Paula Gama

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OpiniãoCarros

Por que moto por aplicativo não deve ser proibida, mas você precisa evitar

Está liberado, ao menos neste momento, o transporte de passageiros por motocicletas via aplicativo em São Paulo. A sentença do Tribunal de Justiça paulista derrubou o decreto municipal que proibia esse serviço, considerando-o inconstitucional por ultrapassar a competência do município. Com isso, empresas como 99 e Uber voltaram a oferecer a opção em toda a cidade - inclusive no centro expandido.

A decisão é, juridicamente, correta. Mas isso não significa que eu ache que você deva usar esse serviço. E vou te contar por quê.

Sou completamente contra o uso de motos como transporte para passageiros. Digo isso com dor e com experiência. Perdi um familiar em um acidente de moto, e, desde então, minha visão sobre o assunto é muito clara: é perigoso demais.

Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2023, foram registradas mais de 12 mil mortes de motociclistas no Brasil - e, segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária, os acidentes envolvendo motos têm risco 16 vezes maior de resultar em morte do que os de carro.

Além do risco inerente, há outro fator que me preocupa: o estresse a que esses motociclistas são submetidos. Imagine passar o dia inteiro no trânsito caótico de cidades como São Paulo, acelerando entre carros, desviando de buracos, enfrentando chuva e calor. Depois de horas rodando, a concentração diminui, a exaustão pesa - e é nessa hora que alguém pede uma corrida.

Dito tudo isso, talvez pareça hipócrita que eu defenda a liberação do serviço, mesmo não querendo que nenhum familiar meu use. Mas seria ainda mais hipócrita, com um carro parado na garagem, achar justo que famílias de baixa renda percam uma alternativa mais rápida e barata de locomoção.

Em Salvador, onde moro, o serviço de moto por aplicativo virou febre. Muita gente usa diariamente para ir e voltar do trabalho. É fácil entender o motivo. Enquanto o transporte público obriga o cidadão a perder até duas horas no deslocamento - muitas vezes com baldeações, ônibus lotados e longas caminhadas -, uma moto faz o mesmo percurso em 15 minutos. Com preço acessível e agilidade, o serviço virou uma salvação. Ou, pelo menos, a solução mais viável dentro de uma realidade dura.

E essa realidade escancara problemas estruturais do Brasil: o sucateamento do transporte público, a falta de planejamento urbano e a pobreza que obriga milhões a aceitarem riscos em nome da sobrevivência.

Por isso, a decisão do TJSP deve ser celebrada. Não se trata de incentivar o uso, mas de garantir o direito de escolha. Como bem apontou o juiz Josué Vilela Pimentel, o município não pode simplesmente proibir uma atividade privada regida por leis federais, como a Política Nacional de Mobilidade Urbana. O papel do poder público deve ser regulamentar, fiscalizar e proteger — nunca interditar alternativas viáveis de locomoção para quem mais precisa.

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A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas como Uber e 99, também destacou esse ponto: trata-se de uma atividade legal, baseada na livre iniciativa, e já consolidada em diversas cidades do país. Proibir não resolve. Fiscalizar, sim. Melhorar o transporte público, mais ainda.

Importante: a Prefeitura de São Paulo informou que vai recorrer da decisão. Segundo nota oficial, o município entende que o serviço de mototáxi não está autorizado e que as medidas de fiscalização seguirão sendo aplicadas. É mais um capítulo de uma longa disputa entre poder público e empresas de tecnologia.

Mas, voltando à pergunta essencial: usar ou não usar o Uber Moto? Eu escolho não usar. E, se puder te dar um conselho, evite. Os dados sobre acidentes não mentem. A moto continua sendo o veículo mais perigoso do Brasil.

Entretanto, não julgue quem precisa dela para sobreviver. O problema não está no passageiro da moto, mas sim na estrutura que o empurra para o banco de trás.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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