Paula Gama

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Caminhões arqueados: moda perigosa cria 'máquinas de matar' nas estradas

Os caminhões arqueados - com a dianteira rebaixada e a traseira elevada - seguem cruzando as estradas brasileiras, mesmo sendo considerados um risco mortal por especialistas e proibidos por lei. A moda, que começou a ser denunciada por esta coluna em 2022, já resultou em acidentes fatais e continua preocupando autoridades de trânsito.

Nas últimas semanas, a coluna percorreu rodovias de diferentes estados e registrou diversos caminhões arqueados circulando livremente. Só em um trecho da Bahia, mais de 20 veículos nesse padrão foram contabilizados, a maioria transportando frutas e verduras.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) confirma que a prática ainda é comum e segue realizando autuações. Segundo o porta-voz da corporação Alex Sander Casati, entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram registradas mais de 700 infrações ligadas a alteração indevida nas características dos veículos - a principal delas é a elevação da traseira.

"A PRF continua com a fiscalização de rotina e ações específicas para coibir modificações ilegais. Mas a gente percebe que há motoristas que ainda insistem nessa prática, que compromete a segurança não só deles, mas de todos na estrada", alerta Casati.

Por que é tão perigoso?

Os riscos são evidentes: instabilidade, comprometimento da frenagem e aumento da gravidade dos acidentes. "Quando você mexe na suspensão, você altera o centro de gravidade do veículo, o que compromete a estabilidade. Além disso, a frenagem pode ficar ineficaz, principalmente com carga", explica Casati.

O engenheiro Rodrigo Kleinubing reforça que essa modificação desconfigura o projeto original do caminhão, tornando a dirigibilidade imprevisível. "Mexer na suspensão e no sistema de freios coloca em risco a vida do caminhoneiro e das outras pessoas que transitam pelas estradas", destaca o especialista.

Além disso, há o problema da colisão traseira: o para-choque do caminhão, que deveria proteger outros veículos, fica elevado e permite que carros menores entrem debaixo da carroceria. "Já tínhamos esse problema no Brasil antes da obrigatoriedade dos para-choques e placas refletivas. Agora, essa moda dos caminhões arqueados trouxe o perigo de volta", alerta Kleinubing.

O que diz a lei

A Lei permite apenas uma elevação discreta na suspensão do caminhão
A Lei permite apenas uma elevação discreta na suspensão do caminhão Imagem: Reprodução
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A Resolução 916/2022 do Contran estabelece que as alterações na suspensão dos caminhões não podem ultrapassar um desnível de 3,5 cm a cada metro de comprimento do veículo. Na prática, isso significa que pequenas elevações podem ser aceitas, mas modificações extremas são ilegais.

Segundo Casati, quando um caminhão arqueado é abordado, ele pode ser retido até que a irregularidade seja corrigida. "Se comprometer a segurança, ele fica retido no pátio e só pode ser liberado após a regularização. Se for algo menos grave, o motorista recebe um prazo de cinco dias para corrigir o problema", explica.

Além disso, a infração gera multa por "dirigir veículo com características alteradas", conforme o Código de Trânsito Brasileiro.

Se é tão arriscado, por que os motoristas fazem?

Surpreendentemente, não há nenhuma justificativa funcional para a prática. Muitos caminhoneiros arqueiam seus veículos simplesmente por estética.

"Eu particularmente não consigo entender qual a motivação para isso. Alguns motoristas dizem que deixam o caminhão assim porque acham bonito. Mas, em termos de segurança e dirigibilidade, não traz nenhum benefício, só prejuízo", afirma Casati.

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A tendência ganhou força nas redes sociais, onde motoristas postam fotos e vídeos exibindo seus caminhões modificados. Há até competições informais para ver quem consegue levantar mais a traseira do veículo.

"O para-choque do caminhão, que deveria evitar que um carro de passeio entre embaixo do veículo, fica elevado demais. Isso faz com que a cabine do carro vá direto para baixo da estrutura, muitas vezes causando decapitação dos ocupantes", explica o engenheiro Rodrigo Kleinubing.

Um dos casos mais graves ocorreu em 2022, na BR-116, em Curitiba. O empresário Gerson Mattos dirigia atrás do caminhão arqueado do próprio pai, Jetro Mattos, quando colidiu na traseira do veículo. Sua cabine foi parar embaixo da carroceria elevada e tanto ele quanto sua esposa, Patrícia Abreu, morreram no local.

Diante dessa influência digital, a PRF pretende ampliar as campanhas educativas. "Além da fiscalização, estamos estudando ações educativas em parceria com o Inmetro e o Senatran, para conscientizar os motoristas sobre os riscos dessa prática", revela Casati.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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