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Montadoras tentam explicar preços mais altos das peças originais

Da Auto Press

21/06/2010 19h38

O pós-venda sempre foi assunto delicado no universo automotivo. Muito por conta do preço das peças. Historicamente, os componentes originais, aqueles fabricados de acordo com as especificações da montadora, que recebem o emblema da marca na caixa e são vendidos pela rede de concessionárias, são (bem) mais caros que os itens comercializados no mercado geral. Em alguns casos, é verdade que a chamada peça genuína -- aquela fabricada pela mesma empresa que produz para a marca, mas não tem a chancela da montadora -- nem sempre utiliza a mesma matéria-prima da chamada peça original. Mas a diferença de qualidade deveria ser realmente muito grande para justificar diferenças de preço de até 200%.

Se a comparação for com a chamada peça "genérica", produzida por uma empresa que não fornece à fábrica e é encontrada no chamado mercado paralelo, as diferenças são ainda mais chocantes. Uma peça original pode custar até seis vezes mais. As montadoras, contudo, ressaltam que sequer avaliam as especificações ou pesquisam a procedência dessas peças. "Vários fatores compõem o preço de uma peça original e têm a ver com qualidade. O mercado paralelo oferece peças que não são homologadas pela montadora e têm menor eficiência", argumenta Rodolfo Possuelo, gerente de marketing de serviços da Ford.

Afonso Carlos/Carta Z Notícias
 

O discurso das montadoras historicamente também costuma ser o mesmo. Apela para a qualidade das peças originais e para a garantia dos veículos. Afinal, qualquer item não original colocado no carro pode implicar na perda da garantia de fábrica. Mesmo assim, as montadoras perceberam que preços atraentes no pós-venda implicam também em clientes mais fiéis para as marcas e para a rede de concessionárias. Tanto que os preços dos itens originais vêm caindo gradativamente em relação às outras, embora ainda não estejam próximos. De qualquer forma, nem de longe lembram a disparidade de preços que havia nos anos 1980, quando só existiam quatro marcas -- uma oferta muito pequena para a prática da infidelidade.

Agora, praticamente todos os fabricantes passaram a trabalhar com preços fechados de peças e revisões até como instrumento de venda do carro. "É claro que há percepção de preço por parte do cliente. As concessionárias eram locais onde o valor era inacessível. Hoje é parte da imagem que o pós-venda é acessível", reconhece Alessandro Vetorazzi, gerente de marketing pós-venda da Renault.

RÁPIDAS

Um estudo na Europa revelou que 25% das peças de reposição vendidas por lá são de itens da carroceria. Em parte porque o custo da mão de obra torna os serviços de funilaria muito caros.
A Ford adota uma cesta básica de peças como argumento de marketing de venda de seus carros. Essa cesta inclui 70 itens apontados como os de maior incidência de trocas.
Em média, 80% das visitas a uma revenda autorizada são motivadas por manutenção do veículo.
Segundo a Anfape, o faturamento do mercado paralelo de peças foi de R$ 70 bilhões no ano passado. Ainda de acordo com a entidade, 61% dos proprietários dos 27 milhões de veículos que circulam no Brasil recorrem aos serviços de oficinas independentes.

Por outro lado, os fabricantes de peças paralelas costumam se interessar apenas por itens que vendem bastante. E é essa maior ou menor oferta que explica a diferença de preços entre peças similares. Um vidro dianteiro da Hilux SW4, por exemplo, custa R$ 350, enquanto o vidro traseiro chega a salgados R$ 1.200. O para-choque dianteiro, por sua vez, costuma ser mais caro do que o traseiro. Para o Nissan Tiida, por exemplo, o item genuíno da frente custa R$ 339 e o de trás, R$ 722. Além do volume de vendas, pode haver outros motivos para este tipo de diferença. "Elas podem ser similares, mas ter composições diferentes, como vidros verdes, temperados ou laminados. Há também diferenças de área e curvatura, que também afetam o custo. Cada caso deve ser analisado separadamente", garante Armando Carvalho, gerente de peças, acessórios e marketing de pós-venda da Fiat.

Essa diferença inusitada de preços para peças aparentemente iguais ocorre até mesmo no mercado paralelo. "Nesse caso, um fator determinante é a concorrência. Se só um fabricante tiver aquela peça, vai tirar proveito disso. É assim que o mercado funciona", admite Renato Fonseca, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças (Anfape). Há questões de incidência de choque de um lado para o outro. No caso dos para-choques, a frequência de avarias na frente é maior, assim como o conjunto óptico da esquerda geralmente leva a pior nas batidas.

"Como se tem mais volume, o custo é menor e pode ocasionar essas diferenças", pondera Vetorazzi, da Renault. "Os veículos normalmente batem mais de frente do que de traseira. Por isso, podem ter um conjunto e uma estrutura diferenciadas", explica Possuelo, da Ford. "Escala de produção costuma baratear as peças. As mais usadas tendem a ser mais baratas", faz coro Armando Carvalho, da Fiat. (por Fernando Miragaya)

Fabricantes de carros versus fabricantes de peças

Uma rixa entre os fabricantes independentes de peças e três montadoras se arrasta por mais de dois anos no Cade (Conselho Nacional de Direito Econômico). Em 2008, a Associação Nacional de Fabricantes de Autopeças (Anfape) entrou com uma representação no órgão contra Fiat, Volkswagen e Ford. Ela acusa as marcas de abuso de poder econômico.

Segundo a entidade, as montadoras estão patenteando o desenho de componentes como capôs, parachoques, paralamas, faróis e retrovisores. Com isso, os fabricantes de autopeças ficariam proibidos de produzir e vender qualquer componente sobre os quais as montadoras detenham registro.

A Anfape alega que não há uma cópia do projeto, que seria o carro. "Se o consumidor não puder ter opção de escolha, aí vira monopólio", acusa Renato Fonseca, presidente da entidade. As montadoras, por sua vez, dizem que as peças são criadas no desenvolvimento do carro e que fazem parte do projeto. No entanto, a Anfavea, entidade que reúne os fabricantes de automóveis, e as montadoras envolvidas no processo do Cade não têm uma posição oficial sobre o assunto.