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Como ex-escravo e filho se tornaram os primeiros negros donos de montadora

Frederick Patterson herdou do pai, um ex-escravo, empresa de carruagens que se transformou na 1ª e única montadora pertencente a negros nos EUA - Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield
Frederick Patterson herdou do pai, um ex-escravo, empresa de carruagens que se transformou na 1ª e única montadora pertencente a negros nos EUA Imagem: Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield

Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

21/06/2020 04h00

Nascido escravo em uma plantação da Virgínia em 1833, Charles Richard Patterson é o primeiro e até hoje único negro a fundar uma montadora de veículos nos Estados Unidos.

Sua empresa, a C.R. Patterson & Sons, fechou as portas em 1939, devido a problemas financeiros causados pela Grande Depressão. Seu legado é preservado pelo Museu Nacional da História e Cultura Afro-Americana, do Instituto Smithsonian.

O museu aponta o ano de 1873 como a data de fundação da empresa, quando Patterson estabeleceu sociedade com J.P. Lowe, um empresário branco, para a fabricação de carruagens em Greenfield, no Estado de Ohio.

A escravidão havia sido banida de todo o território norte-americano menos de dez anos antes, em 1865, quando terminou a Guerra Civil.

Após duas décadas de sociedade, em 1893 Patterson comprou a parte de Lowe e se tornou o único dono da companhia, rebatizada como C.R. Patterson & Sons.

Na virada do Século 20, ele tinha entre 35 e 50 funcionários e gozava de prestígio entre os clientes.

De acordo com o museu, nos primeiros anos do século passado, a C.R. Patterson & Sons tinha um catálogo de 28 veículos, ainda com tração animal - desde carroças simples até modelos fechados e luxuosos, para um público mais abastado.

Fuga da escravidão

Charles Richard Patterson era um cidadão respeitado em Greenfield, cidade então simpática ao abolicionismo, mas sua história começou de forma bem diferente.

Sabe-se pouco de sua vida como escravo na plantação em Virgínia e há registros conflitantes de como ele saiu de lá e foi parar em Ohio.

Alguns dizem que sua família chegou a Greenfield, fugindo da escravidão, durante a década de 1840. Outros documentos sugerem que Patterson escapou sozinho e recomeçou a vida na cidade apenas em 1861.

Teria sido nesta época em que ele aprendeu o ofício de ferreiro. Logo conseguiu emprego fabricando carruagens de tração animal e não tardou até que se destacasse pelo capricho e pela qualidade do seu trabalho.

Patterson morreu em 1910 e seu filho Frederick assumiu o negócio. Foi quando começou a trabalhar com "carruagens motorizadas", como eram chamados os automóveis, que começavam a multiplicar sua presença nas ruas de Greenfield.

Inicialmente, nessa nova fase, a C.R. Patterson & Sons se dedicou à manutenção e reforma dos veículos. À medida em que Frederick foi ganhando experiências com motores, transmissões e parte elétrica, a companhia passou a comercializar upgrades e melhorias.

O primeiro automóvel

Charles Richard Patterson ex escravo dono de montadora Patterson-Greenfield - Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield - Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield
Patterson-Greenfield foi o primeiro automóvel da C.R. Patterson & Sons, lançado em 1915
Imagem: Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield

Foi em 1915, cinco anos após a morte do pai, que Frederick Patterson lançou o primeiro automóvel da empresa, que entrou para a história: o Patterson-Greenfield, à venda por US$ 685.

"Nosso carro é produzido com três finalidades. A primeira é que não se trata de um veículo grande, embora tenha capacidade para cinco passageiros e seja amplo. Além disso, tem preço justo e traz toda a conveniência e luxo conhecidos na fabricação de automóveis", dizia um anúncio na época.

Charles Richard Patterson ex escravo dono de montadora anúncio - Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield - Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield
Anúncio publicitário de jornal da época destaca as qualidades do Patterson-Greenfield
Imagem: Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield

Nos anos seguintes, a C.R. Patterson & Sons lançou vários modelos de cupês e sedãs, além de um esportivo sem capota batizado como Red Devil (Diabo Vermelho).

De acordo com o museu, citando material publicitário, os modelos da montadora eram equipados com motor de quatro cilindros Continental, capaz de render 30,4 cv de potência, e traziam eixo traseiro totalmente amortecido, bem como partida e faróis elétricos e para-brisa bipartido.

A fama de qualidade das carruagens dos primórdios da empresa acompanhou os veículos a motor.

Porém, a disseminação das linhas de montagem entre as montadoras maiores, a exemplo da Ford, passou rapidamente a representar uma concorrência pesada para pequenas fabricantes como a C.R. Patterson & Sons - cujo processo produtivo era totalmente artesanal.

Não havia como lidar com a redução de custos e a velocidade de manufatura das gigantes automotivas de então. Assim, a margem de lucro começou a desabar.

Crise e mudança no foco

C.R. Patterson & Sons ônibus - Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield - Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield
Em dificuldades, C.R. Patterson & Sons começou a fazer carroceria de ônibus e caminhões
Imagem: Reprodução/Sociedade Histórica de Greenfield

A produção de veículos próprios foi interrompida em 1918, quando algo entre 30 e 150 carros haviam sido fabricados pela empresa de Frederick Patterson - que foi o primeiro atleta negro de futebol americano da Universidade Estadual de Ohio.

Naquele ano, a companhia voltou a se concentrar nos serviços de reparação e, em 1920, começou a construir carrocerias para ônibus e caminhões, instaladas sobre mecânica e chassi de outras companhias.

A iniciativa colocou a C.R. Patterson & Sons de volta nos trilhos, mas em 1929 sobreveio a quebra da bolsa e, com ela, a Grande Depressão.

A empresa, então administrada pelos filhos de Frederick, teve de encerrar suas atividades em 1939.

O Museu Nacional da História e Cultura Afro-Americana não tem registro de unidades preservadas do pioneiro Patterson-Greenfield. Porém, a história da família que emergiu da escravidão para comandar um negócio que perdurou por gerações está aí para ser contada.