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Elétrico, Renault Twizy aguenta o trânsito selvagem de São Paulo? Assista

Leonardo Felix<br>Eugênio Augusto Brito

04/12/2017 16h14

Teste do pequenino quadriciclo francês serve como exercício para descobrir como seria um dia a dia elétrico no Brasil atual

Não tem vidro; não tem ar-condicionado; não tem sistema de som; não tem porta-malas (você pode usar o porta-luvas com chave, que tem profundidade de uma garrafa PET de 600 ml); os retrovisores externos são ajustados na mão; aliás, não tem retrovisor interno; nem conforto.

Imagine sair com um carrinho de golfe perambulando em meio à avenida Faria Lima, uma das mais movimentadas de São Paulo. É quase essa a sensação que passa o Renault Twizy em meio ao trânsito, com a diferença de que ele possui uma posição de dirigir ainda mais baixa. Lembra quase um kart, ou um carrinho montanha-russa, se houver alguém "enfileirado" no assento de trás. UOL Carros testou o mini-elétrico francês por uma semana e viveu uma experiência diferente de tudo até hoje. Frisando: nem boa, nem ruim. Diferente.

Abre o semáforo e o carrinho é surpreendentemente esperto nas arrancadas. Como pesa só 474 quilos, tem o tamanho de um jogador de basquete deitado (2,33 m de ponta a ponta) e 5,8 kgfm de torque entregues de maneira instantânea (afinal, estamos falando de um veículo elétrico), é possível sair com ele da imobilidade com bastante agilidade.

Problema é que são apenas 17 cv de potência (na versão testada), o que significa que ele demora para pegar embalo em apresenta dificuldade para superar 50 km/h (a máxima declarada é de 80 km/h). Nada comprometedor sabendo que a maioria das vias de São Paulo não passa mesmo dos 50.

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Exposição

A primeira grande questão de estranheza está na incômoda sensação de exposição. Para um povo que já se acostumou a andar de vidros fechados, ar-condicionado ligado e insufilm forte nos vidros (as películas fora do padrão legal de transparência são universais, efeito colateral da realidade cada vez mais frequente diante do calor e das ameaças de assalto), rodar com um veículo tão minúsculo e aberto, em meio a carros e motos que passam o tempo todo ao seu lado, por vezes raspando, é um tanto incômodo.

"Ah, mas um motociclista também enfrenta esse mesmo problema diariamente". É verdade, mas o Twizy sequer tem a agilidade de uma moto.

De qualquer modo, é bastante interessante testar suas funcionalidades frente a um ambiente pouco acostumado com veículos dessa proposta. A conduta de outros motoristas foi positiva: a maioria respeitou o espaço e muitos até emparelharam para fazer perguntas. A mesma atitude de curiosidade e respeito veio dos motoboys

Muita, muita gente mesmo, veio perguntar que "bichinho" era aquele no trânsito. A reação, em geral, foi uma mescla de espanto com boa receptividade. Muita gente já havia ouvido falar do projeto, mas sequer imaginava que ele pudesse rodar no Brasil.

Curioso é que o Twizy está no Brasil, de modo não-oficial ou "em testes" desde 2012, quando UOL Carros o experimentou num circuito montado com cones do estacionamento da Rio +20, conferência global sobre sustentabilidade que movimentou o país e a cidade do Rio à época.

De lá para cá, a Renault disse que poderia vendê-lo localmente se o governo desse condição. Depois, o modelo ganhou uma lei própria! Passada em 2015, a lei do Twizy permite que um quadriciclo elétrico de abine fechada, quatro rodas, airbag e cintos de segurança, além de potência máxima de seu motor elétrico menor que 15kW (aproximadamente 20 cv) possa ser dirigido por qualquer pessoa com CNH do tipo B (a mesma de carros, enquanto quadriciclos comuns exigem o tipo A, de motos). Por fim, acabou sendo montado localmente (com peças trazidas do exterior com isenção) pela Usina de Itaipu. E integrou a frota de autarquias comos os Correios e até de empresas como a Porto Seguro (da área de seguros e serviços automotivos).

