Ford na Bahia: governo pode gastar indenização bilionária sem fiscalização
Em janeiro de 2021, quando a Ford decidiu fechar a sua fábrica em Camaçari, na Bahia, criou um débito com o governo do estado. Seria necessário pagar uma indenização referente aos incentivos que recebeu para fixar sua unidade por lá. O montante de R$ 2,1 bilhões foi quitado pela montadora americana poucos meses depois, mas até hoje não ficou claro onde a gestão baiana investiu o dinheiro.
Em julho deste ano, a coluna entrou em contato com a comunicação do governo baiano para entender que fim levou a indenização bilionária. Por meio de nota, a gestão disse que "o valor foi agregado ao orçamento do Estado, que por sua vez priorizou investimentos na área social e de infraestrutura", sem detalhar quais foram essas ações.
UOL voltou a questionar o governo para entender se o valor já foi gasto em sua totalidade, a resposta foi que "assim como acontece com outras fontes que integram o orçamento público, os recursos destinados à Fonte 100, provenientes de origens distintas, passam a compor um caixa único, sem diferenciações".
Os gastos não precisam ser expostos com detalhes por conta de seu destino, a Fonte 100 - para onde vão os recursos não vinculados ao Tesouro. A verba presente nessa divisão orçamentária não é fiscalizada pelos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas. A informação foi apurada pela coluna Satélite, do Correio da Bahia, e confirmada pelo UOL Carros. O procedimento foi feito em 2021, durante a gestão do governador Rui Costa (PT), antecessor do atual governador, Jerônimo Rodrigues (PT).
Na prática, o governo pode direcioná-la para qualquer área sem cumprir percentuais de gastos previstos em Lei para áreas como saúde, educação e segurança. Apesar de não haver detalhamento de onde o valor foi investido, o governo da Bahia diz que "os pagamentos realizados com esta fonte, a exemplo de salários dos servidores estaduais, investimentos e gastos com o custeio da máquina pública, embora não identifiquem a origem dos recursos, são totalmente auditáveis: cada uma destas despesas é acompanhada a cada fase (empenho, liquidação e pagamento) pelo Tribunal de Contas do Estado".
De acordo com o governo da Bahia, o valor de R$ 2,141 bilhões, recebido em junho de 2021 pelo Estado, foi uma indenização com base contratual, calculada a partir de benefício financeiro concedido nos termos da Lei nº 7.537/1999, que regula o programa Proauto. O pagamento está escriturado e destacado nas páginas 169 e 218 das Demonstrações Contábeis Consolidadas do Estado relativas ao ano de 2021. O benefício financeiro concedido na época consistia em financiamento de capital de giro, que teve que ser ressarcido por determinação contratual.
"O ressarcimento tecnicamente consistiu numa indenização que integrou a receita corrente, mas não foi pagamento de imposto e por isso não se confundiu com a receita tributária. Exatamente por isso, de acordo com a legislação aplicada à contabilidade pública, os recursos pagos pela Ford foram classificados como outras receitas e registrados na Fonte 100, que é movimentada de forma transparente e regularmente fiscalizada pelas instâncias competentes, nos mesmos moldes aplicados a todas as demais fontes do Estado", disse o governo baiano.
Em 2021, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) da Bahia informou um crescimento de 161% acima do previsto na divisão orçamentária "outras receitas correntes" e atribuiu o salto ao pagamento da Ford. Os detalhes, no entanto, não são analisados, já que o governo não precisa prestar contas desses recursos ao TCE, como é feito com as verbas fruto de arrecadação tributária.
Um deputado entrevistado pela coluna, que não quis se identificar, alerta que a indenização paga pela Ford foi em relação a isenções tributárias que teve para incentivar o investimento em Camaçari. Nesse caso, o uso da verba precisaria ser explicado ao TCE, como toda receita tributária.
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