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Recarga "livre" vai bombar carro elétrico no país, mas preço pode explodir

Ponto de recarga na Alemanha: regulamentação vai colocar Brasil no compasso de grandes países? - Wolfgang Rattay/Reuters
Ponto de recarga na Alemanha: regulamentação vai colocar Brasil no compasso de grandes países?
Imagem: Wolfgang Rattay/Reuters

Alessandro Reis, Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

26/06/2018 04h00

UOL Carros ouviu associação de donos de carros elétricos, bem como duas das maiores empresas do setor no mundo; regulação "solta" vai ampliar participação de marcas, mas falta de fiscalização preocupa

Na última semana, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou uma regulamentação "liberal" para a recarga de veículos elétricos no Brasil. Em linhas gerais, definiu que a recarga é um serviço e permite que qualquer empreendedor instale pontos de recarga, cobrando o que desejar pelo serviço -- ou ainda não cobre nada, usando-a como um chamariz para outros negócios, como em um estacionamento.

UOL Carros ouviu representantes das duas maiores empresas relacionadas ao setor de mobilidade elétrica no mundo, a suíça ABB e a chinesa BYD. Ouviu também a Abravei (que representa donos de carros elétricos). Todas apontam que forma da "regulação" feita pelo próprio mercado foi bem recebida e pode alavancar o mercado de carros eletrificados, que atualmente é irrisório. 

Mas há ressalvas. A principal diz respeito ao patamar de preços: sem uma banda pré-estabelecida, nem fiscalização rígida, pode-se abrir espaço para cobrança de valores abusivos e até para a formação de cartel, com valores de recarga elétrica que beneficiam apenas os empresários, não o consumidor.

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BYD enxerga um gatilho para novas soluções

Muita gente desconhece o fato, mas a chinesa BYD é a maior fabricante de veículos eletrificados do mundo (foram quase 109 mil unidades em 2017, boa parte desse volume na China; é líder pelo quarto ano seguido em seu país e pelo terceiro ano seguido no globo), batendo Renault-Nissan (26 mil unidades) e Tesla (20.100).

Com planos concretos para o Brasil desde 2015, a fabricante de produtos eletrificados em geral (faz carros de passeio, utilitários leves, caminhões, ônibus e até monotrilhos, além de baterias, carregadores e placas solares) classifica a decisão como "muito benéfica" ao desenvolvimento do mercado. E pode ser uma das grandes beneficiadas por esse movimento: com produção de componentes de recarga e de chassis de ônibus elétricos no interior de São Paulo, além de planos para abrir fábrica de baterias em Manaus (AM) no segundo semestre, a empresa chinesa vai se lançar com força ainda maior no mercado de recarregadores públicos.

"A Aneel criou uma regulamentação que deixa muito aberto o mercado para que ele possa oferecer opções competitivas, sem depender necessariamente das concessionárias de energia", analisou Adalberto Maluf, diretor de marketing, sustentabilidade e novos negócios da BYD do Brasil. 

De acordo com o executivo, à medida que a agência reguladora não restringe a venda por kWh consumido, permitindo cobrar simplesmente pela recarga, "quebra um monopólio", ao abrir espaço para que outros "players", que não as concessionárias de energia, possam operar. Assim, empresas como a própria BYD, mas também startups e novos modelos financeiros poderão investir em inovação. 

"Não estamos mais engessados a usar concessionárias de energia, com elas detendo o monopólio da recarga. A BYD já está com um modelo de negócios pronto para comercializar eletropostos", disse. 

Atualmente, a BYD diz ter 120 pontos de recarga instalados em locais públicos como shopping centers, restaurantes e postos de beira de estrada, principalmente na região que engloba corredores viários da região entre as cidades de São Paulo, Campinas e Sorocaba. Todos com recarga gratuita, por conta da falta da regulamentação até então.

Com a definição, a BYD pretende implantar novos eletropostos, sem qualquer dependência de concessionárias de energia. E, melhor do ponto de vista empresarial, cobrando pelo serviço: "Com as regras definidas, vamos expandir a disponibilidade de pontos públicos de recarga de veículos elétricos. Vamos lançar recarregadores solares e já temos os primeiros projetos para vender essa energia elétrica, oferecendo uma solução limpa para o transporte", afirmou Maluf.

