Recarga "livre" vai bombar carro elétrico no país, mas preço pode explodir
UOL Carros ouviu associação de donos de carros elétricos, bem como duas das maiores empresas do setor no mundo; regulação "solta" vai ampliar participação de marcas, mas falta de fiscalização preocupa
Na última semana, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou uma regulamentação "liberal" para a recarga de veículos elétricos no Brasil. Em linhas gerais, definiu que a recarga é um serviço e permite que qualquer empreendedor instale pontos de recarga, cobrando o que desejar pelo serviço -- ou ainda não cobre nada, usando-a como um chamariz para outros negócios, como em um estacionamento.
UOL Carros ouviu representantes das duas maiores empresas relacionadas ao setor de mobilidade elétrica no mundo, a suíça ABB e a chinesa BYD. Ouviu também a Abravei (que representa donos de carros elétricos). Todas apontam que forma da "regulação" feita pelo próprio mercado foi bem recebida e pode alavancar o mercado de carros eletrificados, que atualmente é irrisório.
Mas há ressalvas. A principal diz respeito ao patamar de preços: sem uma banda pré-estabelecida, nem fiscalização rígida, pode-se abrir espaço para cobrança de valores abusivos e até para a formação de cartel, com valores de recarga elétrica que beneficiam apenas os empresários, não o consumidor.
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BYD enxerga um gatilho para novas soluções
Muita gente desconhece o fato, mas a chinesa BYD é a maior fabricante de veículos eletrificados do mundo (foram quase 109 mil unidades em 2017, boa parte desse volume na China; é líder pelo quarto ano seguido em seu país e pelo terceiro ano seguido no globo), batendo Renault-Nissan (26 mil unidades) e Tesla (20.100).
Com planos concretos para o Brasil desde 2015, a fabricante de produtos eletrificados em geral (faz carros de passeio, utilitários leves, caminhões, ônibus e até monotrilhos, além de baterias, carregadores e placas solares) classifica a decisão como "muito benéfica" ao desenvolvimento do mercado. E pode ser uma das grandes beneficiadas por esse movimento: com produção de componentes de recarga e de chassis de ônibus elétricos no interior de São Paulo, além de planos para abrir fábrica de baterias em Manaus (AM) no segundo semestre, a empresa chinesa vai se lançar com força ainda maior no mercado de recarregadores públicos.
"A Aneel criou uma regulamentação que deixa muito aberto o mercado para que ele possa oferecer opções competitivas, sem depender necessariamente das concessionárias de energia", analisou Adalberto Maluf, diretor de marketing, sustentabilidade e novos negócios da BYD do Brasil.
De acordo com o executivo, à medida que a agência reguladora não restringe a venda por kWh consumido, permitindo cobrar simplesmente pela recarga, "quebra um monopólio", ao abrir espaço para que outros "players", que não as concessionárias de energia, possam operar. Assim, empresas como a própria BYD, mas também startups e novos modelos financeiros poderão investir em inovação.
"Não estamos mais engessados a usar concessionárias de energia, com elas detendo o monopólio da recarga. A BYD já está com um modelo de negócios pronto para comercializar eletropostos", disse.
Atualmente, a BYD diz ter 120 pontos de recarga instalados em locais públicos como shopping centers, restaurantes e postos de beira de estrada, principalmente na região que engloba corredores viários da região entre as cidades de São Paulo, Campinas e Sorocaba. Todos com recarga gratuita, por conta da falta da regulamentação até então.
Com a definição, a BYD pretende implantar novos eletropostos, sem qualquer dependência de concessionárias de energia. E, melhor do ponto de vista empresarial, cobrando pelo serviço: "Com as regras definidas, vamos expandir a disponibilidade de pontos públicos de recarga de veículos elétricos. Vamos lançar recarregadores solares e já temos os primeiros projetos para vender essa energia elétrica, oferecendo uma solução limpa para o transporte", afirmou Maluf.
Também servirá como chamariz para os automóveis da marca, que ainda são pouco conhecidos no Brasil: os modelos e5 (sedã) e e6 (minivan) serão ofertados em regime de aluguel, no qual os clientes que pagarem pelo período com os carros ganharão a recarga nos eletropostos da companhia.
