Paula Gama

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Está barato: por que multa de trânsito deveria custar sete vezes mais

Ninguém fica satisfeito ao receber um envelope da companhia de tráfego informando que foi multado. Mas a realidade é que uma infração de trânsito hoje pesa muito menos no bolso do que há 27 anos. Apesar da escalada nos preços e salários, os valores das multas estão congelados há nove anos e, se considerarmos as tarifas impostas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em 1998, quando entrou em vigor, deveriam custar quase sete vezes mais.

Os dados são de um estudo do SOS Estradas, entidade de vítimas de trânsito, e mostram que o valor das multas não acompanhou a inflação nem o reajuste do salário mínimo. Em 1998, por exemplo, uma infração leve representava 41% do salário mínimo. Hoje, essa proporção caiu para 5,8%. Já a infração gravíssima despencou de 147% para 19% do mínimo atual.

"Para simplesmente atualizar os valores de 1998, seria necessário aumentar em quase sete vezes o valor atual das multas", aponta o estudo.

Em 1998, uma multa gravíssima custava R$ 191,54, enquanto o salário mínimo era R$ 130. Em 2025, essa mesma multa custa R$ 293,47, frente a um mínimo de R$ 1.518. Corrigindo proporcionalmente, ela deveria estar em R$ 2.236,35, segundo o levantamento.

Reajustar seria impopular

O último reajuste dos valores das multas foi realizado em novembro de 2016, com a implementação da Lei nº 13.281/2016. Foi o primeiro aumento em 14 anos e elevou os valores em até 66%:

  • Multa leve: de R$ 53,20 para R$ 88,38
  • Multa média: de R$ 85,13 para R$ 130,16
  • Multa grave: de R$ 127,69 para R$ 195,23
  • Multa gravíssima: de R$ 191,54 para R$ 293,47

Desde então, nenhum reajuste foi feito, mesmo com o avanço da inflação. Os valores seguem os mesmos em 2025.

Segundo especialistas, a principal razão é política: reajustar multas de trânsito não rende votos. Pelo contrário, gera críticas e acusações de 'indústria da multa', algo que gestores públicos costumam evitar.

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Por que o valor é importante?

De acordo com o estudo, quando o CTB entrou em vigor, em 1998, os valores das penalidades assustaram os condutores. O resultado? Queda imediata no número de mortos e feridos.

Segundo o SOS Estradas, a entrada em vigor do código apresentou resultados imediatos no curto prazo, enquanto as pessoas acreditavam que poderiam ser de fato punidas.

Em 1997, foram registradas 7.530 mortes nas rodovias federais. No ano seguinte, esse número caiu para 6.711, 819 mortes a menos. Nas rodovias estaduais de São Paulo, a queda foi de 2.914 para 2.502 óbitos. No total, 1.231 vidas foram poupadas.

"A frota e as condições das rodovias praticamente não mudaram nesse período. O que mudou foi a sensação de punição real", diz o estudo.

Já nos dados mais recentes, o efeito contrário se observa: somando os números de 2023 e 2024, houve 667 mortes a mais nas rodovias federais e estaduais de São Paulo, segundo o estudo.

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Quanto custaria a multa hoje?

Se os valores fossem atualizados conforme o percentual do salário mínimo de 1998, os números seriam bem diferentes:

  • Multa leve: de R$ 88,38 para R$ 621,21
  • Multa média: de R$ 130,16 para R$ 993,87
  • Multa grave: de R$ 195,23 para R$ 1.491,02
  • Multa gravíssima: de R$ 293,47 para R$ 2.236,35

Nos casos com multiplicadores, o impacto é ainda mais evidente. Uma infração por excesso de velocidade acima de 50% do limite da via, com multiplicador 3x, hoje custa R$ 880,41. Corrigida, a mesma infração deveria custar R$ 6.709,05.

Já dirigir sob efeito de álcool (multiplicador de 10x), que hoje gera uma multa de R$ 2.934,70, deveria gerar uma penalidade de R$ 22.363,50.

"Duvido que, se a multa por dirigir sob efeito de álcool fosse essa, o comportamento dos condutores não seria diferente", afirma Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas.

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Governos têm posições diferentes

Ao longo dos últimos anos, diferentes governos trataram o tema das multas de trânsito de maneiras bastante distintas, ora endurecendo regras, ora afrouxando mecanismos de fiscalização.

O último reajuste dos valores das multas, por exemplo, não veio por iniciativa direta do Poder Executivo, mas sim do Congresso Nacional. Em novembro de 2016, durante o governo Michel Temer, foi sancionada a Lei nº 13.281/2016, que alterou o CTB e reajustou os valores das multas em até 66%. A lei também endureceu penalidades e ampliou a punição para infrações como o uso de celular ao volante.

Já no governo Jair Bolsonaro (2019-2022), o movimento foi na direção oposta. Logo no início do mandato, o então presidente suspendeu o uso de radares fixos, móveis e portáteis em rodovias federais. O argumento era de que os equipamentos serviam para "arrecadação, e não para segurança".

A política de redução de fiscalização levou a uma queda expressiva no número de radares: de 8 mil para cerca de 2 mil nas estradas federais. Com isso, a arrecadação com multas por excesso de velocidade caiu de R$ 936 milhões (em 2018) para R$ 340 milhões (em 2020).

Além disso, o governo Bolsonaro promoveu outras mudanças significativas no CTB, como aumento da validade da CNH para 10 anos; ampliação do limite de pontos para suspensão da carteira (de 20 para até 40 pontos) e transformação de multas leves e médias em advertências, para condutores não reincidentes.

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No atual governo Lula, até o momento, não houve alterações na legislação relacionada à fiscalização eletrônica. As normas sobre radares continuam as mesmas desde setembro de 2020, quando foram modificadas por Bolsonaro. O governo também não revogou as regras que tornaram obrigatória a sinalização de radares visíveis, e não se manifestou oficialmente sobre mudanças nesse campo.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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