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'Pai' do Uno e do Palio: brasileiro projeta o futuro da Fiat há 39 anos

José Antonio Leme

Do UOL, em São Paulo (SP)

04/04/2021 04h00

Fala mansa, bom de prosa, uma enciclopédia de histórias e sempre com um sorriso fácil no rosto. A definição que cabe a qualquer mineiro raiz é também do Gerente de Engenharia Experimental da Stellantis, Robson Cotta (64). Entre os adjetivos que vêm pela boca de colegas da companhia estão "Generoso e comprometido", entre outros.

Engenheiro mecânico de formação tem na história da família o amor por carros e a curiosidade que o acompanha até hoje. O pai tinha uma transportadora e eles faziam a manutenção dos carros. Um primo mais velho também era inspiração para o amor com os veículos.

Dos seus 64 anos, 39 deles são dedicados à Stellantis Brasil. Claro, a história começou ainda como Fiat, passou pela mudança para Fiat-Chrysler Automobiles (FCA) e chegou ao novo gigante industrial do setor. "Serão 39 anos em agosto para ser mais exato", diz Cotta no início da entrevista com uma conta rápida de cabeça.

Como alguém que começou lá atrás, mexendo em peças que, para muitos parecem coisas de museu como carburadores e giclês, Cotta continua de peito aberto às inovações que fizeram parte de sua carreira e não se furta a comentar o futuro dos carros, sejam elétricos, autônomos e o que mais surgir.

"A tecnologia é benéfica para o setor, para a indústria, e é um movimento sem volta" analisa. Ele para e adiciona que "o principal é que [a tecnologia] tem transformado os carros mais seguros para as pessoas e isso é o mais importante", completa.

Com o olhar do engenheiro e professor universitário, Cotta faz uma análise do que será importante para os carros daqui em diante e nos anos que virão.

"Com a equalização dos carros em termos do que entregam, são as pequenas inovações e detalhes que contam". Como exemplo, fala das saídas de ar-condicionado no painel da Strada que são direcionadas as portas, para evitar que os vidros laterais fiquem embaçados, algo incomum nessa faixa de preço.

Fala também como novos competidores evoluíram em tão pouco tempo: "Os chineses, olha como a qualidade dos carros mudou e como cresceram em apenas cinco anos".

Ele acredita que o espaço para novos modais com os carros, como a Flua!, serviço de assinatura de veículos da Stellantis, não deve tirar o "Fun to Drive" dos próximos carros que serão desenvolvidos. "Não importa se a pessoa não comprar, só assinar, o carro precisa ter algo que não faça dele uma máquina como um elevador" compara.

Robson Cotta, engenheiro da Stellantis há 39 anos - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Imagem: Acervo Pessoal

Uno, Palio e seus derivados brasileiros

A foto que abre a matéria é uma montagem que mistura duas fotos. Foi capa de uma revista da empresa e mostra o engenheiro, nos seus 20 e poucos anos, guiando um dos primeiros Fiat Uno do País, seguido de outra foto em que ele guia na pista de testes de Betim (MG) o "Grazie Mille", a série de despedida, em 2013.

Cotta não era gerente, mas já fazia parte da área de experimentação no lançamento do Uno, em 1984. Ele reconta que, quando iniciou na marca já teve a oportunidade de ir direto para essa área. "A diferença no tamanho da companhia também ajudou muito. Na época éramos três engenheiros, hoje somos mais de 430".

Cotta é um dos engenheiros responsáveis por vários sucessos da Fiat. Ele foi o primeiro chefe brasileiro dessa área no País em 94, cargo até então designado apenas a estrangeiros. Ele fez parte do primeiro projeto mundial da companhia que envolveu o Brasil: o projeto 178, conhecido como Fiat Palio.

Lançado em 1995, o Palio teve o pontapé inicial em 1993, na Itália, e no qual Cotta já estava envolvido. "A importância do projeto do Palio para o Brasil é enorme, dele nós desenvolvemos toda uma família de carros bem sucedidos", diz Cotta.

Robson Cotta, engenheiro da Stellantis há 39 anos - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Imagem: Acervo Pessoal

Para ilustrar a fala, relembramos que do hatch surgiram projetos brasileiros, como o sedã Siena, a perua Weekend e a picape compacta Strada, que é líder do segmento do seu lançamento até hoje.

Em cima dessa gama de produtos veio ainda o sucesso da linha Adventure. Com apliques plásticos, suspensão elevada, visual mais agressivo e até um sistema que simulava o bloqueio de diferencial, o Locker, e fez a cabeça dos brasileiros por anos antes da chegada dos SUVs.

O último projeto derivado do primeiro Palio, aquele lá de 1995, e que continua em produção é o Grand Siena. Ele surgiu em 2012, antecipando a onda de sedãs compactos maiores que vemos pelas ruas, como Versa, Virtus, Onix Plus, entre outros.