"Milhões de eletropostos"
A reportagem também procurou a suíça ABB, uma das maiores fabricantes mundiais de soluções de recarga ao lado da BYD. A companhia, que já opera no Brasil em outros segmentos, como a automação de linhas de produção, e tem parceria em alguns eletropostos, sinalizou que tem planos para ampliar a atuação no mercado de recarga de veículos elétricos no Brasil. E calcula: a definição do regime para recarga elétrica fará o mercado de carros elétricos finalmente "bombar" no país em uma década, acompanhando a perspectiva global -- previsão que pode ser vista até mesmo como exagerada por alguns críticos.
Segundo as contas da ABB, a frota total de modelos eletrificados do país, atualmente na casa das 6 mil unidades, pode saltar para algo entre 1,2 milhão e 1,8 milhão de automóveis elétricos e híbridos plug-in (com baterias carregadas na tomada) até 2030. Mais: a oferta de pontos de recarga passaria de algumas centenas para "milhões de eletropostos".
"A ABB está preparada para a demanda que irá surgir e há um grande potencial para a mobilidade elétrica no Brasil", afirmou Gustavo Vazzoler, gerente de marketing e vendas de sistemas prediais da ABB para América Latina. "A previsão é que até 2030 o país tenha entre 1,2 e 1,8 milhão de carros elétricos e híbridos plug-in, com uma rede de recarga AC e DC que chegará a milhões de eletropostos".
Assim como a BYD, a ABB gerencia alguns eletropostos existentes entre as cidades de São Paulo, Campinas e Jundiaí, mas também é uma das responsáveis pela primeira "eletrovia" do país -- ao lado da Copel (concessionária de energia paranaense) está instalando pontos de recarga ao longo da rodovia entre Paranaguá e Foz do Iguaçu no Paraná.
Vazzoler acredita que, com a regulamentação livre, haverá "grande avanço na quantidade de instalações" de carregadores, tanto nas aplicações residenciais (com modelos que levam até 8 horas para fazer um recarga completa), quanto em aplicações para estacionamentos, postos de combustível e rodovias (onde aparelhos de alta potência e carregamento rápido permitem fazer o serviço em tempos de menos de 10 minutos).
"Em aplicações para postos muito movimentados ou grandes rodovias e corredores, temos a linha de carregadores ultrarrápidos DC, com potências entre 150 e 350 kW e tempo de carga variando entre 8 a 20 minutos", explicou, citando a família de carregadores "Terra HP", lançada recentemente na Alemanha, mas que poderia chegar rapidamente ao Brasil.
Cartel pode ser efeito colateral
É preciso tomar cuidado com o excesso de liberdade para o mercado, porém. Essa é a opinião de Edgar Escobar, presidente da Abravei (Associação Brasileira dos Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores), que vê "avanços" na regulamentação, mas pede a formação de fiscalização ampla e eficiente.
"Abriu-se uma porta para a infraestrutura de recarga se expandir no país. Agora o empreendedor tem condições legais para atuar nesse segmento", apontou Escobar.
O representante pondera que, se não houver uma fiscalização governamental referente à cobrança pela recarga, os valores podem disparar e o consumidor, que atualmente quase não existe, pode acabar sendo o grande prejudicado nesse futuro mercado.
"Me preocupa a regulação, se ficar muito livre pode haver preços abusivos e formação de monopólio por grandes empresas interessadas em lucrar com esse negócio", afirmou. "Poderia ser estabelecido um teto máximo de cobrança sobre a tarifa da Aneel, algo como um percentual de até 20%, por exemplo".
Segundo Escobar, a união de teto de cobrança com concorrência ampla seria o melhor dos cenários. "As empresas já estão pensando na forma de cobrança, ainda que seja indireta. Hoje há pontos de recarga em shoppings, hotéis e estabelecimentos comerciais, que não cobram diretamente pela energia consumida e sim ganham atraindo novos clientes ou cobrando uma taxa diferenciada de estacionamento. A cobrança terá vários modelos diferentes", projetou.
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