres, ainda existe.

O modelo mais barato dos Estados Unidos, o Mitsubishi Mirage, parte de US$ 14.645, mais de R$ 75 mil em conversão direta. No entanto, é preciso lembrar que o salário mínimo americano gira em torno de US$ 1.160, ou seja, quase R$ 6 mil.

Na Alemanha, o carro mais barato é o Dacia Sandero, por 8.990 euros, ou R$ 52.679. No país, o salário mínimo é de 1.672 euros, quase R$ 9.800.

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