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Especialista diz que montadoras fraudam testes de poluição há anos

Gero Rueter

Da DW

23/09/2015 18h39

O uso de softwares para fraudar os testes de emissões de gases poluentes por veículos é um "segredo de polichinelo", afirma o especialista alemão Gerd Lottsiepen, porta-voz da ONG Clube do Transporte (VCD), que luta por uma mobilidade social e ambientalmente responsável. O expediente levou à queda do chefão da Volkswagen global, Martin Winterkorn, nesta quarta-feira (25).

"Quando os engenheiros falam de forma informal, muitas vezes você ouve frases como 'bem, como todo mundo faz, temos que fazer também'", declarou Lottsiepen, em entrevista à DW.

Assim, o software provavelmente não é uma exclusividade da Volkswagen. "Suspeitamos que outros fabricantes também dispõem dessas possibilidades técnicas e as utilizam há vários anos", sublinhou.

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Presidente-executivo do Grupo Volkswagen, Martin Winterkorn - Jochen luebke/EFE - Jochen luebke/EFE
Presidente da VW desde 2007, Martin Winterkorn renunciou em meio ao escândalo
Imagem: Jochen luebke/EFE

Confira a entrevista com Gerd Lottsiepen:

Gerd Lottsiepen, engenheiro da ONG Clube do Transporte Alemão (VCD) - Andreas Labes/VCD - Andreas Labes/VCD
"Já suspeitávamos disso [fraude em testes] há muito tempo, mas faltava uma prova evidente", afirma Lottsiepen
Imagem: Andreas Labes/VCD
DW: Como funcionam as manipulações nos testes de emissão de gases poluentes?

R: Um software reconhece, em conjunto com um pequeno computador, que o veículo não está rodando numa situação normal, mas que está sendo submetido a um teste. Ele reconhece, por exemplo, que as rodas dianteiras giram, mas que o carro não se move. Isso é fácil de reconhecer com a ajuda do GPS. Mas existem outras possibilidades de detectar, com o software, o procedimento de teste para vistoria.

DW: Foi desenvolvido um software especialmente para reconhecimento do procedimento de vistoria?

R: Isso é algo que surgiu nos últimos anos. Já suspeitávamos disso há muito tempo, mas faltava uma prova evidente. Ela foi apresentada pelas autoridades americanas.

O veículo reconhece o procedimento de teste, e então tudo corre bem na vistoria. As emissões de poluentes e de CO2 ficam abaixo do limite, e o consumo de combustível é baixo. Mas esses valores não correspondem aos valores de uma situação real, no trânsito.

DW: O senhor diz que esse escândalo é apenas a ponta do iceberg. Por quê?

R: Suspeitamos que outros fabricantes também dispõem dessas possibilidades técnicas e as utilizam há vários anos. O que também chama a atenção é o consumo de combustível especificado pelos fabricantes. A diferença entre o valor no papel e na realidade das ruas é cada vez maior. Esse é um indício de que diferentes métodos são usados para burlar a vistoria.

DW: O senhor tem provas? O que dizem os engenheiros?

R: Em círculos oficiais, ninguém admite que ocorra a detecção do procedimento de vistoria, afinal isso é ilegal nos EUA e na Europa. Mas na Europa não há, infelizmente, as multas que existem nos EUA. Quando, no entanto, os engenheiros falam de forma informal, muitas vezes você ouve frases como "bem, como todo mundo faz, temos que fazer também". É um segredo de polichinelo que esse software é usado para detectar a vistoria.

DW: que falta para uma prova segura?

R: Para termos a prova, temos que realizar testes adicionais. Nós fizemos alguns testes, em cooperação com a Deutsche Umwelthilfe [ONG ambientalista], mas eles são muito caros. E, para termos uma prova segura, precisamos de uma série de medições mais amplas. Isso foi feito nos EUA, e o que era suspeita virou prova. Além disso, a Volkswagen admitiu que fraudou o teste para mascarar emissões.

DW: Os filtros de diesel parecem não diminuir as emissões em condições reais, de trânsito. Isso não seria perigoso?

R: Trata-se dos óxidos de nitrogênio, substâncias altamente tóxicas que irritam as vias respiratórias, provocam reações alérgicas e atacam o organismo. Nos últimos anos, autoridades na Alemanha descobriram que, embora a qualidade do ar nas cidades tenha melhorado, ela não melhorou na mesma proporção que teria que ser, considerando as novas tecnologias de veículos automotores.

DW: O que isso significa para as cidades na Europa?

R: Na UE, há limites para as emissões de veículos novos. Com isso, na verdade, o ar deveria ficar mais limpo. Pensávamos que agora, com o novo padrão para os veículos a diesel, o problema dos óxidos de nitrogênio poderiam estar virando coisa do passado. Mas há algum tempo vêm surgindo notícias, e não apenas desde o fim de semana passado, de que são emitidos muito mais óxidos de nitrogênio no tráfego real do que o permitido.

Para muitas cidades, esse é um grande problema. A qualidade do ar prescrita não pode ser cumprida. E agora vem se tornando cada vez mais claro o porquê. As montadoras não devem estar enganando só há algumas semanas e meses nos EUA. Podemos supor que elas fazem isso também na Europa. Por isso o escândalo da Volkswagen é apenas a ponta do iceberg.

DW: Carros foram manipulados, e as pessoas adoecem. Isso poderia ser considerado lesão corporal dolosa?

R: Podemos dizer que sim.

DW: Haverá consequências para esse escândalo?

R: Eu acho que a política está acordando. Há negociações na UE para novos testes, e espero que as lacunas sejam fechadas e que haja consequências legais para essas violações. As pessoas têm direito ao ar limpo. Exigimos que os políticos realmente façam alguma coisa e abandonem sua proximidade com a indústria automobilística neste momento. Os EUA nos deram o exemplo.

DW: O senhor acredita que um dia as informações fornecidas pelos fabricantes em relação a consumo de combustível, emissões de CO2 e de poluentes serão compatíveis com a realidade?

R: Sim. As informações fornecidas pelos fabricantes devem ser honestas, deve haver controles, e as fraudes devem ser punidas. Hoje praticamente não há na Europa medições suplementares realizadas por instituições estatais. Mas precisamos de controles. Isso é bom para a saúde e os bolsos dos cidadãos.

DW: Possivelmente também foram vendidos na UE carros com informações falsas. Eles devem ser recolhidos?

R: Isso tudo é muito difícil. Há técnicas diversas para redução dos óxidos de nitrogênio. A tecnologia SCR [sigla em inglês para redução catalítica seletiva] é realmente uma técnica limpa que funciona se o software do carro não desligar esse sistema e o aditivo necessário for injetado. Talvez seja suficiente usar um outro software. Os custos disso têm que ser pagos pela indústria automobilística.

DW: O escândalo Volkswagen também teria um efeito positivo?

R: Eu vejo isso como uma oportunidade para o meio político controlar mais fortemente a indústria automobilística. Para a indústria automobilística, a própria credibilidade é também uma importante ferramenta de publicidade e de vendas. E os executivos deveriam entender isso e agir nesse sentido.