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Por que Stellantis domina mercado brasileiro e seus rivais demoram a reagir

Strada é o veículo mais vendido do Brasil - Divulgação
Strada é o veículo mais vendido do Brasil Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

04/04/2022 04h00

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Na época em que existiam apenas quatro fabricantes de carros no mercado brasileiro, nos anos 70, a Volkswagen chegou a ter mais de 50% de participação de mercado. Esse domínio foi diminuindo ao longo daquela década e das duas seguintes, com a chegada de novos concorrentes e o avanço das antigas rivais.

Naquela época, além da Volkswagen, atuavam no Brasil apenas Ford, Chevrolet e Fiat. Depois, vieram empresas como Toyota, Honda, Renault, Peugeot e Citroën, entre outras. A maioria se manteve como produtora de veículos no Brasil.

Essas empresas ganharam depois a companhia da Nissan, da Hyundai e da Caoa Chery, para citar algumas das fabricantes mais recentes do Brasil. A Ford, no entanto, agora é apenas importadora.

Em um mercado com mais de 15 fabricantes de automóveis e comerciais leves, uma empresa vem se destacando. Em participação, ela ainda não está no mesmo patamar daquele um dia obtido pela Volkswagen. Mas, num universo com tantos competidores, seu feito chama bastante a atenção.

A Stellantis tem, no acumulado de 2022, quase 35% de participação no mercado brasileiro. Na comparação com 2021, já avançou três pontos percentuais nesse índice. A empresa é formada, no Brasil, pelas marcas Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën e Ram.

A composição da Stellantis

Um olhar superficial pode apontar que o excesso de marcas é a razão do domínio da Stellantis. Essa é uma análise equivocada. Em 2021, Peugeot e Citroën conquistaram menos de 3% do mercado. Neste ano, aumentaram a participação para aproximadamente 4%. Já a Ram, nos dois casos, ficou com menos de 1%.

É claro que os números dessas marcas contribuem para o avanço da Stellantis. Porém, as que fazem mesmo a diferença são a Fiat e a Jeep. Juntas, elas têm cerca de 30% do mercado de carros. Foi o avanço de ambas que possibilitou o domínio da Stellantis.

O mais curioso é o da Jeep, uma marca com gama sem nenhuma diversidade. De nacionais, há três modelos, todos SUVs: Renegade, Compass e Commander. A Fiat tem uma linha tão diversa quanto a da Chevrolet e da Volkswagen, suas principais concorrentes.

Porém, os modelos Fiat que realmente fazem a diferença não são Argo, Mobi, Cronos ou Pulse. As vendas vêm sendo impulsionadas por duas picapes.

Crise dos semicondutores

A Volkswagen sempre foi sozinha, e ainda é. Do grupo de que faz parte, a Audi também atua no Brasil como fabricante, e a Lamborghini está aqui por meio de um representante nomeado. Ambas têm participação pequena.

Além disso, diferentemente do que ocorre na Stellantis, em que as marcas são integradas no Brasil, Audi e Volkswagen atuam em operações separadas e independentes. Por isso, não dá para descartar a reunião de montadoras, especialmente da Jeep e da Fiat, como um dos fatores para o domínio.

Mas o principal é a crise dos semicondutores. Considerando apenas marcas, não grupos, antes da pandemia a liderança era da Chevrolet, que acabou sendo uma das que mais sofreram no período.

Em partes de 2020 e em todo o primeiro semestre de 2021, a produção de seus carros-chefes, os modelos da linha Onix, foi paralisada por falta de componentes, especialmente os semicondutores. Embora em escala menor, a Volkswagen, outra grande rival, também foi afetada.

A Stellantis teve poucos problemas com a falta de semicondutores, e conseguiu manter a entrega de seus produtos. A Fiat logo passou a Chevrolet como marca líder de vendas, e a Jeep ganhou participação. A Strada foi o veículo mais vendido do Brasil em 2021, posto que mantém, por enquanto, em 2022.

Outros fatores

Mas não foi só a habilidade em lidar melhor com a escassez de semicondutores que levou a Stellantis ao domínio. A marca tinha os produtos certos na hora certa. Não é de hoje que modelos com apelo mais popular vêm perdendo participação no mercado, devido à diminuição do poder aquisitivo do brasileiro.

