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Vendas diretas: carros PCD e de locadoras deveriam ter ranking separado?

Líder dos SUVs compactos em 2019, Renegade cai para a sexta posição do segmento sem as vendas diretas - Murilo Góes/UOL
Líder dos SUVs compactos em 2019, Renegade cai para a sexta posição do segmento sem as vendas diretas Imagem: Murilo Góes/UOL

Colunista do UOL

21/05/2020 04h00

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O ano de 2019 foi de recorde para as vendas diretas no mercado brasileiro. A modalidade representou 44,51% dos emplacamentos de automóveis e comerciais leves, ante os 42,47% de 2018, de acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).

Com o avanço das vendas diretas, é constante um questionamento em fóruns de consumidores de carros, redes sociais e outras plataformas de debate: não seria justo separar a modalidade das vendas no varejo?

E não seriam estes emplacamentos, que não incluem vendas diretas, um reflexo melhor sobre a verdadeira aceitação do consumidor aos automóveis oferecidos no Brasil? Estariam as vendas diretas construindo líderes que não são os carros preferidos do cliente final?

Afinal, vendas diretas são geralmente feitas no atacado, em alto volume para um mesmo cliente, em um grupo que inclui locadoras e frotas de empresas, entre outros. Correto? Não exatamente. Há alguns anos, isso era verdade. Agora, não é mais.

De acordo com a Fenabrave, as vendas diretas podem ser originadas de "vendas corporativas, nas quais a montadora negocia, diretamente, com grandes clientes, como frotistas e/ou locadoras". Porém, também podem surgir de negócios fechados em concessionárias. Nesse grupo estão taxistas e, principalmente, aqueles que compram carros com isenções destinadas a pessoas com deficiência (PCD).

A federação já separa, em seu ranking de vendas mensal, os emplacamentos provenientes de negócios fechados no varejo dos originados de vendas diretas. Então, bastaria olhar o resultado do varejo para saber quais são os verdadeiros líderes de preferência do consumidor.

No entanto, isso deixa de ser verdade quando se observa um fato: o público PCD vem sendo o principal responsável pelo avanço nas vendas diretas. Olhando para o segmento de SUVs, por exemplo, as versões destinadas a esse consumidor representam sempre mais de 30% dos emplacamentos totais dos produtos mais vendidos: Jeep Renegade, Volkswagen T-Cross, Nissan Kicks e Hyundai Creta.

E, diferentemente do que ocorre com frotistas, que no geral são guiados por contratos mais vantajosos, os critérios do consumidor PCD são os mesmos dos clientes que compram sem as isenções de IPI e ICMS destinadas a esse público.

O que atrai o consumidor PCD

Para dar ao público PCD o direito aos descontos em IPI e ICMS concedidos pelo governo, um carro tem de custar até R$ 70 mil. Atualmente, com o avanço das vendas por meio dessa modalidade, a maior parte das marcas generalistas (aquelas que não atuam exclusivamente no segmento premium) oferecem versões nessa faixa de preço de seus principais produtos.

Os modelos voltados ao público PCD são das três principais modalidades de produtos compactos: hatches, sedãs e SUVs. As marcas que não têm opção específica para esse público são exceções, e acabam ficando para trás no ranking de vendas (leia mais abaixo). Entre os exemplos, o Honda HR-V é o único da lista dos SUVs mais vendidos de 2019 a não ter versão PCD.

E, graças a essa diversidade de opções, o cliente PCD usa critérios de qualquer consumidor: procura o melhor negócio. E, no segmento de SUVs compactos, com uma vantagem: o preço é quase sempre o mesmo, pois as versões voltadas a esse cliente custam sempre em torno de R$ 70 mil - e, com a isenções, saem por valor na casa dos R$ 50 mil.

Assim, quem tem desconto para PCD e quer comprar um SUV compacto conta com ainda mais razões para se apegar a fatores como qualidade e boa fama do produto, lista de equipamentos, custos de seguro e manutenção e facilidade de revenda. O cliente vai escolher aquele que achar melhor, da mesma maneira que ocorre com quem não tem os descontos.