Mas nada de vendas abertas a pessoas físicas.

Imagine como seria interessante ter a opção de comprar um modelo elétrico para se descolar na cidade, que fosse ágil e custasse menos de R$ 30 mil?

Pois é: na França, o Twizy é vendido com este valor (7.800 euros), que é o mesmo patamar do carro a combustão mais barato do Grupo Renault-Nissan e suas marcas menores no país -- o Dacia Sandero custa exatamente esse valor. Não há como fazer paralelo preciso, mas o carro mais barato do grupo no Brasil é o Kwid, que começa em pouco mais de R$ 29 mil...

Pela raza lei de incentivo que temos por aqui, ele não pagaria IPI e ainda teria reduções de ICMS se fosse feito localmente. Fora que não é afetado pelo rodízio paulistano. Seria um começo, houvesse vontade de todas as partes para ver o modelo fabricado e rodando entre nós.

Dureza nas vias

Rodar não é bem o termo: dinamicamente foi o ponto em que o pequeno elétrico mais sofreu. Atenção: o Twizy tem boa construção em termos de suspensão e carroceria para sua proposta. Mas o conjunto de amortecimento é extremamente "seco", dando curso muito cedo, para nossas vias. Isso transformava cada ondulação em martírio. Como em São Paulo as irregularidades de pavimento são muitas... dá para imaginar a sensação.

Volante, apesar da assistência elétrica, também se mostrou duro, com o agravante de dar rebote a cada buraco. Freios fundos, banco rígido e ausência de ar-condicionado completam o pacote da "sofrência". Ainda assim, há airbag (único), frios com ABS e discos proporcionalmente grandes nas quatro rodas e cintos de três pontos.

Também fruto dos testes locais, o Twizy pode ser carregado em qualquer tomada comum de três pinos do padrão brasileiro. Bom, né? Nessa situação e com um rede 220V, é possível dar meia carga rápida (50%) em pouco mais de uma hora, chegando à carga completa (suficiente para 100 km na teoria) em até seis horas. Acontece que a rede precisa ser devidamente aterrada, algo que mesmo prédios comerciais no Brasil nem sempre oferecem. Da mesma forma, a troca pela tomada de três pinos inviabilizou o carregamento em alguns pontos de recarga elétricos que já existem em São Paulo -- estes usam o sistema rápido, 330V trifásico com um plugue diferente. Só um shopping center na Zona Oeste da cidade nos salvou a vida, com uma tomada providencial perto da vaga para elétricos.

Não dá para falar em "pane no sistema" ou "falta de condições do Brasil para sustentar carros elétricos", porque sequer temos uma frota condizente com testes iniciais. Além do mais, carros elétricos são mais inteligentes que o seu celular. O Twizy sofreu para encarar a subida da avenida Rebouças em direção à avenida Paulista, perdendo muita carga, mas fez a volta com um pé nas costas e regenerando energia, graças ao sistema especial ligado aos freios. Encaramos uma dessas situações de subida de ladeira com 14 quilômetros de autonomia, chegamos ao "topo" da Paulista com apenas 8 km, mas ao retornar para o "vale" tínhamos novamente 14 km.

Houvesse um sistema elétrico decente na vaga da garagem, o Twizy poderia até ser recarregado em horário programado. Ou até doar essa energia "ganha" na regeneração para o prédio ou domicílio.

Ou seja, se há perda de um lado, pode haver ganhos de outro. Seu celular não se recarrega sozinho em condição alguma. Ainda assim, é dureza não saber onde reabastercer/recarregar com certeza. E, de todo jeito, é necessário discutir infraestrutura antes de falar das possibilidades de um carro elétrico.

No fim das contas, o Twizy se mostrou um aliado interessante ao achar vagas e escapar do tráfego. Mas só fica algo válido em países com estrutura viária mais desenvolvida, bem como com estrutura energética definida. O Brasil ainda está aquém do necessário para receber um veículo com ele. Uma pena.