E isso se reflete na própria linha Fiat: Argo, Mobi e Cronos ganharam participação durante a escalada da marca rumo ao topo, mas seus desempenhos não têm estabilidade. Vão bem em um mês, mas no outro nem tanto.

Na pandemia, enquanto a maior parte dos setores da economia passava por crise, o agronegócio prosperava. Isso se refletiu na venda de picapes. Se não tem um produto robusto, feito sobre chassi (como Hilux, S10, Ranger e Amarok), a Fiat tem uma dos maiores acertos de marketing dos últimos anos, a Toro.

O modelo é uma picape média feito sobre plataforma de carro de passeio, com direito a motor a diesel e versão 4x4. Custa menos que as médias mais robustas e, em muitos casos, supre a demanda de quem precisa de um veículo com caçamba.

A nova geração da compacta Strada, com cabine dupla, ficou quase sozinha no segmento que sempre liderou. A Chevrolet Montana saiu de linha e a Volkswagen Saveiro está defasada. Nessa alta da demanda por picapes, não é de se estranhar que tenha conseguido ser o veículo mais vendido do Brasil.

Quanto à Jeep, utilitários-esportivos são o que a brasileiro quer, e a marca é referência no segmento desde que chegou ao Brasil. Com a queda do consumo de hatches compactos, os SUVs ganharam participação e a Jeep, destaque.

Reação lenta e saída da Ford

Uma linha com bons SUVs e picapes se mostrou fator importante para a Stellantis dominar o mercado brasileiro. E a demora na reação da concorrência só contribui para o grupo automotivo.

A Toro, lançada em 2016, até hoje não tem concorrente à altura. Sua desafiante, a Montana, que crescerá e ganhará tração 4x4, chegará em 2023. O Compass reinou sozinho por anos e, em 2021, ganhou companhias importantes: Toyota Corolla Cross e Volkswagen Taos.

Eles até afetaram a participação do Compass - especialmente o modelo da Toyota. No entanto, não causaram redução significativa no volume de vendas do Jeep.

Também contribuiu para a escalada da Stellantis a saída da Ford da condição de fabricante, no início de 2021. A participação dessa marca de grande volume acabou sendo distribuída entre concorrentes com produtos semelhantes.

Matematicamente, foi um fator importante para a Stellantis se aproximar dos 35% de participação no mercado.

Fiat em alta

Olhando apenas para os números da Fiat, a participação da marca já representa uma grande vantagem ante as principais concorrentes. Em 2022, tem 21% do mercado, ante os 13% da Chevrolet e os pouco mais de 10% da Volkswagen e da Hyundai, que também se tornou bastante representativa.

Produzido pela montadora sul-coreana, o HB20 é o carro de passeio mais vendido do Brasil e, no ranking geral, está atrás apenas da Strada. Além disso, o Creta briga com T-Cross, Tracker e Renegade pela liderança da categoria de SUVs compactos.

Porém, em 2019 o cenário era bem diferente para a Fiat. Antes da pandemia, a marca italiana estava atrás de Chevrolet, primeira colocada, e Volkswagen, segunda. Tinha 13,77% do mercado, ante os 17,89% da líder e os 15,59% da vice.

O cenário de 2019 mostra o quão rápida foi a escalada da Fiat no mercado brasileiro, fator fundamental para o domínio da Stellantis.

Volkswagen e a história

De acordo com dados do Museu da Imprensa Automotiva (MIAU), a Volkswagen chegou a ter cerca de 70% do mercado brasileiro, quando existia só ela, Ford e Chevrolet. A Fiat estreou por aqui em 1976, mas demorou a conquistar o consumidor.

A chegada do Uno, em meados dos anos 80, mudou a história da Fiat, que passou a incomodar mais a Volkswagen. A marca alemã conseguiu manter a liderança, mas sua vantagem ia sendo descontada pelas concorrentes.

De acordo com dados do MIAU, em meados de 1994, data do lançamento do Gol G2, a VW tinha 36,8% do mercado, ante os 26,9% da Fiat, 20,9% da Chevrolet e 12,1% da Ford. Depois da chegada das novas montadoras, a alemã foi perdendo participação e, por fim, a liderança.