Fiat Uno Attractive 2009 - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Pai do novo Uno

Lançado em 2009, o novo Uno tinha uma missão e tanto: substituir o Mille. Cotta foi o chefe do projeto, e entre todos os que participou até hoje, ele diz que esse provavelmente é o do qual mais se orgulha.

"Nós tínhamos uma missão muito importante que era substituir o carro mais vendido da história da Fiat no Brasil. O Uno fez parte da vida de muitos brasileiros e o sucessor tinha que fazer o mesmo sucesso", diz.

O carro acabou perdendo espaço com a chegada do Mobi e do Argo no mercado, carros que Cotta também trabalhou, e hoje sobrevive, basicamente, de vendas diretas. O diretor da marca Fiat dentro do grupo, Herlander Zola, já disse que o "futuro do Uno será decidido até o final deste ano".

Robson Cotta, engenheiro da Stellantis há 39 anos - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Imagem: Acervo Pessoal

O "culpado" pelo Stilo Abarth no Brasil e outras histórias

Quando o Fiat Stilo Abarth foi lançado lá fora com motor cinco cilindros, ele não estava previsto para o Brasil. Mas o modelo veio para experimentações e Cotta teve a oportunidade de guiar. Ele teve que convencer alguns executivos que o questionaram se deveriam vender no Brasil um carro que não daria dinheiro para a companhia.

Além de ter se tornado em 2006, um carro de imagem para a companhia no Brasil, ou seja, um carro com o que tinha de mais moderno em termos de tecnologia, a engenharia da Fiat Brasil criou o modelo com câmbio manual, que não existia na Europa, onde era vendido apenas com o Dualogic.

Nessa época, a Cotta participou de outros projetos, como a implantação dos motores 1.8 da General Motors (GM) nos carros da Fiat em um parceria do início dos anos 2000, e a ajuda para a Ferrari, que na época era parte do grupo, e veio fazer testes de temperatura no Brasil.

"Eu fui o único brasileiro do grupo que estava auxiliando a Ferrari que teve a oportunidade de guiar o modelo em teste, a 360 Modena. O meu azar é que na data eu estava muito gripado e até com os ouvidos entupidos. Não consegui ouvir nada do ronco do V8 enquanto acelerava", ri.

Cotta também foi o responsável por projetar a pista de testes da companhia na fábrica de Goiana (PE). "Sobrevoei a área da fábrica para encontrar o melhor ponto, mais plano e prático para instalar a nova pista de testes". Lá foram desenvolvidos e são produzidos Fiat Toro, Jeep Renegade e Compass. De lá virá também o novo Jeep de sete lugares no final deste ano.

Robson Cotta, engenheiro da Stellantis há 39 anos - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

"Criar a FCA e a Stellantis foi benéfico"

"A união da Fiat com a Chrysler foi benéfica para todos", relembra. Melhorou a capacidade das duas empresas em lidar com diferentes produtos e, em um universo tão competitivo, teve a oportunidade de dar acesso a mais itens. "Nós não teríamos o câmbio de nove marchas sem a Chrysler (é a transmissão dos carros a diesel de Fiat e Jeep). O volume permitiu a compra".

Cotta diz que a união com o grupo PSA Peugeot-Citroën foi a melhor escolha para criar um grupo ainda maior. "A Fiat sempre apostou em inovações e acabou se juntando com outras empresas que também ficaram marcadas por isso".

Exemplos da Fiat foram a criação da Strada com cabine dupla e três portas, enquanto na PSA, por exemplo há inovações em toda a história das empresas, como o Citroën Avant - primeiro carro com tração dianteira - e o DS, com suspensão hidropneumática. "A Stellantis é uma grande oportunidade, especialmente para o Brasil". salienta.

Robson Cotta, engenheiro da Stellantis há 39 anos - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Imagem: Acervo Pessoal

Passado, presente e qual o sonho para a garagem

Na sua garagem pessoal há espaço para tudo. Há um Jeep Compass S e um Jeep Renegade, que são os carros de uso da família no dia a dia, mas Cotta tem também sua raridades e amores antigos.

Parte da terapia fora do trabalho, seus xodós são cinco carros antigos, todos com "sangue italiano", que mantém e aos poucos vai restaurando totalmente. Há os Alfa Romeo Spider 1972 e o 2300 1977, dois exemplares do FNM JK 1961 e uma picape Fiat 1949.

Seu sonho na garagem, sem restrição de preço, Cotta fala da 360 Modena que guiou: "é um esportivo prático, moderno e divertido. Mas não é complicado ou delicado demais como os mais antigos e nem tão brutos como os mais novos - tipo a SF90 Stradale", explica.

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