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New Fiesta sedã, ruim de loja e bom de rua, abre alas para o hatch

<b>New Fiesta esbanja estilo e tem preço interessante, mas vendas são medíocres</b> - Murilo Góes/UOL
<b>New Fiesta esbanja estilo e tem preço interessante, mas vendas são medíocres</b> Imagem: Murilo Góes/UOL

Claudio de Souza

Do UOL, em São Paulo (SP)

06/05/2011 20h16

Há pouco tempo tratamos o novo Volkswagen Jetta por "Borão" ou "Passatinho", referindo-nos às suas versões com motor 2.0 aspirado e 2.0 turbo e câmbio DSG. A decisão da marca alemã de aposentar o Bora para abrir caminho à nova geração do modelo facilitou a blague. O mesmo raciocínio vale para o Honda City, cuja existência se justifica principalmente por ser um "mini-Civic". Todos estes são carros globais -- assim como é global o Ford New Fiesta, por ora vendido no Brasil apenas na carroceria sedã. Embora muito mais antigo, foi somente na geração lançada em 2009 que esse compacto evoluiu a ponto de merecer o apelido de "mini-Focus", numa referência a seu primo de maior porte e refinamento.

Qualquer dúvida, basta compará-lo ao Fiesta Rocam, baseado na geração anterior do modelo ianque: parecem carros vindos de dois mundos antagônicos. Mais que isso: New Fiesta e Focus dividem o mesmo propulsor, o elogiado Sigma bicombustível de 1,6 litro (há versões do Focus com motor 2.0), fabricado no Brasil.

Enquanto o hatch não chega, o New Fiesta três-volumes patina nas vendas no Brasil. Número extra-oficial oferecido pela Ford aponta entre 9 mil  e 10 mil emplacamentos de setembro de 2010 até o final de abril último. Já segundo a Fenabrave (associação das distribuidoras de veículos), de janeiro a abril deste ano foram emplacadas 11.311 unidades do que a entidade chama genericamente de "Fiesta Sedan". O número é a soma das vendas de Fiesta Rocam sedã e de New Fiesta -- um método de ranqueamento comum na Fenabrave, que junta Corsa Sedan e Classic no mesmo dado, por exemplo.

Nenhum dos números emociona. Nos últimos quatro meses cheios, o Honda City sozinho emplacou 10.932 unidades; o Kia Cerato, movido apenas a gasolina, vendeu 7.493 carros. Num segmento formado por sedãs pequenos e compactos (ainda seguindo a lógica da Fenabrave) o Fiesta ficaria em 6º no Brasil. Isolado, o New Fiesta cairia muitas posições.

Será que o preço não ajuda? Ou será que a energia empresarial da Ford verde-amarela, hoje num distante e incômodo quarto lugar no mercado (na mira de Renault, Hyundai e outras), é insuficiente para marquetar um produto do nível do New Fiesta? Perguntamos isso porque, se brasileiro gosta mesmo é de carro bonito, duvidamos que o problema seja o visual do sedã. Comentários a respeito de estilo e equipamentos acompanham as belas fotos de Murilo Góes, abaixo:

Atualmente, a versão única do New Fiesta, denominada SE, parte de R$ 50.700. De série, estão incluídos itens como ar-condicionado com saída para o banco de trás, direção com assistência elétrica, travas e vidros elétricos, computador de bordo, som com seis alto-falantes, ajuste de altura e profundidade do volante, rodas de liga aro 15" e variados itens visuais (grade frontal cromada) e de conforto a bordo (cinco porta-copos). Por mais R$ 1.270, totalizando R$ 51.970, o carro virá com sistema ABS (antitravamento) nos freios. E se você ouviu a Ford se gabar dos sete airbags do New Fiesta, saiba que eles existem -- mas aí o modelo vai a R$ 55.770. Completando esse pacote top, bancos revestidos em couro, terceiro apoio de cabeça, luz de leitura e porta-revistas traseiros e insertos cromados no volante.

O Honda City EX, porta de entrada da gama, custa R$ 53.620 (com airbag duplo, sem ABS); a versão top com câmbio automático bate em inacreditáveis R$ 72.625. Já o Cerato começa em R$ 53.400 (com airbag duplo, sem ABS) e vai a R$ 64.900 (A/T de seis marchas). Ou seja: os preços do New Fiesta estão alinhados aos da concorrência, e não oferecer câmbio automático faz com que ele pareça mais barato.

