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Primeira Classe

Por que coronavírus pode ser golpe de misericórdia para salões automotivos

Daniel Roland/AFP
Imagem: Daniel Roland/AFP

Colunista do UOL

13/03/2020 04h00

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Dia a dia, as notícias sobre o coronavírus vêm causando repercussões em diversas esferas da sociedade. E a pandemia atinge em cheio grandes eventos globais, como salões automotivos. O de Genebra, na Suíça, que deveria terminar neste domingo (15), foi cancelado às vésperas da abertura.

Também não vai ocorrer o de Pequim, na China, que seria em abril, enquanto o de Nova York, no mesmo mês, foi adiado para agosto. Por enquanto. No Brasil, há poucos dias foi anunciado o adiamento do Salão de São Paulo para 2021. Esse movimento, no entanto, não teve nada a ver com o coronavírus.

Postergar o salão brasileiro foi uma decisão da organização por causa da baixa adesão das montadoras. Muitas, inclusive a General Motors, já haviam anunciado desistência. A líder de vendas, aliás, informou que não participará nem em 2021.

Além disso, havia apenas uma confirmação oficial, a da Volkswagen. A solução foi adiar a realização do salão. Nem mês, nem mesmo o local de realização em 2021, foram ainda confirmados.

No caso de Genebra, o cancelamento de última hora criou um fenômeno: a apresentação virtual, promovida em redes sociais como o YouTube, dos produtos de diversas marcas. Com isso, criou-se um debate: seria o ambiente virtual o futuro das grandes mostras automotivas? O coronavírus desencadeou um golpe de misericórdia em um formato de evento que já estava em ampla decadência?

Histórico da decadência dos salões automotivos

A internet, as redes sociais e os streamings aproximaram o público das marcas. No mundo automotivo, uma montadora já não precisa investir fortunas em um salão automotivo para se aproximar do público.

E o investimento sempre foi bastante alto. Afinal, sendo apenas um expositor entre dezenas, e alguns casos centenas de concorrentes, a marca que quer sobressair precisa ter muitos diferenciais para agradar o público.

Com a aproximação virtual, e investimentos cada vez mais altos, muitas marcas já vêm desistindo ou restringindo suas participações em salões internacionais nos últimos dez anos. Entre elas, casos notáveis são os de Volvo e Ferrari, que participam de poucos, ou nenhum evento.

Mundialmente, a GM já vinha reduzindo sua participação em mostras internacionais, principalmente após a venda de seu principal braço europeu, a Opel. Já o Salão de São Paulo de 2014 sentiu falta de montadoras como Volvo e Jaguar Land Rover.

Para a maioria das montadoras, no Brasil e no mundo, ficou mais interessante investir em uma estratégia digital agressiva do que em grandes eventos coletivos. Muitas, especialmente as de luxo, apostam em eventos individuais para cativar o consumidor.

As marcas de luxo e os salões automotivos

Não é de hoje que, no Brasil, as marcas de luxo e especializadas em superesportivos reclamam dos altos custos dos salões automotivos. Essas montadoras, de nicho, têm budget bem mais humilde que as grandes fabricantes.

Porém, pagam o mesmo valor pelo metro quadrado no Salão de São Paulo. Um executivo de uma marca de carros de luxo, em conversa com esta colunista, fez um raciocínio simples: o público visita salões para ver de perto e explorar os detalhes de carros de luxo e superesportivos, mais raros nas ruas que os generalistas. Essas marcas, porém, têm cada vez mais dificuldades de participar das mostras.

Imagine um salão automotivo sem nenhum carro de sonho? Um evento em que o consumidor teria à disposição só carros mais generalistas? Será que o interesse seria o mesmo?

Além disso, para as marcas de luxo, o público bastante generalista dos salões automotivos não é tão interessante como para as demais montadoras. Consumidor de marca premium é um nicho. Por isso, nos últimos anos, essas montadoras têm optado por direcionar seus investimentos para ações individuais, para a qual convidam seu público alvo.

Nesses eventos, têm também a possibilidade de vender carros, algo não permitido no Salão de São Paulo. Além disso, dão ao consumidor a possibilidade de viver mais experiências ao volante, uma demanda cada vez mais forte de quem compra um carro.

A falta de espaço para experiências além da exposição de carros, aliás, é uma queixa constante de marcas que desistiram do salão de 2020. E não apenas as de luxo.

Entre as montadoras premium, além de Jaguar Land Rover e Volvo, a BMW já havia anunciado que não participaria do Salão de São Paulo deste ano. A Audi, a Mercedes-Benz e a Ferrari ainda não haviam confirmado presença.

Feiras automotivas e a nova mobilidade

A mobilidade está mudando e, junto com ela, o conceito de carro. Jovens se interessam cada vez menos pelo conceito tradicional de automóvel. Com isso, e por causa de leis contra emissões de poluentes cada vez mais rígidas, montadoras trabalham cada vez mais na ideia de automóvel eletrificado, autônomo e conectado.

Esse fenômeno levou as marcas a uma mudança de mentalidade. Em vez de simples montadoras de carros, estão se transformando em empresas de mobilidade.

Nesse cenário, muitas montadoras passaram a investir em eventos coletivos de tecnologia, deixando de lado o conceito tradicional de salão automotivo. O Salão de Detroit (EUA) foi o que mais sofreu o baque.

Para participar da CES, feira que ocorre quase simultaneamente àquele que, até a década passada, era o principal salão automotivo dos EUA, as marcas foram abandonando a participação na feira de Detroit. Esse salão, que já vinha mal desde 2008, com a grande crise da indústria automobilística americana, se viu tão esvaziado que a organização teve de tomar atitude drástica.

Este ano, o Salão de Detroit, que sempre foi realizado em janeiro, ocorrerá em junho. Isso se ocorrer de fato. Com a pandemia de coronavírus, não dá mais para garantir a realização de nenhum grande evento nos próximos meses.