Vendas no varejo não traduzem mais o gosto do consumidor

Com a nova realidade do mercado, separar as vendas diretas das realizadas no varejo não é a melhor maneira de ter uma noção mais realista sobre as escolhas do consumidor brasileiro. Isso até poderia ocorrer se houvesse separação entre as vendas para PCD e as demais realizadas na modalidade direta.

Ainda assim, o número não seria tão preciso como forma de avaliar o que o cliente final está comprando. Há outros tipos de vendas diretas. Por meio dessa modalidade, algumas marcas oferecem mais de 10% de abatimento para produtores rurais. E não apenas nas categorias de SUVs 4x4 e picapes.

Há ainda os carros comprados com CNPJ por meio de venda direta, mas que são destinados ao uso pessoal - o famoso "carro em nome da empresa". Por isso, no panorama atual, a soma de vendas diretas e varejo é a maneira mais correta de se ver o que o consumidor final compra.

Um panorama mais realista dependeria de uma divulgação de dados minuciosamente separados por categoria. Dificilmente as entidades responsáveis por essas informações as divulgarão dessa maneira.

Por que há marcas que não investem em versões PCD

Mas se o público PCD é tão importante, por que nem todas as marcas dedicam versões específicas a eles? No caso de hatches e sedãs compactos, na maior parte dos casos não é preciso haver configuração especial. Esses carros já têm opções abaixo de R$ 70 mil.

Já no caso dos SUVs, é preciso investir em versões especiais. Mas isso, de acordo com fontes da indústria ouvidas pela coluna, é bem complicado. Chegar aos R$ 70 mil no caso de um SUV compacto requer "depenar" bastante o produto.

O problema é que o cliente brasileiro hoje faz questão de ar-condicionado, direção assistida, conjunto elétrico e, em muitos casos, central multimídia. Isso dificulta a equação. Chegar à fórmula do SUV com esses equipamentos pelo preço de R$ 70 mil reduz bastante o lucro das empresas.

Mas é claro que, se não fosse rentável, nenhuma montadora faria o negócio. O volume pode compensar a redução do lucro por unidade. Além disso, como os SUVs PCD vêm apenas com o que hoje é considerado básico, muitos clientes os incrementam com acessórios em concessionárias.

Há quem instale rodas de liga leve, bancos de couro e até central multimídia, no caso dos carros que não as oferecem de série. Esses acessórios originais representam lucro para a rede, e também para as fabricantes.


Os campeões do varejo

Sem as vendas diretas, o ranking de emplacamentos não é assim tão diferente, dependendo do segmento. Considerando os resultados de 2019 - já que em 2020 os dados estão distorcidos por causa da pandemia -, o Onix foi o automóvel mais emplacado do País também no varejo.

Já o HB20 foi o vice-líder nessa modalidade, com 25 mil exemplares de vantagem para o Ford Ka (que terminou o ano na segunda colocação com a soma de varejo e vendas diretas).

O Polo sai ganhando entre os automóveis com a eliminação das vendas diretas. No varejo, foi o quarto mais vendido, ante o sexto lugar obtido no ranking geral.

Já entre os sedãs, o Chevrolet Prisma foi o mais emplacado tanto no varejo quanto no geral. Já entre os SUVs a situação é um pouco diferente. Único sem versão PCD, o HR-V foi o que mais perdeu espaço entre os líderes em 2019, considerando os emplacamentos totais. No varejo, foi o mais vendido.

O segundo lugar entre os SUVs compactos ficou com o Creta, seguido por Tracker e Kicks, respectivamente. O líder de 2019, Renegade, aparece atrás até mesmo do EcoSport no ranking do varejo. Assim, ocupou a sexta colocação. Afinal, mais de 80% de suas vendas foram feitas pela modalidade direta.