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CNH com maior validade e mais pontos? Especialistas discordam

Proposta do governo amplia limite de pontos e isenção para policial e frotistas - Robson Ventura/Folhapress
Proposta do governo amplia limite de pontos e isenção para policial e frotistas
Imagem: Robson Ventura/Folhapress

Alessandro Reis

Do UOL, de São Paulo (SP)

11/04/2019 07h00

Resumo da notícia

  • Projeto do governo propõe ampliar limite para motorista infrator perder a CNH
  • Deputado quer isentar motorista profissional de pontos
  • Especialistas apontam que pode ser uma boa ampliar validade da CNH
  • Flexibilizar limites de multa, porém, é ideia criticada
  • "Cultura da impunidade" poderia se ampliar no trânsito com limite frouxo

Nos próximos dias, o Ministério da Infraestrutura vai enviar projeto de lei ao Congresso para aumentar de cinco para dez anos o prazo de validade da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e também elevar de 20 para 40 pontos o limite para que o documento seja suspenso.

A proposta, que não terá caráter retroativo, é uma bandeira da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Em fevereiro, por meio de sua conta no Twitter, ele antecipou a intenção de flexibilizar esses itens, mencionando a necessidade de "desburocratização e economia". Recentemente, o dirigente atacou o que considera "indústria da multa" e falou em suspender instalação de novos radares em rodovias federais do país.

Em março, Tarcísio Freitas, o ministro da Infraestrutura, já havia defendido, em entrevista à "Rádio Gaúcha", maior prazo para renovação da habilitação. "Não faz sentido você tirar a carteira com 18, 19 anos e com 23, 24 você ter que renovar, a cada cinco anos. Observe que esse excesso de exigências não mostrou índices bons de segurança. A quantidade de mortes no trânsito é enorme e não é isso que está resolvendo o problema", opinou o chefe do Planejamento.

Nenhuma mudança proposta, porém, pode ocorrer de forma imediata. Para valerem, as novas regras exigem modificação no CTB (Código Brasileiro de Trânsito) e de resoluções específicas. Ou seja, além do aval dos congressistas em votação na Câmara e Senado, sem prazo para acontecer, dependem de validação do Contran.

Além disso, especialistas em segurança viária consultados pela reportagem, que contestaram total ou parcialmente pontos das propostas do deputado e do Ministério do Planejamento.

"Indústria da impunidade"

O principal temor é o reforço da cultura de impunidade com quem desobedece às leis e retrocesso nos tênues avanços em busca de um trânsito seguro, em um país que ainda faz cerca de 40 mil vítimas fatais a cada ano e é um dos que mais mata no mundo.

"No Brasil, transgredir as regras é um hábito nacional e todo mundo que dirige começou a sentir um aperto total, especialmente com a intensificação recente da suspensão das habilitações, o que é muito pior que a 'indústria da multa'", afirmou Eduardo Biavati, pesquisador especializado em segurança e educação no trânsito.

Biavati, que contribuiu para a redação do texto do CTB há mais de duas décadas, acredita que as propostas do projeto "reforçam a indústria da impunidade e não contribuem nada para maior segurança no trânsito", classificando a flexibilização como um "retrocesso".

"Qualquer afrouxamento nas regras de pontuação estimula a infração da lei e referenda atitudes de risco. Estacionar em fila dupla não mata ninguém, mas pode causar um congestionamento na via e resultar em acidente grave. No trânsito, qualquer infração pode ter consequências, por vezes imprevisíveis", apontou.

Para o pesquisador, o Brasil teve grandes avanços no trânsito nos últimos cinco por conta de multas mais pesadas, fiscalização mais eficiente e avanço no processamento das penalidades -- "em especial a suspensão da CNH" -- por parte dos Detrans. Mas há muito a ser feito.

"Nos últimos anos houve um endurecimento na penalidade para os maiores fatores de risco, como consumo de álcool, excesso de velocidade e falar no celular ao volante. Ainda assim, o Brasil é o quarto país do mundo em número de mortes por ano", concluiu.

E olha que a proposta defendida pelo governo nem é a mais elástica. Projeto de lei com propostas parecidas foi apresentado em dezembro passado no Congresso pelo deputado federal Roberto Alves de Lucena (Podemos-SP), prevendo, dentre outras coisas, ampliação de 20 para 50 pontos no prontuário anual de infrações.

Isenção para profissionais?

Lucena também propõe isentar de pontuação os taxistas, policiais e bombeiros, bem como médicos que porventura sejam multados no deslocamento para atender uma emergência -- o ministério ainda não informou se essa proposta estará no projeto de lei a ser enviado aos deputados federais e senadores.

Fernando Calmon, colunista de UOL Carros, engenheiro e jornalista especializado, discorda da proposta de redução dos pontos atribuídos por infrações e abrandamento de regras. Mas aponta que categorias de CNH de motoristas profissionais devem, sim, ter um limite maior.

"Essa categoria de motorista fica mais tempo no trânsito e, por estatística, fica mais sujeita a erros e distrações que podem resultar em multa e deve ter um tratamento diferenciado, como acontece em outros países", afirma.

Calmon aponta ainda algo que poderia ser rediscutido na tipificação de multas, mas que não consta da proposta de Lucena. Desde 2016, as multas são reajustadas automaticamente pela inflação, algo que não consta do texto original do CTB.

Em relação à ampliação na validade da CNH, a ONG Observatório de Segurança Viária concorda parcialmente com a proposta do governo e sugere condições para que o prazo seja ampliado.

"A ampliação do tempo de renovação deve ser precedida de critérios que envolvam uma avaliação clínica e psicológica do condutor, de acordo com sua faixa etária e sua atividade.

Condutores que exercem atividades remuneradas são os que estão o maior tempo do seu dia se deslocando no trânsito, necessitando assim de um acompanhamento de saúde mais frequente.

E ainda, a partir de uma certa idade, entre 60 e 75 anos, alguns cuidados também devem ser tomados quanto a condução de veículos automotores, principalmente relacionados aos reflexos a determinadas situações", avalia José Aurelio Ramalho, diretor-presidente da entidade.

Motoristas profissionais já têm alternativa

A respeito da ampliação no limite de pontos da CNH, o Observatório é contrário à flexibilização, inclusive a eventual diferenciação entre motoristas comuns e profissionais.

"Considerando que atualmente há 60 milhões de condutores com CNH e que, segundo levantamentos, de 15% a 18% deles são infratores contumazes, ou seja, cometeram mais de duas infrações ao ano, teremos aproximadamente 10 milhões de condutores beneficiados por essa medida, menos de 10% da população brasileira. Entendemos que, no trânsito, a hierarquia e a disciplina precisam ser comuns a todos os condutores. Logo, flexibilizar a pontuação vai contra esse posicionamento", opina Ramalho.

O órgão destaca que a legislação atual já dá uma margem maior a condutores que exercem atividades remuneradas.

Ao atingir 14 pontos na habilitação, esses condutores podem efetuar um curso preventivo de reciclagem, dentro do período de um ano, zerando o número de pontos naCNH. Portanto, aqueles que passarem pelo curso de reciclagem podem atingir até 34 pontos/ano, conforme previsto no CTB.

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Imagem: Ronaldo Silva/Futurapress/Folhapress