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Brasil pode ser potência em elétricos se governo agir, crê Lucas di Grassi

Andreas Solaro/AFP Photo
Imagem: Andreas Solaro/AFP Photo

Gabriel Lima

Colaboração para o UOL

19/12/2019 04h00

Um dos principais pilotos brasileiros da última década, Lucas di Grassi tem carreira bem-sucedida dentro do automobilismo. Sua maior conquista certamente é o título mundial de Fórmula E da temporada 2016-2017. Mas, em paralelo à carreira nas pistas, ele também se tornou uma figura bastante ativa em temas que pontuam o futuro do mercado automotivo.

Além de defender a implantação cada vez maior de carros elétricos e o desenvolvimento da direção autônoma, Lucas também se notabilizou por projetos de conscientização sobre questões ambientais, como o documentário A Corrida por Ar Puro - lançado neste ano em parceria com a Fórmula E. ,

Também em parceria com o campeonato, ele é o CEO da Roborace, uma futura categoria de carros autônomos que deverá fazer parte do evento da Fórmula E.

Com toda a informação sobre o tema de eletrificação, Di Grassi acredita que o Brasil atualmente perde tempo sendo pouco atuante na transição de tecnologia pela qual passa o mercado automotivo.

Com sérias restrições à emissão de carbono para as próximas décadas em locais como a União Europeia e a China, há neste momento uma grande oportunidade para a indústria brasileira de acordo com ele: ser competitiva no mercado de elétricos se aproveitando das matérias-primas à disposição em território nacional.

"Eu acho que o governo deveria ser, sim, mais ativo nessa transição (de carros a combustão para carros elétricos) para usar isso para gerar empregos e agregar valor para a nossa sociedade, em vez de ser passivo e esperar isso vir ou da Europa ou dos EUA - como normalmente ocorre", falou Di Grassi em entrevista a UOL Carros.

"Para você fazer uma fábrica de baterias de larga escala hoje, temos três componentes importantes: insumo, tecnologia e custo de energia. Tecnologia é uma commodity hoje em dia, você poderia fazer uma parceria com a Panasonic ou a Tesla. O Brasil é bem competitivo em insumo, porque o lítio vem do Chile. Você só não tem cobalto perto (presente principalmente na África), mas tem nióbio, níquel e manganês por preços competitivos. Você também tem energia barata no Brasil, por incidência solar e disposição hidrográfica."

Para o piloto, um empreendimento deste porte poderia criar muitos postos de trabalho além de fazer o Brasil crescer no aspecto geral. "Você poderia fazer uma fábrica de bateria super competitiva e fazer os carros elétricos nacionais em vez de importar. Geraria milhões de empregos, receita e imposto. Aí, conforme a demanda de elétrico começasse, viria o retorno do investimento. Obviamente, o déficit inicial existiria, mas no futuro nós seriamos donos da nossa tecnologia e produziríamos os veículos aqui, em vez de exportar soja e trazer carro elétrico."

Entretanto, Di Grassi é pessimista e não acha que o governo brasileiro está preparado para se comprometer com um investimento a longo prazo deste impacto "Sem essa pró-atividade, perdemos tudo isso. Tínhamos que chegar para Tesla: 'vocês já têm fábricas na Alemanha e na China, venham fazer uma aqui no Brasil'. É mais barato fazer aqui do que nos EUA, por exemplo", seguiu.

"Nós seríamos mais competitivos e faríamos algo em vez de ficarmos esperando para importar. Daqui dez anos, não valerá mais a pena fazer uma fábrica, porque tudo já estará sendo feito lá fora. A gente já teria perdido o bonde - e é o que vai acontecer na minha opinião."

A relevância do esporte a motor para uma montadora

Pela competição acirrada com outras marcas, a participação de uma montadora em um campeonato mundial de automobilismo sempre custou e sempre irá custar muito caro. Entretanto, este gasto faz sentido de acordo com Lucas di Grassi.

Para ele, o mundo das corridas é uma importante fonte para pesquisa, propaganda e marketing. "No final das contas, para uma marca estar envolvida no automobilismo precisa fazer sentido", disse. "Temos alguns apoios que precisam se sustentar: o desenvolvimento técnico e um valor de entretenimento que fortaleça a marca. A soma destes fatores tem que devolver mais do que a marca está investindo."

Como prova de que nem sempre uma montadora encontra isso no automobilismo, Di Grassi citou o fim da participação da Audi no Mundial de Endurance (WEC) em 2016, quando a escalada de custos e a falta do espetáculo fizeram a marca alemã desistir de participar do campeonato mesmo tendo tradição de vitórias nas 24 Horas de Le Mans.

"O que aconteceu no WEC? Estavam lá a Audi e Toyota, e aí entrou a Porsche. Tudo começou a ficar muito caro e o valor que era extraído do WEC na LMP1 era inferior à expectativa."

"Tínhamos uma baita estrutura e investia-se muito em desenvolvimento a ponto de termos um orçamento de Fórmula 1 para fazer só uma corrida no ano, que era Le Mans - a que importava. A conta não fechava. Saiu um, a pirâmide desmoronou e saiu o resto."

No entanto, na Fórmula E a Audi encontrou um campeonato no qual o investimento é justificado. O regulamento bastante restritivo no que diz respeito a áreas de desenvolvimento controla os custos e faz as disputas na pista serem sempre emocionantes.

Isso se soma ao fato de as corridas terem como cenário cidades destino de todo o mundo. Assim, diversas marcas como Nissan, Porsche, Mercedes, BMW, Jaguar e Mahindra foram seduzidas e atualmente disputam o mundial.

Mas há algo aproveitado pelos carros de rua mesmo com todas as restrições de desenvolvimento? Segundo Di Grassi, o benefício tecnológico obtido na competição ainda é importante.

"Aproveita-se bastante a parte de software de controle do motor elétrico, a parte de controle de bateria, a parte de freios regenerativos e outras tecnologias relacionadas a isso", contou.

"Em termos de motor elétrico e eficiência da unidade motriz, muita coisa aprendida já foi utilizada pela Audi AG. E isso foi retirado da Fórmula E."

Atualmente a Fórmula E encontra-se em sua sexta temporada e inclui entre seus pilotos diversos nomes que já passaram pela Fórmula 1, como o brasileiro Felipe Massa, Sebastien Buemi, o atual bicampeão Jean-Eric Vergne, além do próprio Di Grassi.