Paula Gama

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Por que não há incentivos para as fábricas do ABC e montadoras fogem de lá?

Desde o início da votação da Reforma Tributária no Congresso Nacional, os incentivos fiscais às fábricas automotivas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste estão no centro das atenções. Isso porque a mudança na constituição pode estender o benefício, que acabaria em 2025, para 2032. Nesse cenário, muitos leitores têm questionado: por que não há incentivos à indústria no ABC se as montadoras estão fugindo de lá?

O argumento de "fuga" das montadoras é um tanto forte, uma vez que a Ford fechou sua fábrica no ABC, em 2019, como parte de seus planos de deixar de produzir no país. Já a Toyota, transferiu a produção para outras plantas no interior de São Paulo com a justificativa de aumentar a eficiência. Por outro lado, a região - que é considerada berço da indústria automotiva brasileira e chegou a abrigar quase a totalidade das fábricas de veículos instaladas no país no passado - não foi escolhida pelas novas montadoras que se instalaram no Brasil, nem mesmo quando havia plantas disponíveis para venda.

O local abriga, atualmente, fábricas importantes da General Motors, Mercedes-Benz, Scania e Volkswagen, que recentemente anunciaram investimentos bilionários para modernizar e ampliar a produção das respectivas unidades ali instaladas. Também tem uma logística privilegiada, com uma rede de fornecedores madura e eficiente, fatores que fazem diferença na hora de implantar uma fábrica. No entanto, concorre com regiões ainda mais atrativas.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, pontua que o principal fator para a região estar sendo deixada "de lado" é o benefício do Nordeste que, na opinião da instituição, vem se alongando por muitos anos. "A gente acredita que os incentivos se justificam quando há a chegada de novos investimentos e tecnologias, mas não para a produção dos mesmos carros. Essa é uma dificuldade que nós temos: o governo federal precisa ter uma política automotiva para todo o Brasil. Tem que ser claro sobre qual será a matriz energética do país e o governo de São Paulo também tem que ter uma política para que novas empresas venham para cá. Um regime especial para entrantes", argumenta.

Moisés informa que o Sindicato dos Metalúrgicos foi procurado por pelo menos três empresas chinesas, Sinomach, Chery e Peak, com o interesse de construir novas fábricas no ABC. "Eles têm interesse em se instalar aqui por conta da questão logística. Nós temos ferrovias, malha rodoviária, fornecedores? Mas a questão dos incentivos é realmente um problema. Se o governo de São Paulo tivesse entrado nesta guerra fiscal no passado, não tinha fábrica em nenhum outro lugar do Brasil. Nós não defendemos isso, defendemos uma política que atenda a todos. A alegria de um não pode ser a lágrima do outro", explica.

A proposta do Sindicato, levada ao presidente Lula e aos ministros Fernando Haddad e Geraldo Alckmin, é expandir os benefícios do Norte, Nordeste e Centro-Oeste até 2030, com redução de 20% ao ano, migrando para a Rota 2030.

Existem incentivos ao ABC?

Otávio Massa, especialista em Direito Tributário e CEO e da Evoinc, explica historicamente que o Brasil incentiva bastante a indústria automotiva. "Desde que o país abriu o mercado para a importação, na década de 1990, o governo tomou medidas para incentivar a produção nacional. Começando com o regime automotivo, em 1995, que trouxe quase 20 bilhões em investimento para a região Sudeste", informa.

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Massa explica que as montadoras preferiram, naturalmente, o Sul e Sudeste - incluindo o ABC - por conta da logística, malha rodoviária, rede de fornecedores e proximidade com os maiores mercados consumidores. Foi então que os políticos do Nordeste, Norte e Centro-Oeste começaram a pressionar por um incentivo regional, já que a região era menos desenvolvida que as demais.

"Em 97, começou o regime Nordeste - que também beneficiou o Norte e Centro-Oeste -, no início, foi um mico. Mas ficou mais atrativo a partir de 2000, conquistando a Ford - que também comprou a Troller e herdou os benefícios. Como as regiões permaneciam com menos desenvolvimento, foram renovados algumas vezes e atraíram mais empresas", explica o especialista.

O advogado explica que, além dos incentivos fiscais recebidos do governo federal, os estados - como São Paulo - também realizaram seus próprios programas."Já existiu e ainda existe incentivo automotivo no estado de São Paulo. O que está vigente dá desconto no ICMS para quem investiu mais de R$ 10 bilhões no prazo estipulado. Também há o InovarAuto, que virou Rota 2030, com desconto no IPI para investimentos em novas tecnologias e em Pesquisa e Desenvolvimento. As montadoras do ABC e de outros lugares do Sul e Sudeste tiveram muitos benefícios em um passado não tão distante. É uma característica, inclusive, dos governos do PT, já que o próprio presidente Lula foi um operário do ABC", afirma Massa.


Sindicato afasta fábricas do ABC?

O ABC Paulista também é o berço do sindicalismo no Brasil e até hoje tem entidades atuantes - dentre elas, a mais emblemática é o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Em entrevista ao UOL, Flavio Padovan, sócio da consultoria MRD Consulting e ex-executivo de montadoras como Ford, Volkswagen e Jaguar Land Rover, diz que sindicato "pesa" na hora de uma empresa decidir onde gastar seu dinheiro, mas não é um fator decisivo. "É natural que o sindicato exerça o direito de lutar por sua categoria. Ao longo do tempo, à medida que determinada região vai se desenvolvendo, os trabalhadores inevitavelmente vão se organizando."

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Para Moisés Selerges, presidente do Sindicato, as empresas preferem conversas com sindicatos mobilizados porque eles constroem bons acordos. "Os sindicatos mais experientes sabem que as empresas têm que ser competitivas e têm que ter ganhos de produtividade. Nós queremos que as montadoras cresçam. O sindicato não discute só o setor automotivo, mas a política industrial do país. Nós cobramos o governo, lutamos por melhorias que beneficiam as montadoras."

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