Também servirá como chamariz para os automóveis da marca, que ainda são pouco conhecidos no Brasil: os modelos e5 (sedã) e  e6 (minivan) serão ofertados em regime de aluguel, no qual os clientes que pagarem pelo período com os carros ganharão a recarga nos eletropostos da companhia.

"Milhões de eletropostos"

A reportagem também procurou a suíça ABB, uma das maiores fabricantes mundiais de soluções de recarga ao lado da BYD. A companhia, que já opera no Brasil em outros segmentos, como a automação de linhas de produção, e tem parceria em alguns eletropostos, sinalizou que tem planos para ampliar a atuação no mercado de recarga de veículos elétricos no Brasil. E calcula: a definição do regime para recarga elétrica fará o mercado de carros elétricos finalmente "bombar" no país em uma década, acompanhando a perspectiva global -- previsão que pode ser vista até mesmo como exagerada por alguns críticos.

Segundo as contas da ABB, a frota total de modelos eletrificados do país, atualmente na casa das 6 mil unidades, pode saltar para algo entre 1,2 milhão e 1,8 milhão de automóveis elétricos e híbridos plug-in (com baterias carregadas na tomada) até 2030. Mais: a oferta de pontos de recarga passaria de algumas centenas para "milhões de eletropostos".

"A ABB está preparada para a demanda que irá surgir e há um grande potencial para a mobilidade elétrica no Brasil", afirmou Gustavo Vazzoler, gerente de marketing e vendas de sistemas prediais da ABB para América Latina. "A previsão é que até 2030 o país tenha entre 1,2 e 1,8 milhão de carros elétricos e híbridos plug-in, com uma rede de recarga AC e DC que chegará a milhões de eletropostos". 

Assim como a BYD, a ABB gerencia alguns eletropostos existentes entre as cidades de São Paulo, Campinas e Jundiaí, mas também é uma das responsáveis pela primeira "eletrovia" do país -- ao lado da Copel (concessionária de energia paranaense) está instalando pontos de recarga ao longo da rodovia entre Paranaguá e Foz do Iguaçu no Paraná.

Vazzoler acredita que, com a regulamentação livre, haverá "grande avanço na quantidade de instalações" de carregadores, tanto nas aplicações residenciais (com modelos que levam até 8 horas para fazer um recarga completa), quanto em aplicações para estacionamentos, postos de combustível e rodovias (onde aparelhos de alta potência e carregamento rápido permitem fazer o serviço em tempos de menos de 10 minutos).

"Em aplicações para postos muito movimentados ou grandes rodovias e corredores, temos a linha de carregadores ultrarrápidos DC, com potências entre 150 e 350 kW e tempo de carga variando entre 8 a 20 minutos", explicou, citando a família de carregadores "Terra HP", lançada recentemente na Alemanha, mas que poderia chegar rapidamente ao Brasil.

Cartel pode ser efeito colateral

É preciso tomar cuidado com o excesso de liberdade para o mercado, porém. Essa é a opinião de Edgar Escobar, presidente da Abravei (Associação Brasileira dos Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores), que vê "avanços" na regulamentação, mas pede a formação de fiscalização ampla e eficiente.

"Abriu-se uma porta para a infraestrutura de recarga se expandir no país. Agora o empreendedor tem condições legais para atuar nesse segmento", apontou Escobar.

O representante pondera que, se não houver uma fiscalização governamental referente à cobrança pela recarga, os valores podem disparar e o consumidor, que atualmente quase não existe, pode acabar sendo o grande prejudicado nesse futuro mercado.

"Me preocupa a regulação, se ficar muito livre pode haver preços abusivos e formação de monopólio por grandes empresas interessadas em lucrar com esse negócio", afirmou. "Poderia ser estabelecido um teto máximo de cobrança sobre a tarifa da Aneel, algo como um percentual de até 20%, por exemplo".

Segundo Escobar, a união de teto de cobrança com concorrência ampla seria o melhor dos cenários. "As empresas já estão pensando na forma de cobrança, ainda que seja indireta. Hoje há pontos de recarga em shoppings, hotéis e estabelecimentos comerciais, que não cobram diretamente pela energia consumida e sim ganham atraindo novos clientes ou cobrando uma taxa diferenciada de estacionamento. A cobrança terá vários modelos diferentes", projetou.