Por que motos deveriam ter prioridade sobre carros nas ruas brasileiras
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Desde que a presença de motos no trânsito cresceu substancialmente, com o aumento da demanda por delivery durante a pandemia, o fato de ter que dividir as ruas e avenidas com esse tipo de veículo se tornou uma das principais reclamações do motorista brasileiro.
No entanto, a realidade é que, por ser um dos meios de transporte mais vulneráveis, a motocicleta deve ter prioridade sobre os carros, assim como as bicicletas têm prioridade sobre motos, e os pedestres, sobre todos os outros.
Essa hierarquia de proteção, porém, raramente se traduz na prática, o que gera riscos e conflitos no trânsito. O alerta é do secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, que defende a necessidade de uma mudança de mentalidade.
"Muita gente não sabe, mas a moto tem prioridade sobre o carro no trânsito. Da mesma forma que o ciclista tem prioridade sobre a moto e o pedestre tem prioridade sobre todos os outros veículos. Esse é o princípio da mobilidade segura, que coloca os mais frágeis no topo da escala de proteção", afirma o secretário.
No entanto, ele reconhece que a realidade nas ruas é outra. "As pessoas tendem a enxergar o trânsito do ponto de vista do motorista de carro. Isso cria um viés que ignora as necessidades dos usuários mais vulneráveis, como motociclistas, ciclistas e pedestres", afirma.
Prioridade não significa permissão para infrações
O fato de as motos serem veículos prioritários não é justificativa para o desrespeito às leis de trânsito. É comum ver motociclistas avançando sinal vermelho, ultrapassando pela direita, cruzando calçadas e até trafegando entre os pedestres. Essas infrações colocam em risco não apenas os próprios motociclistas, mas também pedestres, ciclistas e motoristas.
Para o secretário, o trânsito seguro depende do respeito às regras por todos os envolvidos. A prioridade da moto significa que ela deve ser protegida no trânsito, e não que está acima da lei. Infrações aumentam ainda mais o risco para os motociclistas e agravam a percepção negativa sobre eles.
A moto como necessidade, não como escolha
O aumento do uso da motocicleta para deslocamento urbano, seja para transporte de passageiros via aplicativos, seja para entregas, não é um fenômeno cultural - ele tem forte relação com o acesso à mobilidade. Nos países com transporte público insuficiente e cidades mal planejadas, a moto se torna a única alternativa viável para milhões de pessoas.
Catão destaca que esse fenômeno não é exclusivo do Brasil e pode ser visto em países com realidade socioeconômica semelhante, como Malásia e Vietnã, onde as motos representam a principal forma de transporte.
"Você vai encontrar um número alto de motos em países com situação econômica semelhante à do Brasil, como Malásia e Vietnã. Isso acontece porque são locais de crescimento acelerado e pouca infraestrutura de transporte coletivo", explica o secretário.
Aqui, a situação não é diferente. Em grandes cidades, onde o transporte público é precário e ineficiente, muitos trabalhadores veem a moto como a única opção para evitar horas no trânsito e garantir a própria subsistência. "O cidadão precisa escolher entre chegar em casa em 30 minutos ou em 2 horas. Essa é a realidade de muitos brasileiros", destaca Catão.
Além disso, o secretário alerta para um fator psicológico que agrava o problema: a falta de aversão ao risco. "Quando nos acostumamos a um risco, ele passa a ser visto como normal. É isso que acontece com a motocicleta. Quem usa todo dia, em condições adversas, tende a subestimar o perigo", explica.
Esse cenário também explica o crescimento dos serviços de moto por aplicativo, como Uber Moto e 99 Moto em diversas cidades grandes do país. Embora ofereçam um serviço rápido e barato, eles inserem um novo elemento de risco: o passageiro, que está ainda mais exposto do que o condutor. Para Catão, essa atividade exige atenção especial.
"O mototaxista ou motorista de aplicativo transporta um terceiro. Isso aumenta a responsabilidade e, consequentemente, os riscos. Esse debate, sobre a autorização desse tipo de transporte ou não, precisa ser feito dentro da estrutura das cidades", afirma.
Infraestrutura e fiscalização ainda falham com motociclistas
Mesmo sendo reconhecida como veículo prioritário em relação aos carros, a moto ainda sofre com a falta de infraestrutura adequada. Poucas cidades investem em corredores exclusivos para motos, e os motociclistas seguem disputando espaço com veículos maiores, em velocidades que tornam os sinistros ainda mais graves.
Além disso, a fiscalização muitas vezes não foca nos reais fatores de risco. "O que agrava a letalidade dos acidentes com moto? Velocidade e falta de equipamento de proteção", alerta Catão.
No entanto, em vez de ações efetivas voltadas para esses problemas, muitas cidades ainda tratam motociclistas apenas como "culpados" pelo trânsito desordenado, sem levar em conta as falhas no planejamento urbano e a ausência de alternativas viáveis de mobilidade.
O que pode ser feito para reduzir as mortes?
A motocicleta é uma realidade consolidada no Brasil, e medidas para reduzir sua letalidade precisam ser urgentes. Entre as soluções defendidas por especialistas estão:
- Criação de faixas exclusivas para motos em avenidas de alto fluxo, reduzindo colisões laterais com carros.
- Redução dos limites de velocidade em áreas com grande circulação de motociclistas.
- Melhoria da fiscalização do uso de equipamentos de segurança, como capacetes certificados e jaquetas com proteção.
- Investimento em campanhas de conscientização, tanto para motociclistas quanto para motoristas de carros, sobre o respeito à prioridade das motos no trânsito.
- Revisão da legislação sobre transporte de passageiros em motocicletas, garantindo regras mais rígidas para segurança no mototáxi e nos aplicativos.
Sem essas mudanças, o Brasil continuará registrando altos índices de mortalidade entre motociclistas, enquanto as políticas públicas insistem em ignorar que a motocicleta não é apenas um veículo - para muitos, é um reflexo das falhas do transporte urbano e da desigualdade social.
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