Desde os anos 1950, são os carros da Citroën que levam o apelido de 'tapetes voadores' devido a um elegante sistema de suspensão hidropneumática desenvolvida pelos franceses. A ideia de suavizar ao máximo o balanço do veículo é antiga, e diversas montadoras empregam soluções variadas (em modelos de luxo, principalmente). Mais uma vez, entretanto, parece que os chineses atingiram um novo patamar de tecnologia, recorrendo a ideias que pareciam sem futuro, mas que mostraram sua viabilidade com o novo Nio ET9 (US$ 110.000, aproximadamente). O SUV cupê elétrica da fabricante de Xangai furou a bolha e viralizou nas redes sociais. Em diferentes vídeos, o ET9 atravessa lombadas e obstáculos variados, com taças de champanhe na carroceria que mal derramam uma gota. A suspensão "mágica" também exibiu aparente superioridade contra carros europeus muito mais caros, como o BMW i7 (R$ 1.372.950 no Brasil). A tecnologia da Nio não é exatamente nova, além de corresponder a um raro caso de chineses adquirindo patentes ocidentais ao investir de criarem novas técnicas: a montadora investiu US$ 39 milhões na ClearMotion, dos Estados Unidos. A ClearMotion, por sua vez, existe basicamente para aproveitar um projeto que tomou décadas de pesquisa e desenvolvimento da Bose — uma das fabricantes de fones e alto-falantes mais prestigiadas do mundo. A ideia da "super suspensão" veio do próprio fundador, Amar Bose. O engenheiro eletricista sabia que sistemas como o da Citroën eram complexos, com alto custo de manutenção e muito peso adicionado ao carro. Dessa forma, a abordagem do Project Sound envolveu partes mecânicas mais simples, com foco nos comandos eletrônicos. No fim das contas, os especialistas da Bose adaptaram o que tinham de melhor em termos de algoritmos e ajustes de áudio, criando um motor elétrico acoplado aos amortecedores e capaz de aliviar ou exercer pressão em cada roda individualmente. O problema é que, no fim do século XX, a computação não era avançada o suficiente para dar conta de todo processamento necessário. Além disso, Amar Bose tinha certo comportamento obsessivo com o projeto, e sempre buscava melhorar a tecnologia mesmo que ela ficasse mais cara — foram cinco anos só para refinar as equações do conjunto, por exemplo. Por conta disso e das fabricantes focarem em suspensões de própria autoria, o Project Sound foi engavetado por volta de 2004. Apenas um Lexus LS 400 foi equipado com a suspensão, mas os vídeos de testes mostram um resultado que, décadas antes, já era semelhante ao do Nio ET9. Segundo uma entrevista de Amar Bose à Wards Auto, em 2007, houve interesse de marcas como Honda, Jaguar, Mercedes-Benz e Ferrari. As negociações, entretanto, não avançaram, sem motivos claros do porquê. Uma nova chanceEm 2017, a suspensão automotiva da Bose já se resumia a folclore automotivo, mas a startup ClearMotion decidiu que conseguiria torná-la viável economicamente. Segundo informações do SEC (Stock Exchange Comission), foram mais de US$ 100 milhões arrecadados junto a investidores a fim de comprar, da Bose, os protótipos, patentes e softwares que foram desenvolvidos. A estratégia envolveu simplificar as partes mecânicas e focar, ainda mais, na parte dos cálculos computacionais, a fim de baratear o custo do produto. Aparentemente, deu certo, pois, em 2023, a Nio fechou um contrato com a ClearMotion envolvendo uma fábrica na China e fornecimento de suspensões para 750.000 carros ao longo dos próximos anos. Os engenheiros da Nio unificaram a suspensão a outros sistemas do ET9 — que estreou a tecnologia: como no projeto original, há sensores que leem o pavimento e podem fazer 1.000 ajustes por segundo em cada roda. Além disso, toda a frota de carros da Nio rodando pela China envia, constantemente, dados obtidos do sistema de câmeras e radares de automação veicular, permitindo que o ET9 se antecipe à rua que ele atravessará. Rebatizado de SkyRide, o conjunto eletromagnético recebe atualizações via internet, incluindo novos recursos como um sistema antienjoo à medida que são desenvolvidos. Já há, também, um modo que chacoalha o carro para remover neve acumulada e até um jogo em que o usuário movimenta o smartphone e a inclinação é replicada pelo SUV, que já é vendido por cerca de US$ 100.000 no mercado chinês. |