Caminho das motos furtadas: como a compra de peças ilegais alimenta o crime

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Você já parou para pensar que comprar uma peça de moto sem procedência pode ser o começo de uma cadeia criminosa? Em São Paulo, o roubo e furto de motocicletas segue um ciclo cruel, e o destino dessas motos quase sempre é o mesmo: o desmanche ilegal. De lá, peças são distribuídas para todo o Brasil — e muita gente, sem saber (ou fingindo não saber), acaba alimentando esse mercado clandestino.
De janeiro de 2024 a março de 2025, mais de 47 mil motos foram levadas por criminosos em São Paulo, segundo estudo da B4 Risk, que analisa dados da SSP-SP. O número é alarmante: 71% dos casos foram furtos, quando não há violência direta, e 29% foram roubos, nos quais o condutor é abordado com uso de força ou arma.
E a situação é grave quando olhamos para o universo das motocicletas: elas são mais roubadas do que os carros. Para se ter uma ideia, no mesmo período, cerca de 35 mil carros sofreram esse tipo de sinistro. Uma diferença grande considerando que existem cerca de 20,4 milhões de carros e 7 milhões de motos no estado paulista.
Mais furtos do que roubos
Mesmo que o uso de violência esteja presente em quase um terço dos sinistros envolvendo motos, a explicação para o maior volume de furtos está na mecânica do crime - literalmente. Segundo Rodrigo Boutti, gerente de operações da B4 Risk, a maioria dos furtos revela interesse específico nas peças do veículo.
"O furto costuma ser mais planejado. Já o roubo muitas vezes ocorre por oportunidade, para cometer outros crimes ou levar os pertences da vítima", explica.
Motos com maior circulação nas ruas são o alvo favorito. A campeã de ocorrências é a popular Honda CG 160, com 15,2 mil registros, seguida pelas CG 150 (3,2 mil), CG 125 (2,8 mil) e, só depois, a Yamaha Fazer 250 (2,1 mil). Não por acaso, são modelos bastante usados para trabalho e entregas, o que também pressiona a demanda por peças de reposição no mercado informal.
Ciclos de crime
Os criminosos preferem agir à noite - entre 18h e meia-noite, período que concentra 41% dos casos. A maioria das ocorrências está na Região Metropolitana, com destaque para bairros como Centro, Tatuapé, Vila Mariana, Santana, São Mateus, Itaim Bibi, Bela Vista, Campo Grande e Ipiranga.
E o que acontece depois que uma moto desaparece? Na maior parte dos casos, ela é desmontada e suas peças repassadas para oficinas ou vendidas online, sem qualquer controle.
"É um ciclo que se retroalimenta. A demanda por peças alimenta o furto, e o furto alimenta a oferta de peças no mercado paralelo. Quem compra está, mesmo que indiretamente, contribuindo com esse sistema", alerta Boutti.
Além disso, motos roubadas muitas vezes são utilizadas para novos crimes - aumentando ainda mais o risco nas ruas.
O que está sendo feito
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo afirma que atua de forma integrada no combate aos crimes contra motociclistas, com reforço de policiamento em pontos estratégicos e ações como a Operação Impacto, da Polícia Militar, que desde 2023 já vistoriou mais de 2 milhões de motos e resultou em 220 mil apreensões.
A Polícia Civil também tem trabalhado para desarticular o mercado clandestino. Só neste ano, 63 estabelecimentos foram fiscalizados, incluindo um desmanche ilegal descoberto recentemente no bairro do Jaraguá, zona norte da capital.
Apesar disso, o número de furtos continua crescendo. Segundo a empresa de rastreamento Ituran, houve um aumento de 11,5% nas ocorrências em comparação ao ano anterior, e motos com até dois anos de fabricação são as mais visadas.
A responsabilidade também é sua
O que parece uma "pechincha" na compra de uma peça pode, na verdade, representar o sofrimento de um motociclista que perdeu seu ganha-pão. E mais: contribui para manter um mercado onde a violência é moeda corrente.
Por isso, na próxima vez que você for trocar uma peça da sua moto, pergunte-se: de onde ela veio?
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