IMPRESSÕES AO DIRIGIR
UOL Carros
experimentou uma unidade completíssima do modelo ao longo de uma semana. Já que ver um New Fiesta nas ruas é um evento ainda raro, foi uma boa chance de apreciarmos suas linhas ousadas, especialmente seu terceiro volume elevado e bojudo, mas arrematado por lanternas de porte modesto, parecidas com a do Mondeo europeu -- uma sacada de design que dá harmonia ao conjunto. Na dianteira, os faróis afilados aprofundam o estilo Kinetic, mas foi nessa parte do carro que a Ford errou feio: as luzes de neblina com LEDs verticais ficaram encaixotadas no México, de onde o New Fiesta é importado com tarifa zero. Deixaram dois nichos nas extremidades do parachoques, tapados com arremates de plástico preto.

Na cabine, a sensação geral é de acabamento esmerado, na média ou acima do que se encontra nos carros nacionais e do Mercosul com preços até R$ 60 mil. Os materiais são agradáveis e a montagem parece cuidadosa. Destaque para o estilo "espacial" do painel de instrumentos e do console, modernoso e com peças abusando do formato de asa. Nisso o New Fiesta não é um mini-Focus: é melhor.

Mas o prefixo "mini" vale para as dimensões de seu habitáculo. Com 2,49 metros de entre-eixos, o New Fiesta não é cortês com passageiros do banco de trás, e mesmo o motorista e seu vizinho podem se sentir oprimidos lateralmente -- a largura total (externa) é de 1,7 metro (a interna fica em torno de 1,6 metro). Até o embarque pode ser complicado, especialmente para quem meça 1,75 metro ou mais: o New Fiesta tem 1,44 metro, e abordá-lo é uma operação que pede contorções corporais. Para constar, o "obsoleto" Fiesta Rocam tem o mesmo entre-eixos do novo modelo e 5 cm a mais na altura -- além de maior capacidade de bagagem, a despeito do "bundão" do New Fiesta. São 491 litros contra 440.

Com o carro em movimento, salta aos ouvidos o bom trabalho de isolamento acústico da cabine. É um ambiente de calmaria que combina bem com o funcionamento suave de quase tudo no New Fiesta: a direção é leve, o pedal da embreagem parece acoplado a um bloco de manteiga, o câmbio pode ser acionado com dois dedos etc. O interessante é que, mesmo apresentando curvas de torque e potência conservadoras, quase nunca o motor "grita" ao obedecer o motorista. Os 115 cavalos com etanol surgem aos 5.500 giros, e os 16,2 kgfm, também com etanol, aos 4.250 rpm.

Bem-resolvido, esse trem de força do New Fiesta foi capaz de surpreender no consumo. Após rodar 365 km com o carro em trechos urbanos e rodoviários, o computador de bordo registrou excelente média de 10 km/litro de etanol. Com um eventual futuro câmbio automático, esse número tende a piorar, mas é quase certo que o sistema sem pedal de embreagem será disponibilizado nesse carro.

A suspensão do New Fiesta não tem a sofisticação da usada no Focus, que é independente nas quatro rodas. O sedã oferece McPherson à frente e barra de torção atrás. Acompanhando a "maciez" generalizada do modelo, o ajuste do sistema privilegia o conforto e se entendeu bem com o asfalto vergonhoso das ruas e avenidas de São Paulo -- um pouquinho mais de ousadia (leia-se, firmeza) tornaria o New Fiesta mais divertido de guiar em estradas de boa pavimentação. Tudo é uma questão de proposta.

Qualidades o New Fiesta tem de sobra. Curioso que a Ford tenha optado por trazer primeiro o sedã, talvez pensando em criar um "buzz" para a chegada do hatch, que seria o verdadeiro pulo do gato do modelo -- até mesmo por ter adversários mais evidentes (Volkswagen Polo, Citroën C3, Fiat Punto, Honda Fit). Historicamente, as carrocerias três-volumes do Fiesta sempre venderam mal no Brasil. O Focus sedã (ou "maxi-New Fiesta") também vai devagar. Em suma: o que vemos desde setembro do ano passado é, na verdade, um longo lançamento do New Fiesta dois-volumes.