Paula Gama

Paula Gama

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
ReportagemCarros

Como 'célula de sobrevivência' do carro salvou jovem soterrada no RS

Na última semana, imagens de uma cena impressionante chamaram a atenção nas redes sociais. Um carro completamente soterrado por uma carga de serragem parecia anunciar uma tragédia. Dentro dele, Eduarda Corrêa, de 23 anos, passou quase duas horas presa e sobreviveu. O acidente aconteceu na BR-448, em Porto Alegre (RS), quando a carga de uma carreta tombou sobre um veículo de passeio.

O que salvou a vida da jovem, que recebeu alta do hospital na segunda-feira (13) após alguns dias em observação, foi um conjunto de fatores, com destaque para um recurso presente em carros modernos: a chamada célula de sobrevivência.

A carreta com serragem tombou em cima de um carro de passeio; motorista ficou soterrada por duas horas
A carreta com serragem tombou em cima de um carro de passeio; motorista ficou soterrada por duas horas Imagem: Reprodução

A estrutura interna do veículo onde ela estava, um Volkswagen T-Cross, resistiu ao esmagamento. Mesmo com a destruição visível na parte externa, o habitáculo (onde ficam motorista e passageiros) ficou relativamente preservado, criando uma pequena bolha de ar onde Eduarda conseguiu respirar e esperar o resgate.

Mas o que é essa tal célula de sobrevivência e por que ela é tão importante?

Gaiola invisível

A célula de sobrevivência é a parte mais protegida do carro. Ela forma uma espécie de "gaiola reforçada" ao redor dos ocupantes, com colunas, teto, piso e portas projetados para resistir à compressão em acidentes graves. Nos veículos mais modernos, essa estrutura é feita com aços de ultra-alta resistência e usa reforços em pontos estratégicos da carroceria.

Apesar de o carro ter sido deformado, a área de passageiros foi preservada
Apesar de o carro ter sido deformado, a área de passageiros foi preservada Imagem: Reprodução/Record TV

"É como se fosse uma gaiola. A estrutura dela suporta grandes deformações sem invadir o espaço onde estão o motorista e os passageiros", explica o engenheiro e professor Marco Colosio, da SAE Brasil. "Para chegar nesse nível de proteção, é preciso um projeto bem feito e o uso de materiais como o aço estampado a quente, que forma o esqueleto dessa área crítica do carro."

Continua após a publicidade

Foi justamente essa "gaiola" que evitou que a carga de serragem esmagasse Eduarda completamente. Somado a isso, o carro estava com os vidros fechados, o que manteve uma bolha de ar dentro do habitáculo. E o material que caiu sobre o veículo - serragem, leve e porosa - ajudou, por não penetrar com força total no interior do veículo.

Carros modernos se deformam

Ao contrário do que muitos pensam, um carro que não se deforma em uma batida pode ser mais perigoso do que um que amassa. Isso porque, nos veículos atuais, parte da carroceria é projetada para absorver o impacto, em áreas conhecidas como zonas de deformação programada. Essa energia é dissipada antes de atingir os ocupantes.

Já nos carros antigos, que tinham estruturas mais rígidas e usavam aços menos avançados, a energia do impacto era transferida diretamente para as pessoas dentro do carro. O resultado? Ferimentos graves, mesmo em colisões que hoje seriam consideradas moderadas.

A evolução na engenharia veicular passou justamente a separar o carro em duas áreas: uma que amassa, para absorver o choque, e outra que não pode ceder de jeito nenhum: a célula de sobrevivência.

Aço de altíssima resistência

Essa mudança na forma como os carros são projetados foi possível graças à evolução dos materiais. Saiu de cena o aço comum, mais pesado e menos eficiente, e entrou o aço estampado a quente (PHS), que combina leveza com altíssima resistência mecânica.

Continua após a publicidade

Esse tipo de aço permite criar estruturas mais finas, mas com rigidez suficiente para aguentar impactos sem invadir o espaço dos ocupantes. Ele está presente em colunas centrais (como as colunas B), reforços do teto, do piso e até nas travessas que sustentam os bancos.

Em alguns veículos de ponta, há até o uso de ligas especiais e materiais compósitos, que reforçam o carro sem aumentar seu peso - o que também ajuda na eficiência energética e na redução de consumo.

Teste de segurança

Teste de colisão frontal da Latin NCap com o T-Cross
Teste de colisão frontal da Latin NCap com o T-Cross Imagem: Latin NCap

O carro em que Eduarda estava, um Volkswagen T-Cross, passou por testes do Latin NCAP em 2024 e conquistou a nota máxima: cinco estrelas em proteção para adultos e crianças.

Entre os destaques do relatório:

Continua após a publicidade
  • Estrutura considerada estável, ou seja, com boa integridade após colisões;
  • 92% de proteção para ocupantes adultos, com notas altas em impacto frontal, lateral e contra poste;
  • Presença de seis airbags, controle eletrônico de estabilidade e frenagem autônoma de emergência.

É justamente isso que os testes do Latin NCAP analisam: como o carro protege as pessoas dentro dele em diferentes tipos de acidentes. Para isso, são usados bonecos com sensores em simulações de batidas, que medem forças no pescoço, tórax, pernas e outros pontos vulneráveis do corpo humano.

A boa notícia é que todos os carros mais novos já contam com algum nível de célula de sobrevivência e zonas de deformação programada. A tecnologia começou a se popularizar no Brasil em meados dos anos 2000, com a chegada de carros produzidos em plataformas globais. Com o passar dos anos, o nível de proteção aos ocupantes só aumentou. Porém, a eficácia varia bastante entre modelo e categorias.

Enquanto SUVs, sedãs e compactos mais equipados apresentam estruturas robustas e proteção completa, alguns veículos de entrada ou mais antigos ainda deixam a desejar em testes de impacto. O teste da Latin NCAP pode ser um bom parâmetro de avaliação.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.