Indústria automotiva em alerta: vai faltar carro zero por causa dos chips?

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A ameaça de desabastecimento de semicondutores voltou a rondar a indústria automotiva brasileira. Poucos dias depois de a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) alertar o governo sobre o risco de paralisação das fábricas, o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, anunciou neste fim de semana que a China abriu um canal de diálogo direto com o Brasil para evitar a crise.
Segundo Alckmin, o embaixador chinês Zhu Qingqiao informou que Pequim vai autorizar exportações de chips a empresas brasileiras que comprovarem dificuldade de abastecimento, numa tentativa de impedir que o bloqueio imposto à fabricante Nexperia atinja em cheio a cadeia automotiva. "Seguindo as orientações do presidente Lula, vamos seguir o caminho do diálogo com nossos parceiros, gerando emprego, renda e oportunidades compartilhadas", publicou o ministro nas redes sociais.
O que causou a tensão
O risco começou em outubro, quando o governo da Holanda assumiu o controle da Nexperia, subsidiária da fabricante chinesa Wingtech, por motivos de segurança nacional. Em reação, a China bloqueou as exportações de chips produzidos pela empresa. O problema é que a Nexperia fornece componentes essenciais a sistemas eletrônicos usados em praticamente todos os veículos modernos, e o Brasil, que depende quase totalmente de importações, ficou imediatamente vulnerável.
No setor, o temor era que o impasse diplomático interrompesse o fornecimento para fabricantes de autopeças locais, que teriam de paralisar linhas em questão de dias. A Anfavea levou o caso ao governo brasileiro, e o alerta fez efeito: "A rápida resposta do governo frente ao alerta feito pela Anfavea permitiu a abertura de canais de diálogo antes de o pior cenário se concretizar, que é o de paralisação de fábricas no país", afirmou em nota o presidente da entidade, Igor Calvet.
Apesar do alívio momentâneo, o setor segue em estado de atenção. Fontes consultadas pela coluna nas maiores montadoras instaladas no Brasil, incluindo Volkswagen, Toyota, Chevrolet, Stellantis e Renault, confirmam que todas operam sob protocolos de "gestão de crise" e monitoramento de estoques, mas nenhuma relata, até agora, paralisação de linhas.
Vai ou não vai faltar carro?
A liberação parcial das exportações pela China evita o pior cenário, mas não resolve o gargalo logístico. Mesmo após a autorização, os chips precisam ser processados, embarcados e liberados na alfândega brasileira, o que pode levar dias ou até semanas.
Cássio Pagliarini, consultor automotivo, avalia que a situação atual é menos dramática que a vivida em 2021, quando a falta de peças interrompeu a produção de diversas fábricas, mas ainda delicada. "Naquela época, os chips foram desviados para outros produtos, como celulares e notebooks. Agora, a produção existe, e tudo deve se resolver por meio de um acordo. Mas quem depende de componentes da Nexperia pode enfrentar algum descompasso nas entregas, mesmo com a promessa de liberação para o Brasil", explica.
Para Milad Kalume, da consultoria K.alume, o episódio expõe novamente a fragilidade estrutural da indústria diante da concentração global de fabricantes de semicondutores. "Estamos num limite. A crise está sendo sanada pelos meios diplomáticos, mas acende um sinal amarelo: se as exportações da Nexperia não forem retomadas integralmente, algumas empresas terão dificuldades", diz o especialista.
Nos bastidores, considera-se que as empresas mais expostas à crise são justamente as que operam com estoques reduzidos e cadeia just-in-time, como Volkswagen, Stellantis e Renault entre as montadoras potencialmente mais vulneráveis. Mas, publicamente, as marcas afirmam não ter perigo iminente de desabastecimento.
Sinal amarelo para o futuro
O caso traz de volta o debate sobre a dependência brasileira de componentes estratégicos. Com a eletrificação e o aumento do conteúdo eletrônico nos veículos, a demanda por semicondutores tende a crescer, tornando o país ainda mais suscetível a choques internacionais. A Anfavea reconhece que a situação atual não repete o colapso de 2021, mas mostra que a cadeia segue frágil e altamente concentrada.
Kalume explica que uma fábrica de semicondutores moderna não é tarefa simples. "Exige investimentos mínimos de US$ 5 bilhões e tem prazo de início de produção de 5 anos para uma operação plena. Depende de uma mão-de-obra altamente qualificada, insumos extremamente limpos, equipamentos de precisão absoluta e uma cadeia de fornecedores complexa". Até onde conheço, o Brasil não possui quase nenhuma etapa das acima descritas e, em nível global, justifica a alta concentração deste negócio.
Enquanto o canal de comunicação com a China dá sinais de funcionar, o setor aguarda as primeiras liberações efetivas de exportação, e o tempo de trânsito até que os chips cheguem às linhas de montagem será decisivo. O risco de atrasos pontuais não está descartado, mas, por ora, a indústria aposta na diplomacia para garantir que o apagão de 2021 não se repita.





























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