Paula Gama

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Mudanças na CNH: autoescolas veem alunos sumirem antes mesmo de nova lei

A abertura da consulta pública da Senatran sobre a "CNH sem autoescola", no último dia 2, já travou o caixa de muitas empresas do setor. É o que relata Ygor Valença, presidente da Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto). Segundo ele, desde que o governo anunciou a proposta que torna opcional contratar centro de formação e permite aulas com instrutores autônomos credenciados, usando o carro do aluno ou de terceiros, a procura desabou.

"Estamos com o movimento parado, total. A autorização do presidente para levar a minuta à consulta pública está sendo lida como 'acabou a autoescola', e o aluno decidiu esperar", diz Valença. "Tem empresa dando desconto para 'cobrir o combustível' e nem assim entra matrícula."

A estudante Maria Fernanda Vieira é uma dessas candidatas que decidiu aguardar uma definição sobre o novo processo antes de tirar a CNH. "Confesso que tenho uma boa noção de direção, pois dirijo na fazenda, com meu pai. Se eu puder, em vez de pagar a autoescola, contratar duas ou três aulas particulares, acho que vou economizar muito."

O que está em jogo

O governo quer trocar a obrigatoriedade de aulas práticas mínimas por uma prova prática mais exigente, manter o curso teórico obrigatório (com opção EAD gratuito do governo) e liberar instrutores autônomos, desde que tenham curso reconhecido e credenciamento no Detran.

A Senatran argumenta que a mudança reduz o custo da CNH em até 80% e inclui milhões de pessoas que já dirigem sem habilitação, especialmente de moto. Após a consulta, que vai até o dia 02 de novembro, o texto ainda precisa ser votado no Contran.

Do lado das autoescolas, a leitura é outra. "Não é flexibilização, é substituição", afirma Valença. Ele argumenta que a própria regulação do Contran impôs por anos uma estrutura mínima às empresas (frota, sala de aula, diretor pedagógico, diretor geral, instrutores CLT) e agora, de uma hora para outra, "tudo isso some", reclama o presidente da entidade.

O ponto mais sensível: carros sem pedais duplos

Além da preocupação com a categoria, a Feneauto afirma temer pelo segurança no trânsito quando as novas regras tiverem em vigor. Pelo desenho proposto, não seria obrigatório que o instrutor autônomo utilizasse veículo com duplo comando de freio e embreagem. Bastaria o carro estar regular e identificado como de aprendizagem, além do credenciamento do profissional. Para a entidade, é um erro grave.

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"Na hora em que o aluno erra, o instrutor para o carro no pedal. Tirar isso e ir direto para a rua é aumentar risco", diz. Ele lembra que, nas autoescolas, aulas de moto começam em pista fechada antes da via pública; com o modelo novo, teme que o treino "vá direto para a praça do bairro".

Valença também prevê que o serviço nasça "parecido com aplicativo": o aluno chamaria o profissional por uma plataforma, que intermediará pagamentos e regras. "Muitos instrutores primeiro acharam que teriam autonomia. Depois entenderam que teriam de se submeter a um app. Surgiram dúvidas sobre renda, descanso e segurança."

Segundo ele, sindicatos laborais que representam os instrutores já se mobilizam e há paralisações regionais marcadas. As empresas, por sua vez, iniciam demissões de funções que "deixam de existir" no novo arranjo. "Elas estão desligando recepcionista, afinal, não há entrada de novos alunos, e os diretores geral e de ensino. Afinal, de acordo com a minuta, essas funções deixam de ser obrigatórias. São mais de 30 mil pessoas que perderão a profissão."

Segundo o setor de autoescolas, a incerteza cria um efeito espera: quem ia iniciar o processo prefere aguardar a regra nova. "Mesmo promoção de 50% não converte. O aluno pensa: se daqui a pouco não vou precisar pagar pelas aulas, melhor esperar", diz Valença.

E o governo?

A Senatran sustenta que o objetivo é baratear o acesso e formalizar quem já dirige, mantendo controle por meio do credenciamento de instrutores e da prova mais rigorosa. Também ressalta que as autoescolas continuam podendo operar - quem quiser, faz tudo com CFC como hoje; quem preferir, contrata o instrutor autônomo. Há, ainda, a possibilidade de usar o próprio carro (inclusive automático) para aprender e fazer exame, a critério do candidato.

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O que vem agora

A proposta está em consulta pública até o início de novembro. Depois, volta à mesa do Contran para ajustes e votação. Até lá, o setor tenta convencer governo e parlamentares de que o país corre o risco de "banalizar" a formação prática. O governo, por sua vez, insiste que o filtro será a prova mais exigente e compatível com a realidade do trânsito brasileiro.

No meio do impasse, um dado concreto: "o movimento está zerado", diz Valença. Se a paralisia durar mais algumas semanas, muitas autoescolas podem não chegar vivas ao dia em que a nova regra, seja qual for, finalmente entrar em vigor.

Reportagem

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